Ao vencer o Campeonato do Mundo do último domingo com um ataque a 100 quilómetros da meta, o ciclista esloveno Tadej Pogačar provou que “é simplesmente melhor do que todos os outros”. É o que considera o seu colega de equipa João Almeida, que o elege como o melhor de sempre.
“É mais difícil dominar o ciclismo na era presente e ele faz isso parecer muito fácil. Acho que é o melhor de todos os tempos, sem querer rebaixar ninguém. É simplesmente melhor”, diz, à Renascença.
Tornou-se o terceiro da história a vencer o Giro, Tour e Campeonato do Mundo depois de Eddy Merckx, em 1974, e Stephen Roche, em 1987. Com apenas 26 anos, Pogačar já acendeu a discussão sobre quem é o melhor da história. E um objetivo assumido. "Cheguei a este nivel e agora quero ser o melhor de sempre", disse, em março deste ano.
Numa carreira profissional com apenas ainda cinco épocas, Pogačar já venceu três vezes o Tour de France, uma vez o Giro de Itália e sagrou-se agora o campeão do mundo pela primeira vez na carreira.
A esses resultados junta um triunfo no Paris-Nice, um na Volta à Catalunha e dois no Tirreno-Adriático. Também já venceu três dos cinco monumentos, as provas de um dia com maior prestígio na modalidade: Tour de Flandres, Liège-Bastogne-Liège e Giro de Lombardia. Resta-lhe o Milan-San Remo e Paris-Roubaix.
O belga Eddy Merckx é habitualmente apontado como o melhor de sempre. Este fim de semana, entregou o rótulo a Pogačar: “Parece-me óbvio que ele já está acima de mim. Lá no fundo, eu já sabia disso, quando ele fez o que fez na última Volta a França, mas nesta altura não restam dúvidas”.
Merckx venceu cinco vezes o Tour, outras cinco o Giro e uma vez a Vuelta. É um currículo com mais alíneas do que o de Pogačar e é por esse motivo que o comentador Olivier Bonamici acredita que o esloveno ainda está longe desse patamar.
“Merckx foi simpático. Pogačar venceu três vezes o Tour e nunca ganhou a Vuelta. Merckx ganhou três vezes o Mundial. Há um histerismo no desporto quando surge um grande campeão, mas na verdade ainda está longe de igualar”, avalia.
Ainda assim, o comentador não poupa nos elogios ao esloveno: categoriza a sua época de “surreal”, destacando que, para além das vitórias nas classificações geral no Tour e Giro, conseguiu vencer um total de 11 etapas nas duas provas.
“Este ano entrou na categoria dos atletas que ultrapassam a modalidade. Michael Jordan no basquetebol, Muhammad Ali no boxe, Nadal, Federer e Djokovic no ténis. As pessoas reconhecem mesmo sem acompanharem ciclismo. Confirmou que é um dos melhores desportistas da história”, considera.
Pogačar entrou para o Campeonato do Mundo com o rótulo de favorito, mas surpreendeu com um ataque a 100 quilómetros da meta. Primeiro, ainda foi acompanhado por Pavel Sivakov, mas deixou-o para trás a 50 quilómetros do fim.
Pedalou sozinho o resto do caminho, com uma série de perseguidores que nunca conseguiram encurtar a distância para menos de 30 segundos.
O neerlandês Mathieu van der Poel, outro dos candidatos, assumiu no fim da corrida que achou que Pogačar estava "a desperdiçar a hipótese de vencer a camisola arco-íris". Já o belga Remco Evenepoel, campeão olímpico, considerou um “suicídio tentar atacar tão cedo”.
João Almeida já não estava na estrada quando Pogačar atacou. O português esteve envolvido numa queda e não conseguiu continuar em prova. Acompanhou pela transmissão.
“Só liguei quando faltavam uns 70 quilómetros e ele já estava fugido. Fiquei na dúvida do que teria acontecido. Demonstrou mais uma vez a sua superioridade e que ainda consegue surpreender. Ele trabalha muito arduamente, é um grande corredor e também é geneticamente abençoado”, diz o português, que foi o principal gregário de Pogačar no Tour deste ano.
O comentador Olivier narrou o triunfo do esloveno e recorda como “uma loucura” o ataque a uma distância tão grande da meta: “É preciso ter o motor para aguentar, mas Pogačar é Pogačar. Ganhar assim é como marcar quatro golos na final de um Mundial de futebol”.
“Ele não é o único a atacar de longe. Faz parte de uma nova raça de ciclistas, os galáticos. Ele, o van der Poel, Remco Evenepoel, o Wout van Aert. Atacam de muito longe, principalmente em provas de um dia. Antigamente, decidiam-se mais em cima da meta, mas hoje as estrelas são também excelentes contrarrelogistas, são muito bons sozinhos. Isto ajuda num ataque de longa distância”, explica o comentador.
Mesmo na derrota, Pogačar tem sido um ciclista pouco polémico. Olivier explica que, "para já, não mostra arrogância nenhuma".
"Conhecemos muitos campeões que ninguém os atura. Não é o caso de Pogačar, ainda é um jovem humilde", diz. Almeida convive com o campeão mundial e concorda: "É muito normal, simpático e humilde. É um orgulho trabalhar para ele".
Depois de tantas conquistas, o que falta a Pogačar? Muitas conquistas, na verdade. Olivier tem na cabeça uma parte do roteiro da próxima época.
"Acho que ele vai tentar ganhar a Vuelta. Só lhe falta essa grande volta. Tentará o Tour novamente. Com quatro vitórias, ficará com uma ideia na cabeça: terá 27 anos e ficarão a faltar duas vitórias para escrever a história das histórias. Nunca ninguém venceu seis vezes", conclui.