Habitação. Alta de preços faz aumentar número de pessoas sem-abrigo
17-03-2023 - 06:30
 • Henrique Cunha

Diretora-geral dos Albergues do Porto diz que as estatísticas sobre o número de pessoas em situação de sem-abrigo "não refletem metade da realidade".

A diretora-geral dos Albergues do Porto, Carmo Fernandes, diz à Renascença que a comunidade de migrantes “está muito mais vulnerável” por causa dos custos da habitação e adianta que há muitas pessoas "sem condições de poderem permanecer numa casa".

"O preço das casas é neste momento um problema geral, que ganha maior acuidade junto da comunidade migrante que chega a Portugal, muitas vezes sem rede de apoio e sem saber muito bem como é que foi o seu circuito de chegada. Naturalmente, ficam num nível de vulnerabilidade muito maior."

"Também temos contacto com a realidade de muitas pessoas que, não sendo migrantes, mas que pelo facto de ficarem sem casa, com poucos rendimentos e por vezes com outras problemáticas associadas, ficam sem condições”, acrescenta.

Carmo Fernandes sublinha, por outro lado, que o preço das habitações também dificulta o trabalho dos Albergues do Porto “no apoio à reintegração das pessoas", porque torna-se “muito difícil encontrar uma solução".

“Mesmo para nós no processo de apoio à reintegração dessas pessoas, para poderem deixar o albergue ou instituições como o albergue, a determinada altura, o desejável é que as pessoas passem a ser autónomas e este processo de autonomização, que passa por encontrar uma solução de habitação e que implica ter rendimentos suficientes para isso, é cada vez mais difícil”, reforça.

"Estatísticas não refletem nem metade da realidade"

A diretora-geral dos Albergues do Porto garante que as estatísticas sobre o número de pessoas sem-abrigo "não refletem metade da realidade".

Carmo Fernandes adianta que “os dois centros de alojamento temporário da nossa instituição permitem albergar 97 pessoas,” mas, “na verdade, temos mais de metade das pessoas que não confiram as estatísticas das pessoas em situação de sem abrigo”.

“Na verdade, há um número significativo que não cabe dentro desse conceito”, afirma.

Saúde mental: “Faltam respostas”

Para além de considerar que o problema das pessoas em situação de sem-abrigo é muito maior e mais complexo do que as estatísticas nos apresentam, Carmo Fernandes alerta também para a necessidade de se dar mais atenção e importância aos problemas de saúde mental associados ao fenómeno da pobreza e das pessoas sem casa.

Carmo Fernandes reconhece méritos ao trabalho feito pela Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas em Situação de Sem-Abrigo, mas garante que “continuam a faltar muitas respostas”.

A dirigente alude à necessidade de se priorizar a procura de casa e lamenta que “a rede de instituições de apoio não chegue para todas as situações”.

Por outro lado, Carmo Fernandes diz que continua a faltar uma resposta robusta na área da saúde mental. “O caminho precisa de tempo e há algumas áreas que se tornam mais exigentes e eu posso-lhe dar o exemplo da realidade das condições relacionadas com saúde mental, pois há várias situações de saúde mental nos utentes que acompanhamos”, relata.

Carmo Fernandes diz que são pessoas “sem qualquer rede de suporte” que “estão connosco porque não têm qualquer outra alternativa”.

“Nós não somos a resposta vocacionada para essa situação, mas não há outras respostas”, acrescenta.

Neste contexto, Carmo Fernandes considera fundamental haver mais trabalho em conjunto entre a área social e a área da saúde e lembra que, por razões de saúde mental, há muitos utentes dos Albergues do Porto que permanecem anos nas instalações.

A responsável lembra que os albergues “deviam dar uma resposta que devia ser temporária, para um determinado período de tempo que está estimado em seis meses, para ajudar no processo de reorganização e ajudar as pessoas a dar um passo em frente”. Contudo, o que “acontece é que muitas pessoas não têm esse perfil e não conseguem ser completamente autónomas e muito menos conseguem num período de tempo tão breve, encontrar condições para a sua autonomia e isso faz com que depois muitas pessoas permaneçam connosco durante muitos anos”.

“Consideram ser a sua casa e para nós elas estão lá e nos nunca a retiraremos dali, mas o que acontece é que elas estão ali porque não têm a resposta que devia ser a resposta adequada peara elas”, sublinha.

Nesta perspetiva, Carmo Fernandes considera ser “uma utopia” a possibilidade de se acabar com os problemas das pessoas sem-abrigo este ano, como tinha defendido o Presidente da República em 2019.