​Evitar efeitos perversos
07-10-2020 - 06:25

Ajudar as empresas é necessário. Mas deveriam apoiar-se as empresas com perspetivas de futuro, não as que vegetam com ajudas estatais e renovação quase automática de créditos bancários. E é indispensável um esforço para evitar a corrupção, com mais transparência.

Perante os desastrosos efeitos económicos da pandemia, o primeiro impulso dos governantes, em Portugal e em muitos outros países, foi tentar salvar empresas e assim limitar a subida do desemprego que o coronavírus desencadeou. Essa prioridade é compreensível, mas nos esforços de recuperação económica, que se vão intensificar no futuro próximo, importa estar consciente de um risco: o de salvar a todo o custo empresas inviáveis em circunstâncias normais.

Tal risco significa que os meios humanos e financeiros de empresas improdutivas se irão manter nessas empresas, em vez de se encaminharem para outras unidades, já criadas ou a criar, mais eficientes. Simultaneamente, esse desperdício de meios contribuirá para tornar mais rígida a estrutura empresarial portuguesa, travando a tão necessária mudança no sentido da modernização. Na semana passada soube-se que, em 63 países, Portugal passou do 34.º para o 37.º lugar no “ranking” da competitividade digital do World Competitiveness Center. É uma nova descida.

O problema não é novo: durante décadas a banca nacional manteve artificialmente vivas empresas económica e financeiramente condenadas, renovando-lhes crédito. Os bancos mantinham aqueles empréstimos nas suas contas, que assim ficavam mais atrativas; e evitavam a imposição de recapitalizações e falências sempre desagradáveis. As empresas lá iam vegetando, pouco ou nada contribuindo para a melhoria do nosso panorama económico.

Com certeza de que grande parte do crédito malparado que foi para o Novo Banco, supostamente um “banco bom”, sofria deste conluio maligno entre gestores bancários e gestores empresariais.

Agora, trata-se de dinheiro nacional e europeu que cabe ao Governo distribuir para recuperar a nossa economia. Já nem falo da ameaça de “dinheiro para os amigos”, que é corrupção. Se for por diante a alegada intenção governamental de apressar o aproveitamento dos dinheiros de Bruxelas dispensando o concurso público, abre-se mais uma porta à corrupção. Também é um péssimo sinal a não recondução do Presidente do Tribunal de Contas.

A minha questão, hoje, é outra: interrogo-me como irão os governantes escolher as empresas que merecem ser ajudadas, e eliminar as que melhor seria que fechassem as portas. Normalmente, uma decisão dessas seria tomada pelo mercado, ou seja, pelos consumidores nacionais e estrangeiros dos bens e serviços oferecidos pelas empresas. Se tivessem clientes, as empresas mostravam ter futuro e deveriam ser ajudadas. As outras não.

No imediato, o desemprego poderá subir. Mas a longo prazo o emprego deverá aumentar de forma sustentada em empresas mais produtivas. Os desempregados levarão algum tempo até encontrarem um novo posto de trabalho; daí que o subsídio de desemprego deva ser aumentado.

Mas António Costa quer ser apoiado pela extrema-esquerda, que detesta o mercado. E a esquerda do PS está vidrada no fantasma do neoliberalismo, o que lhe oculta os benefícios de um mercado que funcione dentro dos seus limites próprios. Daí o risco de se intensificar a promiscuidade entre negócios e poder político, que tanto e desde há tão longos anos prejudica Portugal.