Não há “pessoas com vaginas”, há mulheres
17-06-2022 - 08:15

Há uma estranha tendência do movimento transgénero para atacar ou apagar a ideia de mulher e de feminismo. E, facto, esta batalha semântica dá um certo jeito ao patriarcado masculino, porque é a ideia de mulher que é sistematicamente atacada. Sim, o efeito mais prático e visível da intolerância e do carácter anti-científico da linguagem transgénero é o apagão de metade da humanidade, a metade que esteve sempre apagada: as mulheres. Eduquei as minhas filhas para nunca aceitarem o desmando dos homens. Lamento, mas também não serão silenciadas pelos transgénero ou pelos intersexuais.

As pessoas transgénero têm direito à sua liberdade, mas não têm direito à sua própria realidade. Têm direito à sua sensibilidade, mas não têm direito aos seus factos, não têm direito ao seu pós-verdade. A negação da ciência e dos factos é muito democrática. Há quem negue a ciência nas vacinas e no aquecimento global, há quem negue a mais elementar biologia só para impor a ideia falsa de que "homem" e "mulher" são apenas construções sociais, meras modas passageiras, no fundo.

As pessoas transgénero, se assim quiserem, podem mudar de sexo e, no final desse processo, devem ser tratados como cidadãos como os outros, isto é, devem ter os mesmos direitos e deveres de todas as outras pessoas. É por isso, aliás, que não compreendo boa parte da confusão e da censura e auto-censura que está a ser imposta em nome do alegado “respeito pelos transgénero”. Como diz Andrew Sullivan, famoso ativista gay, o primeiro grande intelectual gay a defender o direito ao casamento dos homossexuais (em 1989), as pessoas transgénero hoje em dia não podem ser discriminadas. Essa conquista ao nível dos direitos civis está feita. Tal como as mulheres, tal como os negros, tal como os homossexuais, os transgénero têm acesso a todos os direitos que no passado jamais teriam.

A questão é que o radicalismo crescente do movimento transgénero, que ameaça o feminismo e a emancipação gay de várias formas, não se limita a exigir igualdade de direitos; na prática, está a exigir submissão ao nível da linguagem e do pensamento, porque está a exigir que toda a gente aceite uma falsa alteração ideológica da realidade, e isso não é legítimo. Defenderei sempre os direitos civis da pessoa transgénero, tem direito à sua liberdade, é um filho de Deus como qualquer outro, é um cidadão da república como qualquer outro; devido a essa defesa, enfrentarei críticas dentro da minha própria igreja, dentro do meu lado da sociedade. Mas essa pessoa transgénero não tem direito à sua própria realidade, ao seu pós-verdade que nega factos, que nega a biologia, que apaga a linguagem de todas as outras pessoas, que chega a pôr em causa a palavra e própria ideia de "mulher”.

Como dizia há dias Eugénia Galvão Teles, cronista do Expresso, há uma estranha tendência do movimento transgénero para atacar ou apagar a ideia de mulher e de feminismo. E, facto, esta batalha semântica dá um estranho jeito ao patriarcado masculino, porque é a ideia de mulher que é sistematicamente atacada. Sim, o efeito mais prático e visível da intolerância e do carácter anti-científico da linguagem transgénero é o apagão de metade da humanidade, a metade que esteve sempre apagada: as mulheres. Eduquei as minhas filhas para nunca aceitarem o desmando dos homens. Lamento, mas também não serão silenciadas pelos transgénero ou pelos intersexuais.

Quando se insiste na ideia falsa de que não se pode dizer ou escrever “mulher”, que se deve dizer “corpos com/sem vaginas” ou “pessoa com/sem útero” ou “indivíduos com colo do útero”, quando se diz que as “grávidas” só podem ser “seres gestantes” porque só assim há respeito pela ultraminoria transgénero, então, já estamos no campo da repressão e da mentira. Isto não é uma questão de igualdade, é uma questão de submissão a uma linguagem e a uma ideologia que está errada à partida - é evidente que existem diferenças biológicas entre os sexos masculino e feminino. Os corpos e os cérebros de homens e mulheres são química e biologicamente diferentes. "Mulher” e “homem” não são construções sociais, são realidades biológicas exteriores e independentes de qualquer vontade ou ideologia. Os papéis sociais que homem e mulher têm desempenhado na sociedade, sim, são construções sociais e, quem me acompanha, sabe que tenho lutado pela revisão dessas construções sociais: tenho lutado por uma masculinidade mais sensível às mulheres, aos filhos, ao sacrifício pessoal em casa junto dos filhos para que as mulheres tenham as mesmas oportunidades laborais dos homens. Mas estas construções sociais de género não apagam as realidades biológicas que temos à partida. Nós, seres humanos, somos esta luta interna entre biologia/natureza e alma/livre arbítrio. Nós, seres humanos, não somos só o nosso livre arbítrio. O mundo não é a representação imediata da nossa vontade, há constrangimentos objetivos, físicos e biológicos às construções da nossa mente – se não aceita isto, o movimento transgénero está tão no pós-verdade e é tão intolerante como o trumpismo do outro lado.