Um ano de maioria absoluta “subaproveitado”, que nem “no seu pior pesadelo Costa imaginaria”
30-01-2023 - 07:00
 • Fábio Monteiro

Não houve “lua de mel” para o terceiro Governo de António Costa nos últimos doze meses. Enredado em casos e polémicas, não conseguiu aproveitar a “margem política que uma maioria absoluta dá”, diz Carlos Jalali. Pedro Silveira tem mesmo dificuldade em apontar um bom momento do Governo no último ano. O que é “sintomático”, frisa. O resto da legislatura pode bem ficar ensombrado pela ameaça de dissolução.

Faz um ano, esta segunda-feira, que António Costa, à terceira tentativa em eleições legislativas, surpreendeu tudo e quase todos ao conquistar a maioria absoluta para o Partido Socialista - contrariando as expectativas de muitos especialistas e sondagens. Surpreendente também é o estado em que o Executivo socialista chega a esta data, admitem dois politólogos ouvidos pela Renascença.

Passaram 365 dias desde que o primeiro-ministro disse que uma “maioria absoluta não é poder absoluto”. E pouco mais de um mês e meio desde que, em entrevista à revista “Visão”, atirou para os partidos da oposição: “Vão ser quatro anos, habituem-se!”

Da primeira afirmação de António Costa para a última houve “uma evolução”. No espaço de doze meses, o primeiro-ministro “mostrou que é mais fácil dizer do que fazer”, aponta Pedro Silveira, politólogo e professor na Universidade da Beira Interior (UBI) e na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa.

Estando o domínio do Parlamento nas mãos do PS, nos últimos doze meses, houve “recusas de audições parlamentares”, diplomas que poderiam ter sido mais consensualizados” com partidos da oposição, mas não foram.

“Um conjunto de atitudes que mostraram que não era assim tão fácil não exercer esse poder absoluto”, diz Silveira.

Para Carlos Jalali, politólogo e professor na Universidade de Aveiro (UA), o Governo nem sequer “teve uma lua-de-mel” no último ano. E não conseguiu “afirmar e impor na agenda pública aquilo que é o seu projeto político para Portugal”. Aliás, tal ausência tem facilitado o surgimento de casos, movimentos de revolta, como é exemplo as últimas greves dos professores, nota.

“O Governo tem subaproveitado a margem política que uma maioria absoluta dá. Não tem sido capaz de demonstrar qual é o programa de reformas, o programa estrutural que tem para o país nesta legislatura”, afirma.

Em todo o caso, o Jalali faz questão de lembrar, António Costa ainda tem muito tempo pela frente: três anos e oito meses, “quase uma legislatura”, para fazer o que ainda não foi feito.

Casos e casinhos

Se os portugueses, na generalidade, têm uma má imagem de maiorias absolutas, o Governo de António Costa, até ao momento, não veio mudar essa perceção. “Mostrou o alheamento do Governo, um Governo que se fecha e tem muita dificuldade em perceber o escrutínio”, diz Pedro Silveira.

Nos últimos 30 dias, houve uma sucessão de casos (a indemnização a Alexandra Reis), episódios (a secretária de Estado da Agricultura que esteve menos de 24 horas no poder) e demissões (de Pedro Nuno Santos, entre outros). Um período horribilis.

“Nem no pior pesadelo de António Costa, vencedor das eleições, imaginaria que estas semanas existiriam, principalmente ainda durante o primeiro ano de mandato”, diz Pedro Silveira.

O politólogo tem, por isso, dificuldade em apontar um bom momento do Governo durante o primeiro ano de legislatura, salvo o Acordo de Concertação Social.

“Isso é sintomático. Isso diz muito do quão difícil foi este ano para este Governo. Obviamente, existiram algumas conquistas, o acordo de concertação, por exemplo, mas isso acaba por ficar muito escondido perante um conjunto de situações. Se virmos a fita do tempo, vemos que desde cedo foram muitos casos. Que agastaram muito o executivo”, afirma.

A nova palavra proibida: dissolução

Devido a um ano tão atribulado, com uma guerra na Ucrânia que abalou o sistema financeiro e fez mossa nas carteiras dos portugueses, é fácil esquecer que, nas semanas que anteciparam as eleições legislativas, o PS, em particular António Costa, evitou ao máximo pedir uma maioria absoluta. Falou-se muito de “metade mais um” ou de “solução para quatro anos”.

Ora, se “maioria absoluta” foram as palavras evitadas das legislativas, dissolução é aquela que agora ensombra o Governo – e pode vir a ser uma constante para o resto da legislatura. Marcelo Rebelo de Sousa já disse múltiplas vezes que não pretende seguir por esse caminho. Todavia, o Presidente da República também tem deixado no ar, em algumas ocasiões, a possibilidade de um “mas”.

Se, num recado em dezembro para Luís Montenegro, afirmou que "não é claro que exista uma alternativa imediata e forte", ainda na quinta-feira passada, o Presidente da República fez questão de dizer que a maioria absoluta “não é escudo protetor ilimitado”.

Na opinião de Carlos Jalali, a sombra da dissolução “será menos intensa quão mais popular for o Governo” e mais “capacidade de demonstrar medidas” tenha. “O Governo tem uma agenda de pressão a que vai ter de responder”, nota.

Ao mesmo tempo, o politólogo recorda que Marcelo Rebelo de Sousa já sinalizou pelo menos um cenário de dissolução: caso António Costa saía para algum cargo europeu.

“Essa baliza já está definida.” “Por outro lado, é importante notar que o poder de dissolução é também limitado por aquilo que é a popularidade do Governo. Se um Governo é popular, é difícil a um PR dissolver a AR, porque as eleições seguintes tenderão a gerar um resultado semelhante”, diz ainda.

Pedro Silveira não arriscar apontar se a sombra da dissolução irá desaparecer até final da legislatura. Tendo em conta o calendário eleitoral, o Governo de António Costa tem tempo para ainda “reganhar a iniciativa política”.

Neste momento, o Governo está a tentar “recuperar fôlego”, para tentar um novo ciclo. Porém, o politólogo não esquece que o Governo “andou mais de um mês” envolto em casos, com demissões à mistura, algo que “derivou da acumulação de muitos casos, desde o início do mandato”.

A sombra da dissolução tardará, logo, a desaparecer.

“Vai continuar pelo menos durante mais algum tempo, enquanto persistir esta imagem de um Governo desgastado e que perdeu uma oportunidade de ouro, no primeiro ano de mandato, com uma maioria absoluta, de ter um conjunto de reformas que claramente mobilizasse os portugueses”, atira.