​A Geringonça morreu esta sexta-feira
03-07-2020 - 17:59

O voto contra o Orçamento Suplementar não foi um simples ato isolado sem mais repercussão. Foi o “basta” comunista a juntar-se ao chega do Chega, do CDS e da Iniciativa liberal, companhia que só de si devia bastar para garantir a abstenção.

Acabou a geringonça. Esta sexta-feira, a roda do PCP soltou-se do eixo, onde rodou discretamente e a contragosto nos últimos cinco anos. Soltou-se, com estrondo, e de vez. O voto contra o Orçamento Suplementar não foi um simples ato isolado sem mais repercussão. Foi o “basta” comunista a juntar-se ao chega do Chega, do CDS e da Iniciativa liberal, companhia que só de si devia bastar para garantir a abstenção. Mesmo assim, foi contra. O que significa que não vai mais ser muleta “ das políticas da direita”, e vai mesmo voltar a tratá-las como “farinha do mesmo saco”.

A partir daqui, o povo voltará às ruas, a manter as distâncias sociais versão CGTP ou convocado inopinadamente pelas redes sociais, pelos suspeitos do costume, versão “movimentos inorgânicos”. Não voltem a contar com os comunistas para gerir mais crises.

Para cúmulo, as primeiras medidas adoptadas, nesta nova solidão socialista, sofrem de um vício: além de serem “nacionalizações”, ou quase, a única coisa que sabemos delas é que nos vão custar muitos milhares de milhões de euros. Sem que ninguém nos diga sequer quanto, nem durante quanto tempo as vamos pagar. No caso da Efacec, que é uma nacionalização que Marcelo só promulgou por se anunciar temporária esperando uma reprivatização tão cedo quanto possível, é a chamada nacionalização “boazinha”.

Tão estranha que foi bem recebida pelos velhos accionistas parceiros de Isabel dos Santos (cujos bens arrestados, tornaram a presença na empresa verdadeiramente tóxica e paralisante), José de Melo e a Têxtil Manuel Gonçalves. Neste caso não só o Estado não sabe quanto vai pagar como nem sequer sabe ainda “a quem vai pagar” (o Estado angolano diz-se detentor e os bancos credores de Isabel dos Santos também) e o contencioso judicial já foi anunciado por Saragoça da Mata, o advogado de Isabel dos Santos, que classificou a atitude do Governo que passa a deter quase 72 por cento da empresa “ desnecessária e impensada”. Talvez tenha razão.

Que a empresa não podia cair, parece certo. Uma marca consolidada no mercado como uma das mais prestigiadas empresas de engenharia industrial, com 2500 trabalhadores maioritariamente engenheiros, a a deteriorar-se a ritmo assustador devido à paralisação reinante nos corpos sociais, exigia que se fizesse qualquer coisa. Mas a verdade é que o Governo além de nos dizer que espera vender a participação rapidamente (e já tem interessados) não revelou sequer se sabe quanto custa esta intervenção, e a única coisa certa é que a decisão vai perdurar em tribunal. Tudo mal. Em nacionalizações assim, que agradam “aos Melos” nem o PCP embarca.

Já havia, e vai continuar a haver, o “Novo Banco”. Uma espécie de arquétipo do cheque em branco passado pelos portugueses anualmente na esperança de que o banco “bom”, um dia destes, deixe de ser tão mau como se revelou para os contribuintes. E havia alternativa? Provavelmente esta foi a menos má. Depois de uma resolução “péssima” do BES quem faria melhor que atire a primeira pedra.

Mas a péssima experiência do Novo Banco e o seu infindável buraco que grosso modo já engoliu 7 mil milhões de euros, e nos pode custar ainda muitíssimos mais, não preparou o caminho para soluções como as da TAP sem que se sinta um certo calafrio.

É melhor do que deixar cair a empresa? Sem dúvida. Como já aqui escrevi em Março, essa ideia peregrina que passou pelo ministro da tutela e que ele utilizou como arma negocial era própria de quem não percebia que à TAP se aplica em Portugal aquela frase do “to big to fail”, pelo menos de forma abrupta e não controlada.

Essa era uma solução que além de colocar quase 10 mil postos de trabalho em risco directo colocava um total de quase 100 mil incluindo os indirectos. Faria cair como um castelo de cartas uma série de fornecedores. Afectaria a nossa captação direita de turismo e, sobretudo, levaria consigo quase um terço das exportações nacionais (principalmente nos serviços). A TAP teria ainda impacto no afundar da economia em geral porque vale quase 300 milhões de receita fiscal e representa quase 2 por cento da riqueza produzida.

Era fundamental emprestar-lhes 1,2 mil milhões como pedimos autorização a Bruxelas, a título de ajuda estatal? Parece que sim. Os prejuízos dos anos anteriores não permitiram convencer os técnicos da Comissão que a empresa não estava já em crise antes do Covid e, por isso ou por inabilidade negocial, a verdade é que tudo o que Bruxelas concedeu foi a possibilidade do Estado conceder um empréstimo a título de ajuda de estado, condicionado a um férreo programa de reestruturação e pago em seis meses.

Claro que as condições “troikianas” não poderão ser integralmente cumpridas, mas agora caberá ao Estado “cumpri-lo” na medida do possível. Daí o investidor brasileiro lava as suas mãos. Embolsa os 55 milhões, mais os restantes 90 da Azul, mais os juros que impôs em favor de si próprio. Sem ter de fazer papel de mau, parte sossegadamente à sua vida.

Quem vai negociar saídas com cerca de mil e 700 trabalhadores, e vender aviões quando todas as companhias os querem vender, reforçar o capital na medida que for necessário e cortar as rotas esperadas assegurando algumas não rentáveis, gerindo em momento de calamidade económica no sector do transporte aéreo uma empresa tecnicamente falida? O accionista Estado. Quando os trabalhadores saírem com indemnização, ou saírem à rua em protesto, serão sempre os contribuintes a saldar a conta.

A dívida da empresa (que incluindo o leasing dos aviões já ultrapassa os 3300 milhões) se já estava parcialmente às costas do Estado passa agora a estar totalmente incluída na mochila dos encargos da nacionalização parcial. Nos 71 por cento que o Estado passará a ter vai também o custo direto de 55 milhões pagos ao dono da Azul e a devolução dos 90 milhões emprestados à companhia a 7,5 por cento ao ano no final do contrato, ou seja, em 2026.

Resumindo, qual era a alternativa? Provavelmente não havia melhor. E ganhamos alguma coisa com a permanência do senhor Pedrosa? Talvez sim. E Lacerda Machado (o amigo de Costa) que representava o accionista minorou os custos a pagar por todos nós ou fez de verbo de encher? Não se saberá, face ao descalabro parece não ter feito grande coisa, mas nestes negócios quando se pensa que a factura não pode ser maior, geralmente pode. Tudo o que transpareceu foi uma vaga acusação de traidor feita por Pedro Nuno Santos no final das negociações por se ter passado, à ultima hora, para o lado dos privados. Vale o que vale.

Tudo somado, estas “nacionalizações de Julho de 2021” vão nos custar quanto? E por quanto tempo? Muito. E por uns bons anos no caso da TAP Só até ao próximo ano entre os resultados já conhecidos no primeiro trimestre deste ano (quase 400 milhões negativos) e a continuar assim os prejuízos acabarão em 1200 milhões a somar ao empréstimo para salários etc… de outros 1200, mais…mais tudo, o que se tiver de pagar para manter os aviões em terra e os aviões no ar, os trabalhadores que ficarem e os que aceitarem sair, mais, mais, mais. Ou seja, nunca menos de uns 3 mil milhões à cabeça e provavelmente bastante mais do que isto.

É melhor nem fazer a soma. Para o SNS, lembram-se? O reforço foi de apenas 550 milhões. Para as escolas, recuperarem do covid, os 400 milhões de computadores e mais uns cento e poucos para reforço de pessoal e tutorias.

A cada vez que o PS sozinho quiser explicar que “não há dinheiro” e a invasão de fundos europeus não é tão grande, nem tão rápida, nem tão generalizada quanto se pretendia. Alguém vai gritar no fundo da sala: e o Novo Banco, e a TAP, e o PC ainda vai lembrar e os “Melos” e a Efacec…

A Geringonça morreu. E tudo o que Rio promete, em alternativa, para celebrar o fim é o silêncio. Uma liderança de oposição que dispensa debates quinzenais significa que, ou não tem matéria para atacar as medidas do Governo a cada quinze dias, ou não está disposto a admitir vir a dar-lhe a mão em nome do supremo interesse nacional duas vezes por mês.

Esse silêncio pode valer ouro para Costa, mas não é suficiente para garantir que a máquina chegue ao fim da corrida. Antecipam-se tempos difíceis. E um papel cada vez mais actuante e decisivo para Marcelo. O presidente de todos os portugueses e de todo o Governo vai passar a mandar ainda mais recados. Se na Efacec só promulgou o decreto porque estava prevista a rápida reprivatização que escreveria Marcelo para justificar a promulgação de um possível decreto de “ nacionalização da TAP” ? Estão a imaginar? Ainda bem que tudo se resolveu por negociação.