O mercado global do petróleo
22-12-2018 - 08:56
 • Francisco Sarsfield Cabral

A grande alteração no mercado petrolífero mundial aconteceu nos Estados Unidos, cuja produção mais do que duplicou na última década com o petróleo de xisto.

Na passada segunda-feira os combustíveis desceram de preço em Portugal. E na próxima segunda-feira voltarão a baixar. É uma sucessão de descidas, desde que, a partir de outubro, o preço do petróleo bruto começou a cair. Depois disso, o “brent” (petróleo bruto cuja cotação mais interessa ao nosso país) baixou até cerca de 54 dólares o barril. No princípio de outubro o barril de “brent” valia 86 dólares. Há dez anos o “crude” andava pelos 150 dólares.

E nos próximos meses, irá o petróleo tornar-se mais barato ou mais caro? E difícil responder com segurança a tal questão, por motivos que adiante se indicam. Mas vale a pena olhar para o panorama do mercado petrolífero mundial.

A Organização dos Países Produtores de Petróleo (OPEP), acompanhada pela Rússia, decidiu há três semanas um corte moderado na produção. Isto, claro, para fazer subir os preços – contrariando sucessivos apelos de Trump para a OPEP não baixar a produção petrolífera. Mas a Arábia Saudita não cedeu, embora o corte não seja grande (1,2 milhões de barris por dia) e só entre em vigor em 2019.

Depois da decisão da OPEP os preços de facto subiram um pouco. A Agência Internacional de Energia emitiu até a opinião de que o corte da OPEP seria capaz de manter o preço do “crude” acima dos 60 dólares. Enganou-se: esse preço voltou a descer bem abaixo daquele valor.

Volatilidade dos preços

A enorme volatilidade do preço do petróleo limita a credibilidade das previsões, mesmo as de curto prazo. Um conhecido investidor petrolífero, Andy Hall, declarou à Bloomberg, citada pelo diário “Negócios”, que o crescimento do petróleo de xisto nos EUA dificultou a tarefa de prever a oferta global desta matéria-prima. É que os produtores americanos de petróleo de xisto são muito mais reativos a oscilações nos preços do que os produtores tradicionais, que têm uma estrutura pesada. Os ciclos do mercado do petróleo tornaram-se mais curtos e mais violentos.

A volatilidade do preço do “crude” também tem a ver com a perspetiva de uma transição para a descarbonização energética. Sabe-se que a tendência aponta para uma gradual substituição das fontes fósseis de energia, como é o caso do petróleo, por fontes alternativas – energia solar, eólica, etc. Mas ninguém sabe ao certo a que ritmo será concretizada essa transição e em que países ela será mais rápida - certamente não nos EUA de Trump…

Até quando se justifica economicamente pesquisar petróleo em terra e no mar? Multiplicam-se as apostas, mas escasseiam as certezas. Apesar das incertezas, importa chamar a atenção para algumas mudanças no mercado petrolífero global.

A OPEP já não é o que era

Em 1973 e 1979 os países produtores de petróleo agrupados na OPEP, criada em 1960, resolveram tomar medidas para fazer subir os preços do “crude”. Assim passaram a mandar no mercado global, substituindo as sete grandes empresas multinacionais que nas décadas anteriores dominavam esse mercado. As subidas foram então brutais, criando inúmeros problemas aos países ocidentais importadores de petróleo – como Portugal.

Mas o encarecimento do petróleo induziu a procurar utilizá-lo com maior eficácia, bem como levou alguns países fora da OPEP a aumentarem a sua produção de “crude”. Até certo ponto, o mercado autocorrige-se.

Nos anos 70 do séc. XX da OPEP provinham dois terços das exportações mundiais de petróleo. Mas agora a OPEP representa apenas um terço do mercado. E a exigência ecológica de descarbonizar a energia não augura um muito longo futuro ao “crude” como fonte energética. No entanto, o petróleo ainda dominará no curto e talvez também no médio prazo.

A Rússia, que não pertence à OPEP, mas tem vindo a cooperar com ela nos últimos tempos, é um grande produtor petrolífero, com um volume de produção semelhante ao da Arábia Saudita, mas que não tem aumentado ao longo das últimas décadas – provavelmente por problemas técnicos e financeiros.

A energia nuclear perdeu muito da sua atração depois de trágicos acidentes como os de Chernobyl e do Japão. A Alemanha, por exemplo, decidiu há anos fechar gradualmente todas as suas centrais nucleares. O futuro estará nas energias renováveis, mas elas por enquanto abastecem apenas uma pequena parte do consumo mundial de energia.

Já o gás natural, menos poluente do que o “crude”, tem vindo a aumentar significativamente o seu consumo. De notar, por outro lado, que o carvão – mais poluente do que o petróleo, mas com enormes reservas - ainda abastece cerca de um terço do consumo mundial de energia primária.

E os automóveis movidos a eletricidade? Serão uma realidade dentro de alguns anos, certamente, mas o seu efeito ecológico dependerá de como será produzida a eletricidade que utilizarem. Se esta vier de centrais térmicas trabalhando a carvão e ou a fuelóleo, o ganho ecológico será escasso.

O petróleo de xisto

O consumo de petróleo na China quase duplicou na última década. Aquele país também ainda utiliza muito carvão. Mas a terrível poluição em inúmeras cidades chinesas levou as autoridades chinesas a estimular as energias alternativas, que, por enquanto, ainda são uma fonte energética menor no mercado chinês.

A grande alteração estrutural no mercado petrolífero mundial aconteceu nos Estados Unidos. A produção petrolífera americana mais do que duplicou na

última década. Esta inesperada mudança – com importantes reflexos geoestratégicos – é consequência do chamado “petróleo de xisto” (que também envolve o gás natural).

Trata-se de um método com riscos ecológicos conhecidos (daí a sua proibição em alguns países europeus), que extrai petróleo através da injeção de água e outros líquidos em rochas xistosas. Mas Trump não tem preocupações ecológicas, pelo contrário: é um grande adepto da extração de carvão.

Inúmeros empresários apostaram no petróleo de xisto na América. A Arábia Saudita tentou baixar o preço do “crude” para eliminar os produtores americanos. Mas estes aperfeiçoaram os seus métodos e hoje conseguem ter lucros com o barril de “crude” a menos de 60 dólares. E, como acima referido, os produtores de petróleo de xisto atuam com grande flexibilidade, em cima da evolução dos preços no mercado. Os sauditas perderam esta batalha.

Não quer isto dizer que a Arábia Saudita não mantenha grande influência no mundo do petróleo. As suas reservas são enormes e, porventura mais importante, a exploração do petróleo saudita é relativamente barata. Muito mais barata, por exemplo, do que o petróleo produzido através de plataformas marítimas.

Para os EUA, parece ter acabado a dependência petrolífera do exterior, que tanto preocupou os anteriores presidentes. Outra questão é saber se o fim de tal constrangimento está a ser aproveitado da melhor maneira por Trump – desde logo no plano ecológico.

Assim, pode dizer-se que o preço do petróleo é hoje controlado pelos EUA, pela Rússia (também grande produtora de gás natural) e pela Arábia Saudita. O baixo preço atual favorece a economia portuguesa. Mas nada garante que esse preço se mantenha ao nível atual durante muito tempo.