Uma despesa pública que não baixa
21-04-2018 - 10:07
 • Francisco Sarsfield Cabral

Há vários motivos que implicam uma subida da despesa pública. Só reformas poderão evitar novos impostos.

Falta dinheiro ao Estado português, apesar de a carga fiscal ter atingido um máximo em 2017. Não há verba para cumprir promessas a militares e polícias, pessoas que arriscam a sua vida para proteger a nossa. Prolongam-se escândalos como o improvisado pavilhão de crianças com cancro no Hospital de S. João no Porto, que dura há dez anos. Muitos outros hospitais públicos estão em rutura financeiro, atrasando pagamentos a fornecedores e não utilizando equipamentos caros por falta de peças e reparações. Faltam médicos e enfermeiros. Numerosas instalações escolares estão degradadas. Etc., etc. Sendo que as despesas com pessoal no Estado subiram quase 2% em 2017.

E não são famosas as perspetivas para os contribuintes. É quase certo que teremos de colocar mais dinheiro no Novo Banco, tendo sido forçados a pôr na Caixa Geral de Depósitos cerca de 4 mil milhões de euros. Este dinheiro foi necessário para tapar buracos de empréstimos que a CGD tinha feito – e não foram nem serão pagos. Não é dinheiro para novos investimentos, pelo que se torna difícil de aceitar a tese do ministro Centeno de que estes 4 mil milhões não deveriam ser contabilizados no défice orçamental, acusando o Eurostat de estar errado (posição curiosa da parte de quem é Presidente do Eurogrupo). Já agora, quando saberemos quem são os devedores em falta, na CGD e também no antigo BES, agora Novo Banco, e quem foram os gestores que aprovaram créditos tão arriscados? Talvez nunca, pois incomodaria muita gente.

Será, então, impossível baixar a despesa do Estado sem prejudicar o futuro do país, travando o investimento público, e sem agredir a qualidade de vida de quem utiliza os serviços públicos, desde os doentes até estudantes e professores? Claro que não, desde que se façam reformas suscetíveis de fazer mais com menos dinheiro. Há setores

onde isso será muito difícil, como é o caso da saúde – os gastos com a saúde sobem em todo o mundo. O ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, disse à Renascença e ao Público que “os problemas não estão resolvidos hoje, como não estarão resolvidos em 2019; há uma trajetória de muitas centenas de milhões de euros de atraso no investimento”. O rápido envelhecimento da população portuguesa aumenta os gastos com as pensões e com os cuidados de saúde. Mas noutras áreas do Estado decerto que, se fosse reorganizada a forma de trabalhar sem prejudicar os utentes, permitiria poupar despesa pública.

O governo de Passos Coelho não fez essas reformas, porventura por estar assoberbado com a quase bancarrota de 2011 e pelas pressões imediatistas da “troika”. Foi pena. Quanto ao presente governo, nem vale a pena pensar em reformas – os seus apoiantes parlamentares não permitem que se toque no sector público, sobretudo na área do pessoal.

Subidas necessárias

Acontece que reformas no Estado que permitam poupar algum dinheiro se tornaram tanto mais necessárias quanto há despesa pública que terá forçosamente de subir nos próximos anos. Não apenas no sector da saúde. O dinheiro dos contribuintes poderá ser mais uma vez chamado para garantir a estabilidade do sistema bancário. É o caso do Novo Banco, nomeadamente, mas também do Montepio. Em entrevista ao jornal Negócios afirmou o ministro Mário Centeno que “se formos chamados a ajudar (a Associação Mutualista Montepio) temos de estar disponíveis”. Antes, o primeiro-ministro tinha garantido no Parlamento: “faremos tudo para proteger as 600 mil famílias que confiaram” naquela associação mutualista. E não pode excluir-se a probabilidade de o Banco de Portugal vir a ser obrigado judicialmente a pagar enormes indemnizações a fundos e outras entidades internacionais que se acham prejudicadas ilegalmente com a transferência para o “banco mau” de títulos existentes no BES (e cujo “expurgo” não impediu o Novo Banco de registar em 2017 grandes prejuízos).

Os juros da nossa grande dívida pública têm estado a nível baixo, graças à credibilidade reconquistada nos mercados com o cumprimento (e até mais do que que cumprimento) das metas orçamentais do euro. Mas razões externas poderão alterar essa situação. O clima de guerra comercial iniciado por Trump não favorece uma pequena economia como a nossa, que cada vez mais tem de apostar nas exportações. E os juros dos EUA estão a subir, tendência que não deixará de se fazer sentir também na Europa. Por isso faz sentido a prudência orçamental do ministro das Finanças Centeno, independentemente das suas alegadas ambições de vir a ser Comissário Europeu.

Um Estado fraco

Porventura a necessidade mais importante de gastar mais dinheiros públicos tem a ver com o declínio da eficácia da Administração Pública, decorrente de uma saída apreciável de pessoal qualificado. O Estado está a perder quadros, o que o enfraquece. E os quadros abandonam a Administração Pública, em grande parte, porque o sector privado remunera melhor os seus serviços e aptidões. Além de que é preciso treinar muita gente do sector público, incluindo na Justiça, para aprenderem a lidar com a informática e com as complexidades financeiras.

Precisamos de um Estado forte, para conter as pressões empresariais e corporativas, além de combater a corrupção. Mas, se não tivermos na Administração Pública quadros qualificados, logo melhor remunerados, teremos um Estado cada vez mais fraco.