A cura do cancro do cérebro pode estar num hidrogel de pimenta? É uma terapêutica que está a ser desenvolvida por João Seixas, cientista da TargTex, uma empresa spin-off do Instituto de Medicina Molecular.
Consiste em aplicar a piperlongumina - um composto natural que se encontra em algumas plantas de pimenta, específicas do sul asiático - num hidrogel, aquando da cirurgia, dentro da cavidade cerebral, especificamente no local de onde foi parcialmente extraído o tumor.
Em entrevista à Renascença, Joao Seixas explica que a descoberta surge na “sequência de um estudo que já tem vindo a ser desenvolvido, desde 2018, no laboratório do professor Gonçalo Bernardes, no Instituto de Medicina Molecular, em Lisboa, onde a equipa de investigadores descobriu que através de um algoritmo de inteligência artificial, que uma molécula já existente na literatura, chamada piperlongumina, um produto natural que existe nas plantas e algumas plantas de pimenta, ativa ou bloqueia, neste caso, um recetor específico em células tumorais e em células tumorais de glioblastoma”.
Uma nova esperança de vida para doentes
O tratamento considerado inovador e eficaz surge, assim, como uma nova esperança à vida destes doentes oncológicos.
“O glioblastoma é um tumor cerebral primário, o mais comum e agressivo que existe. A esperança média de vida dos pacientes diagnosticados com esta patologia é cerca de 15 meses”, refere o investigador, realçando que, mesmo com a terapia existente, é um tempo de uma esperança de vida extremamente curto.
Daí a importância da descoberta, que foi validada em ratinhos e em estudos laboratoriais, e que mostra que “a piperlongumina, quando administrada localmente sobre o formato de um hidrogel para aplicação local, tem a capacidade de eliminar o tumor, as células tumorais existentes”.
“As experiências em ratinhos foram, de facto, bastante promissoras, conseguimos ver a remissão do tumor”, conta.
Inovação chega aonde não é fácil
“Estamos a falar de uma forma de administração bastante específica”, diz João Seixas, explicitando que o grande problema do glioblastoma, tratando-se de um tumor localizado no cérebro, é não ser de fácil acesso para a maioria dos fármacos.
“A maioria tem muita dificuldade em aceder ao tumor e em eliminar o tumor, porque o cérebro tem uma proteção natural chamada a barreira hematoencefálica que serve para proteger de agentes externos, mas, por outro lado, também bloqueia a entrada de fármacos no cérebro”, detalha.
O cientista observa que os pacientes quando são diagnosticados com a doença vão imediatamente para a cirurgia, com vista a remover o máximo de tecido tumoral possível.
“No entanto, dada a localização do tumor no cérebro, que é um órgão bastante sensível, o neurocirurgião tem sempre dificuldade em fazer uma remoção completa. A maioria das cirurgias são apenas remoções parciais do tumor, deixando uma margem de segurança que, infelizmente, são as células que posteriormente voltam a crescer e levam à morte do paciente, destes doentes de glioblastoma”, explica.
A abordagem da equipa que está a desenvolver o novo produto passa, por isso, por tirar vantagem desta situação, ou seja, aproveitar a cavidade no cérebro, que fica da cirurgia, para a preencher com o hidrogel.
“Este hidrogel leva este produto natural a piperlongumina que depois se difunde pelo cérebro e elimina as células cancerígenas que não foram totalmente removidas durante o procedimento cirúrgico. E assim evitamos a recorrência do tumor e, esperamos nós, conseguimos salvar a vida destes doentes”, explica.
Produto pode chegar ao mercado em 10 anos
A TargTex está na última fase de desenvolvimento pré-clínico, tendo assegurado, a semana passada, um investimento de 2 milhões de euros pela farmacêutica portuguesa Basi, o que vai permitir a realização dos primeiros ensaios clínicos em humanos, previsto para o próximo ano.
“Esperamos que em meados de 2023, ou no último trimestre de 2023, consigamos essa autorização para iniciar ensaios clínicos e começar a testar o nosso hidrogel, com o nosso fármaco em pacientes pela primeira vez”, diz João Seixas.
O cientista sublinha, no entanto, que seguindo a lógica de desenvolvimento do produto, que é habitual na indústria farmacêutica, após esta fase inicial de ensaios clínicos, onde vão averiguar a segurança para os pacientes do produto, segue-se a fase 2 de ensaios clínicos, com uma população mais abrangente e maior número de pacientes, onde é averiguada não só a segurança, mas também a eficácia e posteriormente uma fase 3 com um número ainda maior de pacientes.
Como é típico destes projetos de desenvolvimento de fármacos, “o produto só estará disponível no mercado para ser comercializado dentro de 10 a 12 anos”, indica.
O cientista do Instituto de Medicina Molecular nota que há vários projetos a serem desenvolvidos em Portugal, em fases iniciais de desenvolvimento, e defende que “é muito importante começar a garantir-se apoio para estes projetos para que se possam translacionar e possam criar um ecossistema de Ciências da Vida forte no nosso país”.