Esquerda não admite isentar instituições cristãs de adopção por homossexuais
20-11-2015 - 07:18
 • Filipe d'Avillez

Mais de metade das IPSS que trabalham no sector da adopção são cristãs. Algumas dizem que são contra a lei, mas estão dispostas a obedecer. Uma IPSS garante que não deixará sair crianças para adopção por homossexuais.

As instituições cristãs vão ser obrigadas a deixar que as crianças ao seu cuidado sejam colocadas com famílias adoptivas homossexuais, caso o Parlamento aprove, esta sexta-feira, esta alteração à lei da adopção.

Nem o PS nem o Bloco de Esquerda (BE), autores dos projectos de lei que serão discutidos no Parlamento, admitem regimes de excepção para instituições que tenham objecções à adopção por homossexuais.

“Os direitos fundamentais não admitem objecção de consciência. Nós sabemos que a igualdade tem sempre objectores, sempre teve ao longo da história, a conquista da igualdade por parte de minorias teve sempre opositores”, diz à Renascença Isabel Moreira, deputada do PS.

A deputada considera que a discussão científica sobre a capacidade de homossexuais poderem criar crianças “está arrumada”. “Portanto, quem se diz contra tem de fundamentar muito bem por que é que insiste nessa desigualdade. E, do meu ponto de vista, não tem como.”

Já Sandra Cunha, do BE, diz que essa não é uma hipótese e lembra que as instituições não têm sequer envolvimento directo no processo de adopção. “As instituições de acolhimento de crianças têm competências na outra parte, de acolhimento da criança e da elaboração do seu projecto de vida, que, estou certa, não será prejudicado por preconceitos em relação à possibilidade dessa criança poder um dia vir a ser adoptada por uma família homoparental”, argumenta.

Desconforto das instituições cristãs

As crianças que estão em situação para adopção estão ao cuidado de Centros de Acolhimento Temporário (CAT) ou Lares de Infância e Juventude (LIJ), mais de metade dos quais são assumidamente cristãos. Muitas das instituições que a Renascença abordou, apesar de se mostrarem desagradadas com a perspectiva, disseram estar de mãos atadas, uma vez que não têm qualquer intervenção no processo.

Outras lamentam a lei, com o argumento de que não defende o superior interesse das crianças, mas dizem que respeitarão qualquer decisão da Assembleia da República. É o caso do presidente da Fundação Bomfim, em Braga, que pertence à Igreja Evangélica Baptista daquela cidade. “Evidentemente que estou preocupado, mas não somos nós que fazemos a lei", declara Silas Pego.

"Não é essa a nossa linha de pensamento e de vivência quanto ao conceito de família. Pensamos que são leis que vão ao arrepio do que seja a lei de equilíbrio da natureza”, assume, sem deixar, todavia, a ressalva: “Como instituição que trabalha com as entidades governamentais, automaticamente sujeitamo-nos às leis do país. Portanto, se essa lei for aprovada pela Assembleia da República, não teremos mais nada do que lhe obedecer.”

Resistir

Mas esta posição não é unânime. Outro presidente de uma instituição que lida com regularidade com casos de adopção, mas que se recusou a comentar a título oficial, disse que não permitiria que a Segurança Social levasse uma criança da sua instituição para a colocar com duas pessoas do mesmo sexo. “Se quiserem, levam-na para outra instituição e, depois, já não posso fazer nada. Mas daqui não a levam para uma situação dessas”, garante o responsável.

A deputada Isabel Moreira não aceita esta posição. Uma pessoa nessa situação, defende, “obviamente terá de respeitar o ordenamento jurídico em que se insere e não poderá manter em cativeiro crianças por causa das suas crenças pessoais”.

Questionado pela Renascença, o presidente da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS), padre Lino Maia, preferiu não abordar a questão desta perspectiva, dizendo que tudo o que interessa às instituições é o interesse das crianças.

“As instituições, e muito bem, o que colocam é o direito da criança e o bem da criança e não propriamente o direito dos adultos adoptarem, ou não. É por este prisma que devemos ver a questão. Devemos proteger a criança, acautelar o seu futuro. Não pode a criança ser vista como uma espécie de bibelô, de um objecto nas mãos de um par de adultos”, diz o padre Maia.

A CNIS não foi consultada pelo PS ou pelo Bloco de Esquerda, que apresentam, em separado, projectos de lei para legalizar esta prática.

Subsidiariedade

A Renascença tentou obter uma reacção da parte da Conferência Episcopal Portuguesa, mas os bispos preferem esperar para ver se a lei é aprovada - e em que moldes - antes de se pronunciarem. Contudo, as mensagens da última reunião em Fátima, incluindo as palavras finais do presidente da CEP, D. Manuel Clemente, permitem já fazer uma leitura da posição da Igreja.

Sobre a lei em si, como seria de esperar, a Igreja Católica é contra. Mas, embora não tenha falado directamente sobre o efeito da lei sobre as instituições católicas, o cardeal Clemente referiu, no final do encontro, a importância do princípio da subsidiariedade.

“A subsidiariedade”, explicou, então, D. Manuel, implica “quem tem responsabilidades centrais ir em apoio da vitalidade social que se expressa na actividade dos corpos intermédios. E os corpos intermédios têm enorme importância, desde as famílias às associações humanitárias e tantas outras instituições, para começarem por si a resolver directamente questões que não é preciso ser o Estado a fazer.”

A questão é tanto mais importante quanto os exemplos vindos de outros países são alarmantes para a hierarquia da Igreja. Embora não sejam directamente comparáveis, uma vez que a legislação sobre processos de adopção é diferente, em Inglaterra e em mais de uma dezena de estados dos EUA a Igreja acabou por ser totalmente afastada do sector da adopção como consequência directa da legalização da adopção por homossexuais.

Num documento de 2003, assinada pelo então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, cardeal Ratzinger, lê-se: “Inserir crianças nas uniões homossexuais através da adopção significa, na realidade, praticar a violência sobre essas crianças, no sentido que se aproveita do seu estado de fraqueza para introduzi-las em ambientes que não favorecem o seu pleno desenvolvimento humano. Não há dúvida que uma tal prática seria gravemente imoral”.

Os projectos de lei sobre adopção são votados na generalidade na sexta-feira e visam legalizar a adopção plena e a co-adopção por duas pessoas do mesmo sexo. A maioria de esquerda deverá aprovar ambas as formas de adopção.