Sarmento avisa que margem para negociar OE é "curta". IRC e IRS Jovem podem ser "calibrados", mas sem "desvirtuar" programa de Governo
01-08-2024 - 07:00
 • Susana Madureira Martins (Renascença) e David Santiago (Público)

Duas semanas depois das reuniões com os partidos para lançar as negociações sobre o Orçamento do Estado, o ministro de Estado e das Finanças diz que o documento pode encaixar medidas das oposições, mas avisa que a margem orçamental é “curta” e não é “ilimitada”. Numa edição especial do programa Hora da Verdade, da Renascença e do jornal Público, Joaquim Miranda Sarmento diz que o Governo não quer regressar ao défice e mantém o objetivo de ter um excedente em 2025.

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Na entrevista ao Hora da Verdade, da Renascença e do jornal Público, numa edição especial que terá transmissão esta quinta-feira a partir das 13h00, o ministro de Estado e das Finanças diz por diversas vezes que a condição para haver mexidas no Orçamento do Estado (OE2025) é que o programa de Governo não seja “desvirtuado”. Joaquim Miranda Sarmento mostra-se mesmo aberto a “calibrar” as propostas do executivo sobre o IRS Jovem e o IRC, numa resposta às dúvidas do PS, mas “sem deixar cair as bases dessas medidas”.

Se as oposições insistirem em propostas que “desvirtuem” o programa de Governo, Miranda Sarmento acena, implicitamente, com o fantasma de eleições antecipadas. “Obviamente que o Governo terá de perguntar aos portugueses se aceitam” ter um Orçamento que ponha “em causa o equilíbrio das contas públicas” ou que “não reflete aquilo que foi o programa eleitoral”, dramatiza o ministro.

No âmbito das negociações da proposta de Orçamento do Estado para 2025, há alguma margem para o Governo ceder no IRS Jovem, permitindo uma aproximação ao PS?

Em primeiro lugar, sobre as negociações, do ponto de vista geral, a margem orçamental, ou seja, os milhões de euros que podem ser sujeitos a novas medidas ou medidas de calibração diferente, é curta.

E qual é?

Nós temos um princípio que já transmitimos aos partidos políticos quando há uma semana e meia reunimos com todos os grupos parlamentares: o Programa do Governo não pode ser desvirtuado.

E uso a palavra desvirtuado de propósito porque era esta a expressão que António Guterres usava naqueles anos em que negociou orçamentos no seu primeiro Governo e em que, com exceção do primeiro, que passou com o voto favorável do CDS, passaram com a abstenção do PSD.

Nunca na história democrática portuguesa tivemos um Orçamento a ser aprovado, quando o Governo não tem maioria absoluta, entenda-se, desvirtuando aquilo que é o programa eleitoral e o Programa do Governo de quem é governo e de quem está a executar.

Da mesma maneira que nunca tivemos, na história democrática portuguesa, em governos que não tinham maioria absoluta, o Parlamento a aprovar medidas, com expressão orçamental, que vão contra aquilo que é o Programa do Governo.

Se olharmos à história democrática portuguesa e aos anos em que houve governos de maioria relativa, ocorreu, em determinadas situações, o Parlamento chumbar propostas do Governo.

Não tinha ocorrido até agora o Parlamento aprovar propostas da oposição que vão em sentido contrário àquilo que é o Programa do Governo e que têm expressão orçamental significativa.

Essas medidas da oposição desfiguram o Programa do Governo?

Qualquer negociação que venha a ocorrer, em setembro, outubro, novembro, durante todo o processo orçamental, tem que ter como ponto de partida, do Governo e dos partidos da oposição, que o Programa do Governo não pode ser desvirtuado.

Considera que está a ser desvirtuado com estas propostas da oposição que têm sido aprovadas?

Não está a ser desvirtuado, mas há já, obviamente, uma margem menor e é preciso que quem esteja presente nas mesas de negociação entenda que o Governo tem alguma margem para acomodar propostas e tem alguma margem para calibrar as suas, mas não pode, naturalmente, deixar desvirtuar aquilo que foram os pilares essenciais do seu programa.

Qual é que é essa margem?

Já disse isto várias vezes, estamos a trabalhar com uma perspetiva de excedente orçamental de 0,2% a 0,3% do PIB.

Para este ano?

Para este ano e para o próximo. Assumindo que ninguém quer, e o Governo nisso é intransigente, e creio que os partidos da oposição também não o desejam, que o país regresse a défices, a margem orçamental é esta, ainda não incluindo as medidas que foram aprovadas no Parlamento e promulgadas pelo Presidente da República.

Disse que os 0,3% de excedente não contam com as medidas aprovadas pela oposição. Tendo em conta que há medidas que diminuem receita e outras que aumentam a despesa, que virão em 2024, temos em perspetiva um possível regresso ao défice? Por outro lado, o Governo está disponível para governar com base num programa desvirtuado?

Com aquilo que são as medidas do Governo, aquilo que podemos dizer o modelo endógeno, o que o Governo já decidiu e ainda vai decidir até ao fecho do processo orçamental, nós, à data de hoje, estamos confiantes de que este ano e no próximo ano teremos um excedente orçamental em torno de 0,2%-0,3%. E essa é a responsabilidade do Governo. A responsabilidade de quem está na oposição é perceber que a margem orçamental para negociar, se não quisermos ter défices, não é ilimitada, não é muito elevada. Está dentro destes parâmetros.

O que temos dito desde o primeiro dia é, exclusivamente com as medidas que o Governo tomou e vai tomar, e que estão no programa eleitoral, nós, à data de hoje, com as perspetivas de crescimento que a economia portuguesa tem para este ano e para os anos seguintes, teremos um superavit em torno de 0,2%-0,3%. Podemos trabalhar com 0,3%, que é o nosso cenário mais elevado.

Mas para acomodar mais medidas da oposição, este excedente vai diminuir. Portanto, a margem é de 0,1-0,2 pontos percentuais?

A margem anda em torno desses valores. E por isso é que comecei por dizer que a margem orçamental para negociar é curta, sem com isto deixar de dizer que o Governo está recetivo a essa negociação e está recetivo a calibrar as suas próprias medidas, mas desde que não desvirtue o Programa do Governo.

E se desvirtuar?

Se desvirtuar, obviamente que o Governo terá de perguntar aos portugueses se aceitam ter um Orçamento que, primeiro, possa pôr em causa o equilíbrio das contas públicas e, segundo, um Orçamento que não reflete aquilo que foi o programa eleitoral.

Como é que se pergunta isso aos portugueses? Com eleições antecipadas?

Isso é uma decisão que teremos de tomar. Não vale a pena especular sobre cenários que ainda não existem. O que temos pela frente é uma negociação. Demos o ponto de partida há uma semana e meia, chamando todos os partidos da oposição com assento parlamentar.

Retomaremos essa negociação no início de setembro e procuraremos acomodar aquilo que é possível de reivindicações, sobretudo dos partidos com maior expressão parlamentar e que podem decidir o desfecho deste Orçamento. Com estas duas premissas, não desvirtuar o Programa de Governo e manter o equilíbrio orçamental.

Para o Governo é inaceitável que o país possa ficar em situação de défice, por pequeno que seja e por mais que cumpra as regras orçamentais?

Entendemos que o país, em 2025, tem de apresentar um superavit orçamental.

No âmbito do IRS Jovem e também do IRC, há alguma margem para mudar? Em concreto no IRC, por exemplo, a descida não ir até 15% e ser menor? Haver uma modelação maior tanto no IRS Jovem como no IRC?

A descida de IRC que o Governo propõe para 2025 só terá impacto na receita em 2026, portanto, trazê-lo à discussão do Orçamento para 2025 pode ser feito numa lógica de política de médio e longo prazo, mas não numa lógica daquilo que é condicionante orçamental para 2025, porque a redução da taxa efetua-se em 2025, as empresas entregam a declaração de IRC de 2025 em maio de 2026 e, portanto, um eventual efeito na receita apenas ocorre no exercício orçamental.

Mas para não contaminar a discussão orçamental de 2025, pode haver aqui um entendimento com o PS?

Nós estamos disponíveis para calibrar aquilo que são as duas propostas, a descida do IRC e o IRS Jovem, mas sem deixar cair o princípio e a base fundamental dessas medidas. O IRC terá de descer e o IRS Jovem terá que ser aplicado. Depois, o gradualismo da aplicação, podemos, temos e devemos ter margem para negociar, porque são as duas medidas de que claramente o PS discorda.

Não encontro em todas as outras medidas do Governo discordância por parte do PS, o que me leva também a dizer que as contas que o PS apresenta sobre o impacto das medidas do Governo têm, perdoem-me a expressão, alguma falácia.

Primeiro, porque as medidas do Governo valem sempre mais do que as medidas da oposição. O Governo é que toma decisões.

Falou na possibilidade de calibrar o IRS Jovem e o IRC. Pode dar-nos um esboço dessa calibragem, até onde é que se pode ir?

A bem de uma negociação, as primeiras pessoas que devem conhecer aquilo que são, se quiser, os intervalos da ação do Governo, são os partidos com os quais nos vamos sentar. Não posso, nem devo, numa entrevista, até seria indelicado para com as pessoas com quem vamos negociar de boa-fé, já iniciámos e vamos continuar a partir de setembro, estabelecer quais são os limites. Agora, há margem para poder calibrar um pouco essas medidas.

Mas os timings ou também os valores das decisões?

Mais uma vez, estamos a olhar para os intervalos e isso faremos com os partidos.

E tem essa margem de que está a falar na cabeça?

Temos algumas hipóteses.

No IRC, ainda numa lógica também de aproximação ao PS, há alguma possibilidade de privilegiar alívios no IRC a determinados sectores considerados estratégicos?

Um ponto prévio. A Comissão Europeia, acho que seria quase impossível, mas se alguém me conseguir demonstrar que é possível, obviamente isso pode passar a ser negociável, não creio que fosse muito positivo para o país, porque depois entraríamos nessa discussão de quais são os sectores estratégicos, mas eu creio que a Comissão Europeia não permitiria, pelas regras europeias, taxas de imposto diferentes por sectores.

Esta semana saíram números do INE que apontam para um crescimento económico no segundo trimestre, mas ainda assim com um abrandamento. Dada a margem diminuta que há para o próximo ano, estes dados preocupam, colocam em causa alguma das medidas?

Não podemos olhar apenas para um trimestre. Há aqui alguns fatores pontuais. O crescimento económico não pode ser visto apenas num trimestre. A nossa previsão para o crescimento da economia portuguesa para este ano é em torno de 2%, o que é acima daquilo que nós tínhamos em dezembro-janeiro, quando apresentámos o programa eleitoral, que era 1,5% para 2024.

As nossas previsões, à data de hoje, naturalmente, sempre sujeitas a toda a incerteza, sobretudo internacional, a choques externos que possam existir, e sabemos que o contexto internacional para o segundo semestre deste ano e para o próximo ano é um contexto difícil, ou muito difícil, são de crescimento da economia portuguesa para o próximo ano acima de 2%.

Quando apresentámos a nossa estimativa orçamental, 0,2%-0,3% para este ano e para o próximo ano, é exatamente na perspetiva de que a economia portuguesa cresça em torno de 2 % este ano e no próximo ano.

E ao longo da legislatura, há alguma imprevisibilidade que possa marcar?

Não escondo que o contexto internacional é mais exigente e também não escondo que a incerteza nacional devido à conjuntura política também não ajuda às perspetivas de crescimento. Em todo o caso, se nós conseguirmos implementar o nosso programa e executar o PRR, creio que podemos terminar a legislatura com crescimentos em torno de 3% ao ano.