Sobre o Brexit, Barnier lembra que “esta é uma negociação extraordinária e muito complexa”. Neste momento, a preocupação de Bruxelas passa por “finalizar o acordo de saída do Reino Unido, não são as relações futuras entre este país e a União Europeia. Cerca de 75% desse acordo estão concluídos. Estão no projecto de tratado que apresentámos há semanas. Mas faltam ainda pontos muito importantes, como a gestão da saída e, claro o problema da fronteira da República da Irlanda com a Irlanda do Norte”.
No horizonte próximo, de acordo com Barnier, perfilam-se três cenários. “Há três possibilidades: O Reino Unido permanecer na UE seria a melhor solução. A seguir, temos a ‘solução norueguesa’, que ficou no mercado único mas não na União. E, por último, há um acordo de comércio livre, como aqueles que recentemente negociámos com o Japão, a Coreia do Sul e o Canadá. Todos estes modelos estão em cima da mesa. Mas o Reino Unido colocou linhas vermelhas, ao decidir ficar fora da união aduaneira e do mercado único. Por isso, o Reino Unido teria de renunciar a algumas das suas linhas vermelhas para podermos adoptar um daqueles modelos. Por causa dessas linhas vermelhas o Reino Unido excluiu-se de qualquer daqueles modelos”.
O negociador considera ser muito importante que se prepare com consistência o futuro relacionamento da União com o Reino Unido, que inevitavelmente exige cuidados especiais de todos os Estados-membros: “A futura relação da UE com o Reino Unido ficará estabelecida num ou vários tratados. Temos que ter muito cuidado com o facto de estes tratados terem que ser ratificados, não só no Parlamento Europeu, como nos parlamentos nacionais de cada um dos 27 Estados membros que ficam na UE. O que nos obriga a ter muito cuidado nos debates que essas ratificações irão envolver”.
Na opinião de Francisco Sarsfield Cabral, especialista da Renascença em assuntos europeus, “podemos depreender destas palavras de Michel Barnier que esta negociação para além de extraordinária se revela muito complexa, apesar de o negociador afirmar que a maior parte do acordo está feito”.
E o futuro dos cidadãos de um lado e de outro?
O negociador-chefe da União Europeia para o Brexit defende que "todos os cidadãos portugueses" no Reino Unido "devem registar-se" para garantir os seus direitos após a saída da União. Barnier assegura que já há um acordo de princípio relativamente aos cidadãos que trabalham nos dois lados.
“É preciso distinguir os cidadãos que já vivem e trabalham num dos lados – 3,5 milhões oriundos da UE no Reino Unido e um milhão e meio de britânicos na UE. Chegámos a um acordo de princípio, segundo o qual o Reino Unido garante os direitos dos emigrantes europeus e às suas famílias, que ali vivem, durante toda a sua vida, incluindo os direitos sociais, a segurança social, os apoios às famílias, etc. Situação diferente será a dos europeus que entrem no Reino Unido ou os britânicos que entrem na UE depois da saída do Reino Unido da UE. Os seus direitos serão garantidos até ao fim do período de transição, isto é, até ao fim de 2020. Depois disso, tudo dependerá da relação futura entre o Reino Unido e a UE, bem como da política de imigração britânica, que não conheço qual será”, diz Barnier.
Nesta entrevista à Euranet, Michel Barnier explicou também os contornos da solução encontrada para que a República da Irlanda não fosse prejudicada com o Brexit:” É a decisão do Brexit que cria o problema da fronteira entre a República da Irlanda e a Irlanda do Norte. É bom lembrar a quem nos escuta do que se trata na Irlanda. Há vinte anos havia muita tragédia na Irlanda do Norte, com conflitos entre protestantes e católicos. Não podemos ter a memória curta. Homens corajosos, homens de Estado, com o apoio dos Governos de Dublin e Londres, e do Presidente americano, acordaram um processo de paz, de estabilidade. Hoje, além da cooperação que existe em inúmeros domínios, há livre circulação de pessoas, bens, capitais e serviços entre a República da Irlanda e a Irlanda do Norte. É uma das condições da paz. Ora o Reino Unido sai da UE, do mercado único, da união aduaneira. A República da Irlanda fica na UE, no mercado único e na união aduaneira. Quer proteger a integridade desse mercado, controlar as mercadorias que entram e o que saem, para proteger os cidadãos, os consumidores, as empresas. Por isso, com o acordo de Dublin, propusemos uma solução excecional, única. É a opinião dos chefes de Estado e dos governos dos 27 países da UE, solidários com o governo de Dublin, de integrar excecionalmente a Irlanda do Norte na nossa união aduaneira e nos regulamentos do mercado único, necessários para preservar a cooperação com o Sul da Irlanda e para preservar o mercado interno”.
Barnier assegura que há total transparência na negociação do Brexit, mas também não esconde que o contexto geopolítico actual é um factor acrescido de dificuldade na resolução do problema: “Faço o meu trabalho com uma ideia da Europa, dos interesses a defender, da unidade dos 27, da integridade do mercado único. Mas agora há um contexto novo. Primeiro, por causa do Brexit. Pela primeira vez, um Estado-membro, e um grande Estado, sai da UE. Depois, tivemos a eleição de Trump e uma visão diferente da relação transatlântica. Há um contexto geopolítico extremamente grave, de guerra, de crise, no outro lado do Mediterrâneo, no Próximo e Médio Oriente. Tudo isto explica, em grande parte, o sentimento de grave responsabilidade dos dirigentes europeus e o mandato que me foi confiado, com base na unidade de pontos de vista. Também é certo que, com Jean-Claude Juncker, adotámos um método novo: total transparência de negociação. Toda a gente pode conhecer, em tempo real, o que se passa na negociação: tudo é imediatamente publicado na internet. É isto que constrói a confiança e a unidade.
Um problema “à italiana”
Noutro plano, Michel Barnier já disse que não teme que o futuro Governo italiano - uma coligação de partidos eurocéticos - quebre a unidade dos 27 nas negociações sobre o Brexit. Barnier diz que a solução para combater as demagogias na Europa passa pelo reforço do debate e pelo reconhecimento de que Bruxelas também tem cometido erros.
“A maneira de responder aos debates e às críticas à integração europeia não será escondermo-nos; tem de ser ir ao debate, responder à demagogia com a democracia. Importa não hesitar em reconhecer que, por vezes, Bruxelas errou, houve excessos de burocracia – que, aliás, a Comissão Europeia se esforça por combater. Em meu entender, também errámos no sentido do ultraliberalismo, da desregulação, o que nos enfraqueceu face à crise financeira. Erros que precisam de ser corrigidos e reformas que são necessárias. Importa uma atitude positiva e debater com os cidadãos, que estão inquietos, mas interessados pela Europa. Há que responder às preocupações dos cidadãos, em toda a parte, através do debate público”, afirma Barnier.