Universitários em isolamento. “Deram-nos a opção de assistir às aulas no chão do corredor”
22-10-2020 - 08:11
 • Beatriz Lopes

Estudantes da Universidade de Lisboa reencaminhados para a Pousada de Juventude por estarem com Covid-19 denunciam falta de condições: quartos pequenos para várias pessoas, falta de Internet para acompanhar aulas à distância e uma só casa de banho.

Um quarto “minúsculo” para quatro pessoas, sem condições de acesso à Internet para estudar e uma casa de banho para um piso completo. Foi este o cenário com que Mariana Gomes se deparou depois de ter testado positivo à Covid-19 e ter sido transferida da residência para a Pousada da Juventude de Lisboa, onde cumpre isolamento.

“Chegámos cá e encontrámos quartos com 2x4,5 metros, a arrumação era feita numa espécie de cacifos e sem secretária para estudarmos. Partilhava quarto com mais três estudantes infetadas de várias residências que não conhecia, a casa de banho é partilhada por um piso inteiro de infetados e deram-nos ainda a opção de assistir às aulas à distância no chão do corredor”, descreve à Renascença.

A cumprir isolamento há seis dias, depois de ter testado positivo a 12 de outubro, Mariana passou para a “contestação”. Neste momento, já só partilha quarto com uma pessoa. De resto, nada mudou e a jovem de 19 anos teme ser prejudicada ao nível académico.

“A rede de internet fornecida não permite sequer abrir servidores da Google em vários computadores, quanto mais ter aulas por Zoom, que requer uma internet mais forte. Já tive de faltar a aulas de caráter obrigatório e, sem essas aulas, corro o risco de chumbar às cadeiras”, lamenta.

Apesar de todos os estudantes infetados estarem assintomáticos e a recuperar da Covid-19, Mariana não se conforma com a falta de respostas por parte das autoridades competentes, que considera ser “gritante” numa altura em que “o estado psicológico dos alunos é notoriamente caraterizado por ansiedade, desgaste mental e alguma desmotivação académica”.

A estudante da Faculdade de Direito acusa também a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, entidade responsável pelas refeições, de não respeitar as restrições alimentares dos alunos. “Em termos de alimentação, as nossas restrições estão a ser completamente ignoradas. Já nos deram massa com cenoura e espinafres com pessoas intolerantes ao glúten, já nos deram frango com ovos quando há pessoas vegetarianas.”

Um caso “entre tantos no país”

Mas o caso de Mariana é apenas “um entre tantos no país”. Quem o denuncia é Raquel Moreiras, da Brigada Estudantil, um grupo de coletivos de estudantes que nas redes sociais tem partilhado vários testemunhos de alunos que dão conta da forma como estão a ser tratados.

“Infelizmente, já nos foram chegando algumas denúncias um pouco por todo o país. Em Coimbra, por exemplo, aconteceu uma situação bastante semelhante em que os Serviços de Ação Social não foram capazes de dar uma resposta devida aos estudantes quando confrontados com casos positivos. Isto só vem realçar o facto de que isto não é um problema inerente da Universidade de Lisboa, é um problema com a gestão atual do nosso sistema de ensino e com a falta de recursos na Ação Social”, alerta.

Com o número de casos entre estudantes a aumentar, Raquel teme que a situação tome outras proporções, até porque o ano letivo ainda agora arrancou.

“Temos de considerar que estamos apenas no início do ano letivo ainda. Já há casos positivos na Universidade de Lisboa desde o dia 7 de setembro e os casos vão continuar a aumentar. Precisamos de uma resposta de longo prazo que venha confirmar que estas situações não se repitam.”

A Brigada Estudantil já pediu esclarecimentos às entidades competentes, mas, até ao momento, ainda não obteve respostas que salvaguardem a saúde e o bem-estar dos alunos.

“Já nos reunimos com os Serviços de Ação Social da Universidade de Lisboa e também já contactámos o delegado de Saúde da Lisboa Central para expor a situação e aguardamos também resposta da Santa Casa de Misericórdia de Lisboa, que está encarregue da alimentação”, relata.

“Temos um pouco de receio que isto se torne em mais uma situação em que ninguém vai querer assumir responsabilidades. No entanto, vamos continuar a pugnar para que isso não aconteça. Não podemos deixar os estudantes sozinhos, especialmente durante uma situação pandémica”, conclui.

A Renascença tentou obter junto do ministro do Ensino Superior mais esclarecimentos sobre a falta de condições sanitárias para alunos dos Serviços de Ação Social da Universidade de Lisboa infetados, mas, até ao momento da publicação deste artigo, não obteve qualquer resposta.

A situação tem motivado vários pedidos de explicações do PSD, do Bloco de Esquerda e do PAN.