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A vigilância a jornalistas ordenada por uma procuradora do Ministério Público (MP), sem autorização de um juiz, é um facto “grave” e “atentatório do Estado de Direito democrático”, alertam 20 diretores de Informação dos principais órgãos de comunicação social de Portugal.
Os diretores de Informação, numa posição conjunta revelada esta quinta-feira (leia aqui na íntegra - em PDF), consideram que este caso “facilmente se imaginaria num Estado autocrático, mas que se diria impensável num Estado Europeu Ocidental, com a Constituição e a Lei que vigoram e com os pergaminhos na consagração e defesa dos Direitos Fundamentais como se afirma Portugal”.
A revista Sábado noticiou, este mês, que a procuradora Andrea Marques, do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa, ordenou a PSP a fazer vigilâncias aos jornalistas Carlos Rodrigues Lima, da revista, e Henrique Machado, ex-jornalista do Correio da Manhã, atualmente na TVI. Os profissionais da comunicação social, juntamente com um coordenador da Polícia Judiciária, foram já constituídos arguidos por alegada fuga de informação no caso e-toupeira.
Os jornalistas foram alvo de inquirições sobre as suas "fontes de informação, vítimas de seguimentos policiais, vigilâncias, fotografias e filmagens por forças policiais, as suas mensagens telefónicas foram objeto de acesso intrusivo e transcritas para um processo criminal, e até a um dos visados o sigilo bancário lhe foi levantado", sem passar pelo crivo de um juiz como determina a Lei, criticam os diretores de Informação.
"Em defesa de uma comunicação social livre", os subscritores pretendem lançar um alerta para “evitar que esteja em curso um subtil ataque à liberdade de imprensa, e, assim, um ataque ao Estado de Direito Democrático e ao regular funcionamento das instituições democráticas”.
“Podendo estar em causa, como parece estar, uma sucessão de situações de clara violação da liberdade de imprensa ou, pelo menos, de tentativa de condicionamento da mesma, sob a capa de se investigar a prática de quaisquer concretos alegados crimes, os defensores do Estado de Direito não podem calar”, sublinham.
Contra a instalação de um "clima de medo"
Os diretores de Informação recordam que a utilização de meios agressivos de investigação criminal só é admissível “se e quando existam suspeitas reais e efetivas da prática de crimes graves, não podendo ser vistos como meios normais de 'policiamento' da sociedade”.
Este tipo de atuação por parte de agentes da justiça pode “instalar um clima de medo generalizado por parte de todos os cidadãos, em especial dos responsáveis por informar a sociedade (como o são os jornalistas), o que culmina necessariamente no seu amedrontamento, coação ou mesmo instrumentalização”.
Tal como a imprensa livre e independente “é condição de um Estado de Direito Democrático e Livre”, o Ministério Público não pode “investigar fora das regras constitucionais e legais vigentes, travestindo de lícito e admissível o que desde a raiz é ilícito e inadmissível”, sublinha a posição conjunta dos órgãos de comunicação social.
“A coerência impõe que só quem pode legalmente investigar, investigue, mas impõe também que o faça por meios lícitos, e no quadro jurídico estrito legalmente previsto, que deve ser literal ou mesmo restritivamente interpretado.”
Se assim não acontecer, Portugal corre o risco de estar a “alargar por via administrativa ou interpretativa aquilo que são restrições ilegítimas e não previstas a Direitos, Liberdades e Garantias dos cidadãos”.
Os diretores de Informação frisam que esta situação não é tolerada pelo “sistema jurídico-constitucional e processual-penal português, por fazer perigar gravemente o regular funcionamento das instituições democráticas”.
A posição conjunta é assinada pelos diretores de Informação da Renascença, Negócios, RTP-TV, TVI, Record, TSF, Sábado, Jornal de Notícias, Antena 1, Expresso, Observador, O Jogo, agência Lusa, Visão, Público, Nascer do Sol e i, Cofina Media, SIC, Diário de Notícias e A Bola.
A vigilância a jornalistas, por alegada fuga de informação no caso e-toupeira, foi desencadeada em março de 2018, confirma o DIAP de Lisboa em comunicado revelado a 12 de janeiro deste ano.
As diligências efetuadas "conduziram à identificação de um suspeito da autoria da fuga de informação”, coordenador de investigação criminal da PJ, que “foi constituído arguido e interrogado no dia 5 de dezembro de 2019”, de acordo com o DIAP.
O Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa adianta que um dos jornalistas foi interrogado como arguido no dia 30 de novembro de 2020 e que outro foi constituído e interrogado como arguido no dia 8 de janeiro de 2021. O MP garante respeito pela legalidade e defende que estas ações não necessitam de autorização por juiz de instrução.
Depois de o Sindicato dos Jornalistas pedir esclarecimentos urgentes, a ministra da Justiça, Francisca van Dunem, remeteu para o Conselho Superior do Ministério Público a avaliação das ações de uma procuradora de Lisboa que ordenou a vigilância a jornalistas.
A Procuradora-Geral da República, Lucília Gago, "determinou a instauração de processo de averiguação destinado a aferir da relevância disciplinar da atuação do Ministério Público".
Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República e mais alto magistrado da nação, considera "importante" apurar o que aconteceu neste caso e, em entrevista à Renascença e ao Público, defendeu a audição da antiga procuradora-geral Joana Marques Vidal.
A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) assinalou a “gravidade” da atuação do Ministério Público (MP) no caso da vigilância aos jornalistas e a Federação Europeia de Jornalistas (FEJ) notificou Portugal junto do Conselho da Europa.