Nuno Botelho: “Ferro Rodrigues foi o histérico da semana ”
20-05-2018 - 16:05
 • José Bastos

“O futebol foi apenas o mecanismo que nos permitiu ver a figura patética das três personalidades cimeiras do estado”, diz Nuno Garoupa. “Criar nova ANSD? Acho bem, mas já existe. Chama-se PSP ou GNR”, ironiza Luís Aguiar-Conraria

A classe política prometeu apertar o cerco “à selvajaria” que circula como um satélite à volta do futebol português, mas sem nunca se distanciar da sua órbita. Marcelo Rebelo de Sousa, António Costa e Ferro Rodrigues, ficou a saber-se, não vão à bola, em mais que um sentido, com o presidente do Sporting. A pressão foi tal que Bruno de Carvalho auto ausentou-se do jogo deste domingo no Jamor.

Os acontecimentos de Alcochete levaram o poder político a reagir com uma contundência pouco habitual. O léxico usado terá até ultrapassado episódios recentes, fogos florestais incluídos. Marcelo confessou-se “vexado”. Na Bulgária, António Costa denunciou a “selvajaria”, mas Ferro Rodrigues, presidente da AR, foi mais longe. Ferro aludiu a “actos gravíssimos”, sugeriu um jogo à porta fechada e investigações à direção do Sporting.

Mas terá sido desproporcionada a operação de “choque e pavor” do poder politico voltada para o maior símbolo do populismo desportivo? Nuno Botelho não poupa, no Conversas Cruzadas, o comportamento do presidente da Assembleia da República.

“Acho que há uma histeria nacional à volta desta questão. Dava o premio "histérico da semana" a Ferro Rodrigues, porque a segunda figura do estado ir aos Passos Perdidos da Assembleia da República falar, não sobre o segredo de justiça - sabemos o que pensa -, não falou sobre Sócrates - sabemos que o queria agraciar com uma comenda -, não falou sobre Manuel Pinho, não falou sobre o caso Face Oculta, caso Galp, ou a OPA à EDP, não, nada, o senhor falou sobre a situação do Sporting”.

“Enganou-se no local, como associado do Sporting devia falar na Assembleia Geral do clube onde nunca deve ter ido. É lá que devia falar. É absolutamente lamentável a intervenção do presidente da AR e sobre isso não devemos ter meias-palavras”, diz o jurista.

Passando das críticas aos elogios Nuno Botelho isenta Marcelo Rebelo de Sousa. “Já quanto ao Presidente da República acho ter colocado bem a questão ponderando associar-se à final e conferindo alguma acalmia e reflexão à questão”, diz.

“Falando ainda em quem esteve bem, Rui Rio esteve muitíssimo bem ao relembrar o que tem sido uma bandeira na sua carreira política: manter distância da promiscuidade do futebol com a economia e não dar confiança a determinados poderes ocultos do futebol que gravitam em todos os clubes”, afirma o presidente da Associação Comercial do Porto. “Outro aspecto lamentável é que em Portugal parece não haver outro assunto que não o 'caso Sporting'. O tema que abre e ocupa telejornais é este e mostra o triste estado a que chegámos”, anota ainda Nuno Botelho

Nuno Garoupa: “O papel do futebol é permitir à classe política aparecer num registo responsável e ponderado”

Já Nuno Garoupa alerta para a possibilidade do futebol funcionar com máximo denominador da classe política eliminando a necessidade de uma dialética de confronto, porque “podem fingir estar do mesmo lado”, diz.

“Antes de se falar sériamente gostava de acrescentar uma ironia: mas os holligans de Alcochete não têm presunção de inocência? Já estão condenados com sentença transitada em julgado? É que se ainda não estão, coitados, são inocentes e as autoridades deviam estar todas caladas até o Ministério Público deduzir acusações e, depois, serem condenados”, diz o professor da Universidade do Texas AM School of Law.

“Isto leva-nos a uma classe política lamentável que não comenta alguns temas e para outros entra na onda logo nos primeiros cinco segundos da onda. Não vai na crista da onda, vai mesmo na frente da onda, a que se junta, infelizmente e com grande responsabilidade a comunicação social”, observa Nuno Garoupa.

“A classe política sente necessidade de fazer intervenções sobre tudo o que abre os telejornais e fica tudo em loop. E o futebol tem uma grande vantagem sobre outros temas porque aqui não há necessidade de forçar um ‘esquerda vs direita’. Podem todos fazer intervenções a bater em alguém fingindo estarem todos do mesmo lado. Não há o problema de ter de forçar alguma discussão, alguma ilusão ou simulacro de divisão. Esse é o grande papel do futebol em Portugal: permitir à classe política aparecer num registo responsável, ponderado, defensor dos valores nacionais, do bom nome de Portugal sem ter de estar a afrontar outros membros da classe política”, prossegue Nuno Garoupa.

E quanto à intenção do governo de criar uma Autoridade Nacional para a Segurança no Desporto (ANSD), organismo, revela o Expresso, em tudo idêntico ao extinto CNVD, pelo governo Sócrates, integrado por António Costa em 2007? “A intervenção do primeiro-ministro é absolutamente disparatada e explica porque é que o PS está onde está. Qual é a resposta nos primeiros cinco minutos? É vir anunciar uma nova autoridade e um pacote legislativo”, defende Nuno Garoupa.

“Portanto, receitas de 1998, receitas de 1995. Receitas que podem contentar alguns eleitores, mas já não satisfazem uma grande parte do eleitorado. Na minha opinião, o PS está a falar para uma percentagem muito concreta do eleitorado, não para a totalidade e isto explica a situação do Partido Socialista. Reage com receitas e bandeiras de há vinte anos. Perante o que aconteceu é completamente disparatado ir criar uma nova autoridade. É completamente disparatado pensar em alterações legislativas com base em algo que ainda nem sabemos muito bem porque teve lugar e como vai evoluir do ponto de vista do Ministério Publico. Mas lá está, primeiros cinco minutos e, já vamos criar uma Autoridade contra a Violência no Desporto”, diz o economista Nuno Garoupa a partir de Dallas, Texas.

Nuno Botelho, alude, à ‘receita PS’ para resolver problemas ao anunciar uma nova Autoridade Nacional para a Segurança no Desporto (ANSD). “É a maneira socialista de tentar solucionar as questões. Que passa por, ou fazer uma lei muito complicada que ninguém consegue cumprir, ou criar uma autoridade para dar mais uns empregos a uns boys. Essa medida não tem lógica absolutamente nenhuma e é passar um atestado de incompetência à PJ, à PSP e à GNR forças que actuam exemplarmente”, sublinha o jurista.

Luís Aguiar-Conraria: “O grau de insanidade à volta do futebol tornou-se uma normalidade”

Criar uma nova Autoridade Nacional, Luís Aguiar-Conraria? “Acho muito bem, mas essa ANSD já existe. Chama-se PSP ou, se for o caso, GNR”, responde o professor da Universidade do Minho. Aliviando o pé do acelerador de ironia, o economista acentua o lado exorbitante e de insanidade pura induzido pelo futebol ao espaço público nacional.

“É evidente que há algum exagero na dimensão política conferida à questão. Alcochete não foi nenhum atentado á nação e é óbvio que o bom nome de Portugal não está em causa e isto enquanto problema do Sporting é para o Sporting resolver. Por outro lado, ter uma acusação a aludir a terrorismo? Tenhamos noção das coisas!”, afirma Luís Aguiar-Conraria.

“Ter 50 pessoas a invadir um campo de treinos e a bater? Terrorismo? Ainda há semanas tivemos notícias de um bando de pessoas que entrou nas urgências do hospital de S. João do Porto a agredir em médicos e enfermeiros. Alcochete não é um atentado terrorista. Óbviamente não é. A soberania da nação portuguesa, o sistema político, a constituição nada está em causa e num atentado terrorista, entre outros aspectos, e é disto que estamos a falar”, faz notar o professor da Universidade do Minho.

“Por outro lado, é também reflexo da atmosfera que rodeia o futebol em Portugal. O grau de insanidade á volta do futebol tornou-se uma normalidade. E isto é anormal. Como quando há num jogo grande, as autoridades virem pedir às escolas para encerrar mais cedo, ou às lojas para fechar evitando problemas. Todas estas notícias são dadas como se fossem normais. Quando óbviamente não são nada normais. Um jogo de futebol não pode gerar este espalhafato social”, alerta Luís Aguiar-Conraria.

Nuno Garoupa: “Os três principais expoentes do estado fizeram uma figura patética e lamentável”

O jurista Nuno Botelho acentua o seu foco crítico nos media. “Quando a Quadratura do Circulo, referência do comentário político televisivo, é transferida esta semana do seu horário habitual - para discutir se o presidente do Sporting continua no cargo - lembra aquele caso de Pedro Santana Lopes. Santana estava a ser entrevistado na SIC Notícias, a comentar a crise do PSD, e é interrompido para se mostrar a chegada de um treinador de futebol ao aeroporto sem nada para dizer. Santana disse, e muito bem, estar tudo doido. Isto passou-se há uns anos e continua tudo doido”, nota Nuno Botelho.

A terminar a emissão Nuno Garoupa abre, a partir de Dallas, a ‘grande angular’. “Perceber porque razão as pessoas têm um desinteresse pela política directamente proporcional ao interesse pelo futebol deve interessar politólogos e até aqui o Conversas Cruzadas, mas essa é outra questão”, sinaliza o professor da Universidade do Texas AM School of Law.

“De facto, preocupa-me a classe política principalmente as figuras cimeiras do Estado. O senhor presidente da Assembleia da República foi lamentável, mas na avaliação também incluo as declarações iniciais do PR e do PM. Os três principais vultos do estado fizeram uma figura absolutamente patética e lamentável”, situa Nuno Garoupa.

“Ora, num país onde a classe política vai atrás destes acontecimentos e faz uma figura patética o problema é muito mais grave que o futebol. O futebol foi apenas o mecanismo que nos permitiu ver a figura patética que fizeram as personalidades cimeiras do estado”.