​“Vai tudo ficar bem” – as partidas do tempo
17-07-2020 - 17:27

Vivíamos na lógica do “não tenho tempo”. Hoje, sentimos que este ser microscópico nos retira a capacidade de ser assertivos com os prazos do futuro. A incerteza gera angústia, mas, como pessoas de Fé, teremos que reaprender a viver o tempo tal como ensina Santo Agostinho.

Quando era pequenina lembro-me, como se fosse hoje, do poder mágico daquele abraço da mãe ou do pai embrulhado pela frase “vai ficar tudo bem”. Eu sabia que este abraço tudo resolveria… Ainda agora, este abraço é um lugar de paz; não porque acredite na magia da frase “vai ficar tudo bem”, mas porque sei que o tempo tudo cura e tudo resolve. O que está mal hoje, amanhã estará certamente melhor.

Mas, como Machado de Assis sublinha: “não importa ao tempo o minuto que passa, mas o minuto que vem” e, a incerteza do futuro dos nossos minutos e dos minutos dos outros, cria uma inexistência na medida para o tempo que nos desarma.

Eu só posso abraçar e dizer, “um dia ficará tudo bem”; o tempo parece suprimido por esta incerteza do amanhã. Confinamos, desconfinamos, voltamos ao “novo normal” sem saber como será o “normal” do futuro, sem medidas de tempo que nos orientem. Estamos suspensos na incerteza dos dias. O futuro chama-se doravante incerteza.

A lógica dos objetivos a longo-prazo, os calendários frenéticos com agendas e compromissos sem fim, o nosso futuro, o futuro dos nossos, pais e filhos, terá, por certo, de se adaptar a viver nesta nova geometria.

Vivíamos na lógica do “não tenho tempo”. Hoje, sentimos que este ser microscópico nos retira a capacidade de ser assertivos com os prazos do futuro.

A incerteza gera angústia, mas, como pessoas de Fé, teremos que reaprender a viver o tempo tal como ensina Santo Agostinho: o presente das coisas passadas, o presente das presentes, presente das futuras; lembrança presente das coisas passadas, visão presente das coisas presentes e esperança presente das coisas futuras; só assim, penso, que o nosso abraço de “vai ficar tudo bem” possa, verdadeiramente, surgir como um reconforto para quem abraça e para quem é abraçado.


Ana Sofia Carvalho
Professora do Instituto de Bioética
Universidade Católica Portuguesa