Henrique Raposo. "É preciso confrontar Lisboa com a sua pequenez"
14-09-2018 - 20:09
 • Henrique Cunha

Escritor e ensaísta foi o convidado da edição deste mês do “Conversas na Bolsa”, no Porto.

O escritor e ensaísta Henrique Raposo explicou esta sexta-feira, no ciclo "Conversas na Bolsa", a sua paixão pelo Norte e desmontou o facto do Porto não existir aos olhos de Lisboa.

Convidado do "Conversas na Bolsa" no regresso de férias, Henrique Raposo revelou que o seu próximo livro - "No Porto, se te quiseres suicidar, tens de pedir a minha autorização" - será novamente sobre o suicídio, porque "é o melhor indicador da desagregação social".

O escritor utilizou os números do suicídio em Portugal para reforçar a ideia de que, "mais cedo ou mais tarde", vai trazer a família para o Porto.

Raposo lembrou que "o número de suicídios no Porto é absurdamente baixo" e revelou uma conversa com uma amiga natural da Foz, e que vive em Lisboa, sobre o tema e em particular sobre o reduzido número de casos no Norte; ao que ela respondeu: "Henrique, se te quisesses suicidar no Porto, tinhas que me pedir autorização".

Uma expressão que, na opinião de Henrique Raposo, para além da brincadeira, " tem a montante um lado muito comovente e muito forte". Um sentido de comunidade que o escritor sente mais forte a Norte e que o faz alimentar a ideia de, mais cedo ou mais tarde, "comprar casa no Porto, apesar da especulação imobiliária".

Henrique Raposo diz que o "seu amor pelo Norte é um pouco estranho", até porque as suas origens são do Alentejo. Mas recorda que a sua melhor amiga é do Porto, da Foz, e afirma ter "uma certa aversão ao cinismo da ‘corte’", há semelhança do pensamento reinante no Porto.

O escritor sustenta, contudo, que "a sua amizade imediata com o Porto é um sintoma de algo mais profundo que tem a ver com valores, visões do mundo; o próprio modo de vida do Porto, Aveiro e Braga".

Raposo enumerou cinco razões para explicar porque é gosta tanto do Norte ao ponto de pensar em mudar-se para a cidade e depois explicou porque é que "o Norte está no ângulo morto de Lisboa".

O escritor começa por lembrar que a jusante "é necessário considerar o centralismo político", mas depois assegura que a montante "está um centralismo mental, narrativo, simbólico", que é muito difícil de combater.

Raposo diz que é "preciso confrontar Lisboa com a sua pequenez de não ser capaz de compreender o resto do país fora de dois padrões: a desgraça ou o pitoresco, o incêndio ou o Quim Barreiros a cantar uma música qualquer".

Raposo sublinhou o facto de o Norte "ter cerca de quatro milhões de habitantes que são responsáveis por metade das exportações" e depois combateu a ideia ou "mito de que há uma relação causal entre religião e analfabetismo e ignorância".

O escritor revela que uma das razões que o fazem gostar do Norte tem precisamente a ser com o facto da região ter mais católicos e citou o historiador Rui Ramos para garantir que "Braga e Porto foram sempre mais alfabetizados precisamente porque eram mais religiosos", algo que acontece em todos os países, a "religião leva a mais literacia”.

Outra razão para Henrique Raposo gostar do Norte tem a ver com a capacidade de associativismo da região. Diz que é "esmagador o número de clubes da I e da II Liga - cerca de 80% - são do Atlântico Norte". E porque é que é assim? Raposo explica: "é um espirito de comunidade e de família que não é prezado e que não contado em Lisboa", e como não é contado, não existe.

Como em todas relações amorosas, Henrique Raposo tem alguns reparos a fazer. O escritor defende que a região tem de saber explicar melhor o que faz e não se limitar a aceitar ser conhecido como a região " da cortiça, do queijo ou vinho", pois o país e a região em particular também têm "eletrónica e tecnologia".

Para Henrique Raposo, "não faz sentido esse rótulo ou caricatura", porque "a máquina fotográfica que temos no telemóvel de certeza que tem peças feitas em Famalicão, ou o avião que sobrevoa os céus tem peças feitas numa empresa de Aveiro ou Maia".