Que vengan, que vengan muchos!
09-08-2017 - 16:02

Vale a pena reter alguns pequeníssimos números que nos aconselham a todos a manter o nosso ar afável com os visitantes e, de preferência, a dar-lhes mesmo a prioridade nos escassos transportes colectivos disponíveis.

Embora lá, aprender com a desgraça alheia. Em Barcelona, começou a ser moda que bandos de energúmenos ataquem a propriedade privada e os turistas incautos, em nome do chamado direito à “indignação” da população autóctone perante o que dizem ser uma insustentável invasão de visitantes. Como arma de guerra, ameaçam fazer capotar os autocarros turísticos, tratando à paulada as vidraças dos hotéis, usando linguagem vulgar para com os visitantes, animando-os a desistir de contemplar a Igreja da Sagrada Família, a casa Milà ou o Batiló de Gaudi ou a dar uma saltada ao parque Guell.

As consequências parecem óbvias: famílias inteiras começam a pensar duas vezes se Barcelona é o mais amigável dos destinos, sobretudo se a viagem implica acarretar com bebés de colo ou guiar cadeirinhas que dificultem a fuga dos bandos de bárbaros. Picasso é Picasso. Há museus irrepetíveis que se gostava de ver, a noite é animadíssima e a cidade tem uma movida provavelmente irrepetível, mas, como os turistas gostam de ser bem recebidos, talvez Lisboa (que já beneficia dos desvios do Egipto, Médio Oriente, Praias Turcas etc…) venha a beneficiar também da deslocação desses pacíficos passeantes.

Conclusão: preparemo-nos para ver aumentar ainda mais as filas para visitar os Jerónimos, a Torre de Belém, o Museu dos Coches, o Centro Cultural e os pasteis de Belém, que se converteram numa espécie de imperdível monumento gastronómico, embora as más línguas assegurem que os melhores “natas “ (como lhes chamava o Álvaro Santos Pereira, quando era ministro…) fiquem para outras bandas. Para quê desfazer o mito?…

O problema é que os portugueses têm uma tendência obsessiva-compulsiva para a imitação do disparate, desde que importado do estrangeiro - e não tarde arriscamo-nos também à revolta dos “carteiristas” do eléctrico 28, com uma greve de zelo às horas extraordinárias, o que reduz de imediato o “pitoresco da viagem entre a Graça e a Estrela”, ou à manifestação dos alcoólicos “anónimos” do elevador da Glória, por súbita falta de espaço para vomitar, ou ainda à revolta dos “pica-bilhetes” (incluindo o do 7) um pouco por todo o lado atacados pelo “burnout” dos últimos meses. Isto para não falar da jovem classe média “estrangeirada” que, depois de arranjar casas reabilitadas em Alfama, Marvila ou em pleno Castelo, convivendo ao estilo do “Pátio das Cantigas” dos tempos de Salazar, se vê agora confrontada com o cosmopolitismo de NY e as ameaças de despejo caso não estejam pelos ajustes para pagar os correspectivos preços de Manhattan. E como são todos filhos de gente “fina” ainda podem pressionar uma lei bloco-comunista-verde-centrista contra o desvirtuamento cultural dos centros históricos.

Antes que se entre na espiral de disparate, vale a pena reter alguns pequeníssimos números que nos aconselham a todos a manter o nosso ar afável com os visitantes e, de preferência, a dar-lhes mesmo a prioridade nos escassos transportes colectivos disponíveis. Isto para já não falar no esforço de continuarmos a praticar o portanhol, o inglêsol e o fancesol, conforme lhes seja mais agradável.

Aqui ficam os dados: 7 por cento da riqueza nacional produzida deve-se já ao turismo. O ano passado, os turistas deixaram por cá, em Galos de Barcelos e sombrinhas de cortiça, cerveja Sagres e outros diversos 12,7 mil milhões de euros, o que significa quatro vezes mais do que as nossas exportações de combustíveis (eu sei que não produzimos petróleo, mas refinamos - e se refinamos!…). Em três anos, o emprego no turismo cresceu de 44,5 mil pessoas para 51,7 mil ou seja cresceu 16 por cento, o que ajudou decisivamente a baixar o desemprego para apenas um dígito. O ano passado recebemos 21 milhões de turistas ou seja 59 milhões de dormidas (números que cresceram mais de 11 por cento, nos dois casos).

Não fora os nossos amigos turistas e a nossa frágil aparência de retoma estaria bem mais atrasada. Continuemos, por isso, a tratá-los muito, muito, muito, mesmo muito bem! E se vierem de Barcelona, pois, que vengan…(ou de forma ainda mais catalã: vénen, vénen molts)