​Efeitos perversos
24-09-2018 - 06:20

A austeridade pela via dos cortes na despesa pública, sem reformas, enfraquece o Estado e promove o consumismo.

As finanças públicas evoluem no sentido de já não ser uma miragem esperar um excedente orçamental num futuro relativamente próximo. É uma boa notícia, mas a via escolhida pelo governo da A. Costa e M. Centeno para atingir essa meta não tem sido a melhor.

O primeiro-ministro proclama o fim da austeridade desde o início do seu mandato. É propaganda, evitando referir que, na ausência de reformas na orgânica e no funcionamento do Estado (reformas que o PCP e o BE abominam), a consolidação orçamental se processa sobretudo graças a cortes e cativações na despesa pública.

Ora essa “austeridade disfarçada” provoca dois efeitos negativos. O primeiro é a falta de dinheiro em inúmeros serviços e empresas do sector público. O caso dos comboios é chocante e não se limita às linhas regionais – há dias, um Alfa destinado a Braga teve de ficar em Campanhã, por causa de uma grave avaria numa roda; milagrosamente, não aconteceu um trágico desastre.

Outro exemplo: na semana passada o ministério das Finanças autorizou finalmente um concurso para a construção de uma nova ala pediátrica no hospital de S. João, no Porto (por sinal um hospital cuja elevada qualidade de gestão é bem conhecida). Essa nova ala estava prometida há dez anos, mas na melhor das hipóteses ficará pronta em 2021...

O outro efeito perverso da propaganda do “fim da austeridade” está na euforia consumista que desencadeou. A poupança das famílias, em Portugal, é hoje pouco mais de um quarto, em proporção do rendimento disponível, do que era há 30 anos e é metade da média europeia. Pior: a poupança continua a baixar, estando agora abaixo de 4,5% do rendimento disponível das famílias, quando em 1995 se situava em 13% de um rendimento disponível menor do que o atual. Parece que as advertências do Banco de Portugal e os alertas da Deco pouco têm travado o crédito bancário para habitação e consumo.

É uma irresponsabilidade que ameaça o crescimento económico, que aliás já se encontra em abrandamento. O Conselho das Finanças Públicas alertou há dias para que as componentes desse crescimento estão a mudar: o PIB está cada vez mais apoiado no consumo e menos nas exportações e no investimento. Lembrou o organismo liderado por Teodora Cardoso que “os estímulos dirigidos ao consumo têm efeitos positivos no imediato, mas, ao não induzirem ganhos de competitividade, tornam-se insustentáveis“.