Portugal prepara adjuvantes mais baratos e sustentáveis para tornar vacinas mais eficazes
26-02-2021 - 23:15
 • Olímpia Mairos

Equipa de investigação encontra-se, neste momento, a apoiar o desenvolvimento de adjuvantes de rápida produção, sustentável e com custos limitados, capaz de se adaptar a novos agentes patogénicos e estimular a resposta imunitária contra diferentes antigénios.

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O Centro de Biotecnologia e Química Fina (CBQF) da Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica Portuguesa, no Porto, e a Amyris, empresa americana líder em engenharia de leveduras e produtos direcionados para a saúde, estão a desenvolver um projeto denominado "GluVac-Covid19" com vista à produção de adjuvantes para vacinas profiláticas.

Em entrevista à Renascença, João Carlos Fernandes, investigador do Centro de Biotecnologia e Química Fina (CBQF) da Universidade Católica, destaca que o grande desafio deste projeto, principalmente pelo contexto de pandemia que vivemos atualmente, é “conseguir dar resposta à necessidade de desenvolvimento de soluções inovadoras que se adaptem a novos agentes patogénicos e que permitam acelerar o processo de desenvolvimento de novas vacinas, com foco na vacina para a Covid-19”.

O investigador explica também que os adjuvantes para vacinas desempenham um papel fundamental na resposta imunitária provocada por um grande número de vacinas, incluindo algumas contra o SARS-CoV2, que se encontram em desenvolvimento.

Em síntese, a equipa de investigadores, em colaboração com a Amyris, está a desenvolver uma nova forma sustentável de fornecer um adjuvante já utilizado pela indústria e a trabalhar no desenvolvimento de novos e mais eficazes adjuvantes.

Adjuvante é um medicamento ou outra substância, ou uma combinação de substâncias, usado para aumentar a eficácia ou a potência de certos medicamentos.


O que é o GluVac-Covid19 e o que se propõe alcançar?

O projeto de GluVac-Covid19 é um projeto que nasceu de uma parceria entre a Universidade Católica, nomeadamente a Escola Superior de Biotecnologia, e a empresa Amyris, de desenvolvimento de algumas moléculas com relevância para diferentes áreas, desde a área farmacêutica, cosmética, alimentar, etc.

Propriamente, aqui, no GluVac específico Covid-19, este projeto centra-se na utilização de umas moléculas que, em conjunto, conseguimos obter para estimular ou para ser adicionado como adjuvante a vacinas profiláticas. Nós conseguimos, ao longo da nossa investigação, isolar algumas moléculas com uma pureza bastante elevada, verificamos que tinham capacidade para estimular a resposta imune do ser humano, ou seja, quando adicionados como adjuvante a uma vacina consegue aumentar a sua eficiência.

Em que fase se encontra o projeto?

O projeto, neste momento, podemos dizer que se encontra meio. O projeto é dividido em quatro fases. A primeira fase era desenvolver o processo para purificação destas moléculas e como é obtê-las com grande grau de pureza que permitisse abrir horizontes à sua aplicação como adjuvante às vacinas. Isso já foi concluído nas instalações da Universidade Católica Portuguesa. Depois passou-se por uma segunda fase, que é a fase de formulação, para a qual contamos com um parceiro que é uma autoridade na área de desenvolvimento e formulação de vacinas, que é o Instituto de Investigação em Doenças Infeciosas (IDRI), que está a ver as várias formas de formular esta molécula e a fazer alguns ensaios iniciais com células humanas, em parceria com o trabalho que nós também estamos a fazer neste momento, aqui, ao mesmo tempo, em paralelo. Esperamos que esta tarefa termine nos próximos dois meses. A terceira e última fase do projeto GluVac iniciará em abril, com uma parceria da Faculdade de Medicina de Coimbra e que contará com o ensaio de experimentação animal para verificar in vivo o potencial imunoestimulante ou potencial como adjuvante de vacinas destas moléculas.

Em síntese qual é o grande desafio que têm pela frente?

O grande desafio é criar um adjuvante. Não era nessa direção que íamos inicialmente. Nós encontramos ou deparamo-nos com estas propriedades um pouco por acaso, fazíamos uma análise, uma caracterização geral destas moléculas. Numa conversa, também por acaso, com um responsável do instituto de doenças infeciosas americano, ele ouviu falar destas moléculas e disse que já há bastante tempo que procurava estas moléculas com este grau de pureza e que estaria muito interessado em colaborar e tentar dar um passo além para a sua aplicação como adjuvante de vacinas.

O que são os adjuvantes e que papel desempenham?

Os adjuvantes de vacinação são moléculas de que neste momento há uma grande necessidade, principalmente em caso de pandemia. O adjuvante de vacinas tem uma propriedade que se valoriza muito neste momento: permite que se use uma quantidade de antigénio menor para obter a mesma resposta imune, ou seja, o adjuvante acaba por ser uma substância que é adicionada a uma vacina com o objetivo de aumentar a sua eficiência. É utilizado basicamente para estimular o sistema imunológico e aumentar uma resposta imune precoce duradoura e eficiente.

Agora, o resultado prático que se obtém do uso de adjuvantes é que conseguimos obter o mesmo nível de proteção imunológica, não havendo necessidade de utilizar tantas doses de antigénio. Fazendo uma analogia com o que se passa agora com o SARS-CoV-2, podemos diminuir a quantidade de antigénio presente numa vacina, adicionando este tipo de adjuvantes, o que nos permitirá, com uma quantidade limitada de antigénios - porque custa obter o antigénio, é demorado e é um processo economicamente pesado - nós, com a mesma quantidade de antigénio conseguimos produzir mais vacinas que as que seriam produzidas não havendo a adição deste adjuvante. E o efeito será exatamente o mesmo.

Uma mais valia, portanto, em tempos de pandemia?

Esperamos que sim. É óbvio que este projeto foi direcionado para aproveitar o financiamento Portugal 2020, através da AICEP e da Amyris. Acabamos por direcionar este projeto também um pouco para a problemática da Covid. Também foi assim que nos foi pedido para levar esta colaboração para a frente com o instituto de doenças infeciosas, mas, inicialmente, nem pensaríamos ir já para a SARS-CoV-2, porque é uma necessidade mais presente e o estudo e o desenvolvimento de adjuvantes de vacinas tem um “timeline” bastante demorado.

Quais os passos que se seguem?

Além da experimentação animal, é preciso fazer uma série de testes clínicos com humanos para provar não só a eficiência, mas a sua segurança. No entanto, estes “timelines”, agora, estão todos um pouco desorganizados do que seria de esperar com esta pressa toda associada à situação da Covid-19. Mas sim, é isso que nós esperamos. Esperamos que seja o mais rápido possível. Se não for no próximo ano ou nos próximos dois anos, que seja num futuro próximo, que tudo corra bem. Apesar que, devo ressalvar, espero que não haja necessidade para mais adjuvante nos próximos tempos, como de uma forma tão acentuada como neste momento, que seria mau sinal, era sinal que continuaríamos com uma situação de pandemia ou com novas pandemias por aqui.

Já é possível avançar uma data para a disponibilização dos adjuvantes?

Ainda é cedo. Não deixa de ser um projeto de investigação. Por mais que qualquer investigador veja o seu projeto de investigação com o seu bebé, temos que que por alguma água na fervura e ver que isto passa por processos de investigação que, a qualquer momento, podem não nos dar resultados de acordo com o que estamos à espera.

Neste momento está tudo correu muito bem, as formulações estão a correr bem, os resultados são muito promissores. Agora, esperamos ter resultados também na mesma na mesma linha com os estudos em animais e a partir daí é que poderemos começar a pensar em definir um timeline mais concreto, porque, por agora, temos que ir pouco a pouco, tentando chegar lá. Mas lá para junho ou julho já deveremos ter uma ideia mais concreta e mais bem definida sobre o potencial destas moléculas, deste adjuvantes, e que linha temporal teremos pela frente para a sua possível aplicação, a entrada no mercado.

Quando preveem iniciar os ensaios clínicos em humanos?

Não há uma data prevista porque, sem realizarmos, inicialmente, os ensaios com animais - a experimentação animal, não vale a pena estar a dar um passo maior que a perna neste momento, porque isto envolve um investimento bastante avultado e nessa altura teremos que fazer um licenciamento ou uma parceria com uma empresa farmacêutica de maior dimensão, que também já está a ser pensado e já tem vindo a ser falado, porque é muito complicado. Ensaios clínicos já envolvem valores na casa dos milhões de euros e nós, neste momento, estamos a falar de um projeto que até ao final dos ensaios com animais está na casa dos 300 e poucos mil euros de financiamento.

Mas os ensaios em animais estão para breve?

Começarão em abril e serão levados a cabo na Faculdade de Medicina de Coimbra e depois serão concluídos ou a análise de parte desses estudos será feita em parceria entre a Amyris, Universidade Católica e a Faculdade de Medicina de Coimbra.

Qual é o papel da Amyris neste projeto?

A Amyris tem bastantes papéis relevantes. Digamos que é um ator principal em vários momentos deste projeto. Primeiro, porque é o promotor do projeto a par da Universidade Católica. Depois, porque estas moléculas só existem porque - nós não falamos, mas estas moléculas são obtidas a partir de uma levedura que foi desenvolvida pela Amyris.

De que levedura falamos e o que a distingue de outras?

Nós já testamos várias leveduras para obter estas moléculas em particular, mas há uma levedura específica que a Amyris desenvolveu há alguns anos para a produção do adoçante, que demonstrou ter estas propriedades imunoestimulantes que nos fizeram seguir esta direção. Além disso a empresa também já tem um papel bastante relevante na área da produção de adjuvantes de vacinas e de produtos relacionados com a área da saúde, nomeadamente por ser a primeira empresa a produzir esqualeno por via de fermentação, em oposição ao esqualeno que se usa hoje em dia.

O esqualeno é um dos principais adjuvantes de vacinas usados neste momento. Só que o esqualeno de origem natural é obtido principalmente do fígado de tubarão, o que leva a um problema de sustentabilidade tremendo, e tem sido um dos problemas focados nestes últimos tempos pelos media, nomeadamente, América do Norte e mesmo europeus - é que o desenvolvimento de vacinas para a Covid-19 está a levar à extinção, por exemplo, dos tubarões martelo. E a Amyris desenvolveu uma forma de produzir este esqualeno com propriedade exatamente iguais, a mesma molécula, mas através de fermentação, levando, por isso, à poupança de centenas de milhares ou mesmo milhões, quem sabe, no futuro, de tubarões.

Por isso, acaba por se integrar neste projeto de várias formas, não só como um promotor, como também ter um papel dinamizador no desenvolvimento de adjuvantes de vacinas sustentáveis e escaláveis, como também por ser o fornecedor desta levedura que levou anos a conseguir obter uma molécula com essas propriedades.