A eutanásia é ainda mais criticável após a covid-19
19-06-2020 - 06:56

A covid-19 funciona com a lógica marcial da natureza: leva os mais velhos e doentes. Através da eutanásia, a sociedade desiste da moral que nos eleva acima deste darwinismo natural; através da eutanásia, a sociedade assume a "razão" do vírus: há vidas frágeis que podem e até devem ser eliminadas.

Porque é que tantos cientistas têm afirmado que a covid-19 é um vírus historicamente “bonzinho”? Porque, ao contrário de outros vírus, a covid-19 tem uma letalidade baixa. A esmagadora maioria dos infeCtados fica assintomático ou com ligeiros sintomas. O vírus ataca sobretudo pessoas que combinam duas fragilidades: a idade muito avançada e doenças crónicas. Dentro da imensa escadaria infernal dos vírus, a covid-19 é assim “bonzinha”, porque, no fundo, vem acelerar a morte de pessoas que já estavam bastante debilitadas e às portas da morte natural. Ao contrário de outros vírus, este dificilmente consegue criar a morte num corpo saudável. Basta olhar para a idade média dos óbitos em Portugal ou Itália (na casa dos 80) e para o seu perfil médico (uma, duas ou mesmo três doenças crónicas). Ou seja, a covid-19 funciona como uma espécie de eutanásia natural que mata os mais velhos e os mais doentes.

Neste contexto em que um vírus mata os mais velhos e os mais doentes, a imposição da eutanásia, que será sempre usada pelos mais velhos e pelos mais doentes, é ainda mais chocante. O que me leva a uma pergunta. Porque é que a civilização que aceita a eutanásia, a morte a pedido, é a civilização que suspende tudo perante um vírus historicamente fraco? Trata-se de uma questão de controlo. Somos uma civilização arrogante, que pretende controlar a própria morte. Nesta perspectiva absolutamente antropocêntrica, a morte é legítima se resultar de um pedido humano. Já a morte natural às mãos de um vírus novo torna-se insuportável. Aliás, estou cada vez mais convencido do seguinte: o pânico que se instalou na sociedade, através do #ficaremcasa, não foi um pânico preocupado com os mais velhos, o grupo de risco. Basta ver o abandono dos lares, a solidão dos velhos e das IPSS aqui e noutros países. Muitos velhos foram objectivamente abandonados pela família, pela sociedade, pelo estado, pelo pânico causado por um facto novo, a covid-19, que colocava em causa a sensação de controlo. Há dois anos, morreram em Portugal 3000 pessoas por gripe, mais 400 devido ao frio. Parámos o país? Não. Fizemos uma grande reflexão sobre a velhice em Portugal? Não. Porquê? Porque a gripe e o frio não eram factores novos, não colocavam em causa a sensação de controlo.

A covid-19 funciona com a lógica marcial da natureza: leva os mais velhos e doentes. Através da eutanásia, a sociedade desiste da moral que nos eleva acima deste darwinismo natural; através da eutanásia, a sociedade assume a "razão" do vírus: há vidas frágeis que podem e até devem ser eliminadas. Lamento, mas avançar com a eutanásia após a devastação física e mental que a covid-19 deixa nos nossos idosos é uma imoralidade histórica.

Para terminar, deixo uma pergunta, que é uma provocação. O que é moralmente mais aberrante? Os 4 mil mortos por covid-19 na Suécia ou as 6 mil eutanásias por ano na Holanda?