Livro p’ró menino e pr’á menina? Porto Editora acusada de fomentar a discriminação de género
23-08-2017 - 07:00

Um é azul, o outro cor-de-rosa. Num, um labirinto aparece mais complexo do que no outro. A diferenciação tem sido alvo de críticas, mas o presidente do Colégio dos Psiquiatras da Ordem dos Médicos não vê mais do que questões comerciais.

A Porto Editora lançou livros de exercícios destinados a meninos e a meninas dos 4 aos 6 anos, em livros distintos. A polémica estalou nas redes sociais e prosseguiu para a comunicação social com a análise dos especialistas.

Teresa Vasconcelos, que participou na implementação da rede pública de pré-escolar entre 1996 e 1999, diz à SIC Notícias que estes livros representam um retrocesso e lembra que as crianças, nesta fase, “estão a aprender a sua identidade enquanto menina ou menino”.

A mesma opinião tem o psicólogo Mauro Paulino, segundo o qual “parece que todos os rapazes têm de gostar do mesmo tipo de actividades, todas as raparigas têm de gostar do mesmo tipo de actividades e não há uma inclusão das matérias em termos de igualdade”.

A Porto Editora já veio dizer que a diferença é, sobretudo, a aparência: “o que muda é a parte visual e estética”, garante ao “Expresso”.

Mas essa não parece ser a opinião de quem folheia os livros, onde a complexidade dos exercícios também parece diferir entre os que são dedicados às meninas e os dirigidos aos meninos. “No conjunto das 62 actividades propostas, existem seis cuja resolução é mais difícil no livro dos rapazes e três que apresentam um grau de dificuldade superior no das meninas”, escreve o “Público”.

O jornal refere ainda que a maior parte das actividades é ilustrada com recurso a “velhos estereótipos”, com meninos a brincar com carrinhos e futebol e meninas a ajudar as mães e no ballet.

Mas a editora reage: “Em ambas as edições são trabalhadas as mesmas competências, na mesma sequência e com exercícios semelhantes. A diferença está na ilustração e na abordagem artística que as diferentes ilustradoras fizeram”, afirma ao “Público” a responsável pelas publicações infanto-juvenis da Porto Editora, Susana Baptista.

Na resposta a este jornal, a mesma responsável justifica os dois blocos diferenciados com o “grande sucesso” das publicações.

“Não vejo outra razão que não puramente estética e de marketing”

A Renascença foi ouvir o presidente do Colégio dos Psiquiatras da Ordem dos Médicos sobre a polémica. Luiz Gamito considera que, tendo em conta o público-alvo das publicações, a diferenciação de cores e exercícios se deverá, acima de tudo, a uma questão de marketing.

“Se quem concebe os exercícios sabe à partida que as meninas gostam mais de um determinado tipo de exercícios, faz esses exercícios para que a adesão ao próprio caderno seja maior. E o mesmo acontecendo para os rapazes”, afirma, ressalvando que não conhece as actividades em concreto, propostas nos livros.

No que toca às cores, “a natureza não diz que as meninas têm de estar mais ligadas ao cor-de-rosa e os meninos ao azul” – é tudo “uma convenção social” – pelo que “não vejo aí outra razão que não puramente estética e de marketing”.

O psiquiatra refere que a investigação científica mostra que existem diferenças de características entre o cérebro feminino e masculino, mas “isso terá a ver com questões mais de natureza biológica ou neurofisiológica”.

Por exemplo, “é comum hoje ouvirmos dizer – e isso está consolidado em investigação científica – que as pessoas do género feminino têm maior à vontade, maior capacidade de verbalização das suas ideias e sentimentos do que os do género masculino; por outro lado, também ouvimos dizer que os do género masculino têm maior capacidade de orientação espacial, como, por exemplo, conseguir saber onde estão situados quando vão numa viagem. São atributos sobre os quais hoje temos evidência científica”.

Quando se trata de exercícios alegadamente próprios para meninas ou meninos, Luiz Gamito diz que “parece não fazer muito sentido haver essa preocupação com a diferença”.

“Haverá uma política comercial de um produto num mercado que estudaram e concluíram que daria melhor resultado se assim fosse”, conclui.