“Uma referência do século XX” e “absolutamente inovadora e forte”. Reações à morte de Agustina
03-06-2019 - 13:21
 • Marta Grosso com redação e agência Lusa

Agustina Bessa-Luís morreu esta segunda-feira, dia 3 de junho. Governo decretou dia de luto nacional para amanhã, dia do funeral da escritora, no Porto e Peso da Régua.

Veja também:


Não se fizeram esperar as reações à morte de Agustina Bessa-Luís. Marcelo Rebelo de Sousa curvou-se ao génio da escritora e o Governo decretou um dia de luto nacional. António Costa descreve Agustina como "uma imensa tela sobre a condição humana".

Do lado institucional, também já reagiu a ministra da Cultura e o PS, que considerou a morte de Agustina Bessa-Luís "enorme perda para Portugal".

Esta escritora é "um dos maiores vultos" e "um dos grandes expoentes" da cultura portuguesa, escreve o partido numa nota de pesar publicada no seu site.

No campo da literatura, também têm sido muitas as reações à morte de Agustina. Em declarações à Renascença, a escritora Lídia Jorge lembra a criação de uma obra única e sublinha a capacidade criativa de Agustina Bessa-Luís.

No seu entender, os escritores mais novos devem ler Agustina para aprender a construir uma personagem.

“Agustina é absolutamente inovadora e forte na literatura que deixa”, destaca Lídia Jorge. “E depois deixa alguma coisa de uma profundidade imensa, que é a capacidade de análise das condutas psicológicas, dos fundos psicológicos dos personagens. Para se ser hoje um escritor moderno, os jovens serem escritores modernos em língua portuguesa precisam de ter lido Agustina Bessa Luis, não para a imitar, porque ela é inimitável, mas para aprender-se com ela como se constrói uma personagem a partir de dentro, como se analisa, como se segue um percurso biográfico de uma personagem”, defende.

Um "tesouro nacional"

O escritor e professor universitário Rui Zink considera Agustina Bessa-Luís "um tesouro nacional". No dia da morte da escritora, Rui Zink diz que a escritora deixa "a obra e o cheirinho do seu humor e da sua ironia".

"Quando uma pessoa é tratada pelo primeiro nome, como é o caso dela, significa que ela é um tesouro nacional", defende, em declarações à agência Lusa.

Sendo “um tipo de pessoa que não precisava de microscópio para ver mais longe, mais dentro”, tornava-se “chata, porque [nos] via por dentro e isso, às vezes, é um bocadinho incómodo".

Para Rui Zink, Agustina Bessa-Luís deixa "um labirinto enorme de páginas e páginas para nós irmos desbravando", lembrando que, quando era estudante e dava aulas, teve de reler "A Sibila" para ajudar a passar os alunos, sendo a escritora uma presença desde sempre para o professor universitário.

Já o escritor Mário de Carvalho classifica Agustina Bessa-Luís como uma "escritora extraordinária" e "uma das grandes" do século XX, a quem já só falta superar um desafio: o da imortalidade.

"Agustina Bessa-Luís é uma escritora absolutamente extraordinária”, considerou em declarações à Lusa, destacando que a autora de "A Sibila" "ganhou o reconhecimento praticamente unânime de todos os seus confrades”.

"Até agora, tinha conseguido superar o desafio da qualidade, o desafio do reconhecimento, pelos seus semelhantes e pelos leitores. A partir de agora, o desafio é outro: o desafio da imortalidade. E não estaremos cá para saber se ela o ganhará ou não", concluiu.

“Faltou um lobby” a Agustina

Agustina Bessa-Luís “é uma escritora genuinamente portuguesa”, diz o escritor Mário Cláudio, que privou de perto e foi amigo da escritora.

Em declarações à Renascença, Mário Cláudio lamenta que Agustina não tenha sido mais traduzida: “uma grande injustiça”.

“Faltou-lhe um lobby e talvez porque estava muito ligada ao Norte e pouco ao Sul, onde é mais fácil constituir esses grupos de pressão. Disse-me várias vezes que se paga uma fatura por se estar cá para cima”, recorda, ressalvando que a escritora dizia isto com humor.

Mário Cláudio conheceu Agustina quando cumpria o serviço militar na Guiné – na altura, já um leitor entusiasmado da sua obra – e recorda os conselhos que recebeu da escritora no início da carreira.

A escritora Inês Pedrosa também sublinha o sentido de humor de Agustina Bessa-Luís e diz que lhe é impossível separar a obra da personalidade da escritora, particularmente generosa.

“Quando conheci a pessoa Agustina já era uma grande admiradora dos livros dela”, começa por dizer Inês Pedrosa.

“Ouvia dizer que era uma pessoa muito intempestiva e difícil, mas a minha experiência com ela foi exatamente o contrário”, destaca.

Pilar del Río cita José Saramago sobre Agustina Bessa-Luís

A viúva de José Saramago recorre a palavras do Prémio Nobel da Literatura para falar sobre Agustina.

"Remeto-me ao que disse José Saramago sobre o que ela escreveu: que se há em Portugal um escritor que participe da natureza do génio, é Agustina Bessa-Luís", lembrou Pilar del Río, em declarações à agência Lusa.

A presidente da Fundação José Saramago fala num sentimento de "orfandade" e lembra que a "grande escritora" Agustina Bessa-Luís "dinamizou a Cultura de Portugal com a sua obra, com a sua personalidade, com as suas declarações, que tinha uma voz própria e uma obra esplêndida".

“Expressão riquíssima" para compreender o humano

A presidente da Fundação Calouste Gulbenkian junta-se às vozes de quem aponta Agustina Bessa-Luís como “uma das grandes referências da cultura portuguesa contemporânea”.

"A língua portuguesa tem na sua obra uma expressão riquíssima para a compreensão do género humano e para uma inteligente e paradoxal abordagem da vida e da sociedade", afirma Isabel Mota, em comunicado.

“Referência da literatura portuguesa do século XX”

Guilherme d’Oliveira Martins descreve Agustina Bessa-Luís como “uma das grandes referências da literatura portuguesa e da literatura da língua portuguesa do século XX”.

Em declarações à Renascença, o jurista, antigo presidente do Tribunal de Contas, diz que, “pela forma como trata os temas – o modo muito fino e muito inteligente, inesperado e tantas vezes paradoxal como trata os objetos do seu romance – Agustina é alguém que se coloca ao nível dos nossos melhores”.

“E não podemos esquecer, na circunstância, Camilo Castelo Branco, que é indiscutivelmente um dos autores que se encontra na génese daquilo que é a capacidade criadora desta extraordinária mulher”, destaca.

Voltando ao campo político, o antigo Presidente da República Cavaco Silva lembra Agustina Bessa-Luís como uma "escritora imensa" que marcou toda a literatura portuguesa do século XX, sublinhando a enorme admiração que sempre teve por "essa mulher desassombrada".

"A morte de Agustina Bessa-Luís enche-nos, à minha mulher e a mim, de uma profunda tristeza. Agustina é uma presença constante ao longo das nossas vidas", lê-se numa mensagem de Aníbal Cavaco Silva enviada à agência Lusa.

O líder do PSD, Rui Rio, também prestou tributo "à memória e à obra" de Agustina Bessa-Luís, considerando a escritora como "vulto maior da literatura portuguesa".

A presidente do CDS-PP lembra a escritora Agustina Bessa-Luís como a "inteligência rebelde" e "poder feminino num mundo de homens".

Numa mensagem divulgada à comunicação social, Assunção Cristas afirma que a "obra de Agustina Bessa-Luís é tão preciosa, inacabada e desconcertante como a vida".

"É altura para reconhecermos o milagre improvável de termos tido, em Portugal, quem nos escrevesse", lê-se na mensagem de Assunção Cristas, que transmite as suas condolências à família.

Agustina Bessa-Luís morreu nesta segunda-feira. As cerimónias fúnebres vão decorrer a na terça-feira, partir das 10h30, na Sé Catedral do Porto, presididas pelo bispo do Porto, D. Manuel Linda.

Às 16h00, o funeral segue para o cemitério de Peso da Régua, Vila Real, onde a escritora “será sepultada na intimidade da família”, refere o Círculo Literário Agustina Bessa-Luís.