O mundo já não está “perigoso”
03-08-2017 - 18:29

Pelo andar da carruagem, “perigoso” já parece muito pouco para classificar o estado do mundo.

Trump promulgou, na quarta-feira, o diploma do Congresso que impõe sanções à Rússia pela sua intervenção nas eleições norte-americanas… a favor de Trump. Dito isto, já parece suficientemente estranho, mas, mesmo que tenhamos presente que o Presidente não está a fazer mais do que a evitar um veto polémico a uma decisão aprovada por esmagadora maioria no Congresso - e que embrulhou a decisão numa série de protestos contra quem não o deixa governar,” nem acabar com o Obamacare”, nem gerir a politica externa a seu belo prazer -, o qaudro não deixa de se apresentar um bocadinho confuso.

Trump avisou que a promulgação (obrigatória) marcava o ponto “mais baixo” e “mais perigoso” das relações entre os dois países. E, ontem, o Senhor Juncker veio lembrar que o direito internacional aconselhava que, antes do reforço das sanções pelos norte-americanos, estes deveriam ter dado uma palavrinha aos aliados, acrescentando que esperava que a União Europeia ainda continuasse, pelo menos, a ser considerada como “aliada”.

Há empresas europeias, sobretudo ligadas ao sector da energia, potencialmente muito afectadas com a decisão e isso não poderia ter deixado de ser levado em conta em situações como esta, por mais que nos USA comece a ganhar terreno entre Republicanos e Democratas a tese de que apenas conta a doutrina Trumpiana do “America First”.

Este episódio vem apenas confirmar que nada, mesmo absolutamente nada se tornou minimamente previsível nos tempos que correm. Na Rússia, houve quem se apressasse a desvalorizar a nova politica americana, frisando que “nada muda face ao que já estava em vigor”, mas Putin, naturalmente, amuou, e passou guia de marcha a 755 dos 1.200 funcionários da embaixada norte-americana. Fica nas entrelinhas que. se a coisa azedar. podem ir todos!

A questão que se coloca agora é a de saber qual o efeito prático desta inversão nas relações dos dois países que ameaçavam tornar-se, pelo contrário, “excessivamente” cordiais. Além disso, confirma-se o total desnorte na liderança americana. Hoje pró-Russia e anti-China, amanhã pró-China e anti-Russia, no discurso pró-pobres, e nos negócios e nos impostos pró-ricos. Sempre ao sabor do vento do dia a dia e do que vai sendo interpretado como “interesse da América” - o único “pró” que não muda, embora ninguém consiga perceber o que realmente significa.

Desde que Trump subiu ao poder, o rodopio dos seus colaboradores mais próximos é também revelador da dimensão do amadorismo político da nação mais poderosa do mundo ( não contemos ainda com a China). Entre demissões do chamado núcleo duro presidencial, já se contam 17 despedimentos sumários. O novo chefe de gabinete do Presidente americano é, actualmente, um general credível, mas nada garante que permaneça no activo muito mais tempo . Trata-se de um “herói” do Afeganistão e, goste-se ou não da sua atitude militarista, provou esta semana que não ocupa o lugar para aturar despautérios, venham eles de onde vierem. Ou seja, mesmo que partam de um jovem multimilionário financiador e amigo do Presidente, empossado há pouco mais de uma semana ( para a difícil pasta da Comunicação), e já destituído. O inenarrável Anthony Scaramucci.

O general exigiu ser tratado com o respeito devido por todos os restantes colaboradores e o Presidente foi obrigado a despedir o amigo em menos de dez dias por uso de linguagem grosseira e vulgar numa conversa com uma jornalista sobre a composição da restante equipa presidencial. Uma daquelas conversas que parecem confirmar que Trump e os seus amigos jamais deviam ter deixado de ser o que efectivamente são: empresários de um sector ligado à moda de mau gosto e baixo nível.

Mas será que o general consegue, por si só, resistir a este tipo de nova guerra e pôr ordem na casa, como bem perguntava, ainda recentemente, numa sua análise, Miguel Monjardino? Ou mais claro ainda: será o general o homem certo para conseguir “pôr em sentido” toda a família desta inesperada dinastia-trumpista que assumiu, como por azar, o governo da Républica: da rainha Melania à princesa Yvanka e ao príncipe Donald Jr., sem esquecer o príncipe-consorte e principal conselheiro do Reino (o genro Jared Kushner) e a acabar no principezinho adolescente de ar enjoado que, ao que consta, também tem linha aberta para entrar na Ssala Oval sempre que lhe apetece ir visitar o papá?

Haverá quem recorde que Clinton também não fazia melhor uso dos seus aposentos e não era especialmente selectivo na entrada de estranhos. É verdade. Mas, em matérias de Estado, não só sabia muito mais como disfarçava bem melhor alguma eventual ignorância.

E que dizer das recentes entrevistas dadas a jornais de referência, mas que, segundo a imprensa, terão decorrido num clima de estranhas cumplicidades jornalístico-politicas? Será que ainda poderemos confiar na independência da Justiça, nas poderosas agencias (embora recentemente decapitadas como a Cia e o FBI) e no efectivo controlo do quarto poder? Nos "checks and balances" e na sólida democracia herdeira das “luzes” francesas.

Não são só as relações americanas e russas que estão ao nível “mais baixo” e “perigoso” de sempre. Há também a Coreia do Norte, a Turquia, o Médio Oriente, a Venezuela e mesmo a UE (com o Brexit, a Hungria e a Polónia a andar para trás…). Pelo andar da carruagem, “perigoso” já parece muito pouco para classificar o estado do Mundo.