Com as suas declarações sobre os jornalistas, o Primeiro-Ministro “manchou os méritos e os deméritos” do plano do Governo sobre os apoios do Estado à comunicação social, afirma a antiga ministra da Presidência Mariana Vieira da Silva no programa “Casa Comum” da Renascença.
A dirigente socialista considera que as referências aos auriculares dos repórteres, “aos jornalistas tranquilos, aos jornalistas ofegantes e a toda uma criação de tipologias que não ajuda a ninguém, soam demasiado aquilo que acontece noutras geografias e aos discursos que outras pessoas têm. Todos nós temos redes sociais e sabemos de onde é que vem a desconfiança lançada sobre os auriculares”.
Por isso, a antiga ministra do PS considera que “ontem não foi um dia bom para a comunicação social” por distrair a sociedade face a um debate necessário para o país. “Há frases que uma vez ditas dificilmente são retiradas. Foram despropositadas, desnecessárias e, desse ponto de vista, quanto a mim, muito graves”, insiste a vice-presidente da bancada parlamentar socialista.
“Declarações sem direito a perguntas não são bons sinais”
Na qualidade de ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva estava encarregue de gerir as conferências de imprensa no final de cada reunião do Conselho de Ministros. As palavras de Montenegro e os planos do Governo levaram-na a revisitar as críticas que sofreu quando apresentou apoios aos media na pandemia e a criticar a forma como a comunicação social é tratada pelo atual Governo.
“Todos nós, que já respondemos a perguntas dos jornalistas, às vezes exasperamo-nos. Mas quem responde a perguntas, tem o dever de perceber que o seu papel é responder e não propriamente comentar as perguntas, porque senão entramos num debate muito difícil. Já tínhamos muitos relatos de mais conferências de imprensa sem direito a perguntas ou só com 3 perguntas ou só com as televisões a poderem fazer perguntas e não os outros órgãos de comunicação social. Não são bons sinais. Não gosto de agitar a bandeira da claustrofobia democrática - não é isso que está em causa - mas devemos estar todos na defesa dos jornalistas, dessa profissão, da atividade e da sua missão”, sustenta a antiga governante na Renascença.
Sobre a modalidade de apoio aos media, Mariana Vieira da Silva marca diferenças em relação aos comentários recebidos quando o Governo de que fez parte atribuiu um apoio de 15 milhões de euros, em plena pandemia, de antecipação de publicidade institucional “ que era, aliás muito necessária, porque era preciso explicar às pessoas tantas coisas da pandemia”.
Vieira da Silva lembra as críticas a que foi sujeita e as idas ao Parlamento “por se considerar de forma perfeitamente absurda que aquilo era uma influência sobre a comunicação social”, para confessar que a apresentação dos planos do Governo Montenegro a fizeram sorrir.
“Um incentivo à contratação de jornalistas, naturalmente, é um apoio aos órgãos de comunicação social. Não estou a questioná-lo, mas não posso deixar de dizer que estamos a falar de mais dinheiro, que não é antecipação de dinheiro que já seria sempre pago. As críticas que ouvi e as idas ao Parlamento completamente despropositadas fizeram-me ontem sorrir. Tenho bom feitio”, conclui Vieira da Silva.
“RTP fragilizada e totalmente dependente do poder político é uma RTP pior do que temos”
Entre as medidas apresentadas, Mariana Vieira da Silva sublinha a continuidade com decisões do Governo anterior, sobretudo na relação da Agência LUSA com os órgãos de comunicação social de maior dimensão e da imprensa regional ou mais pequenos.” Uma LUSA mais forte é bom para todos e também para o combate à desinformação”, argumenta a deputada socialista, que confessa maior preocupação com as propostas anunciadas para a RTP, que incluem diminuição gradual da publicidade, manutenção da Contribuição para o Audiovisual e reestruturação que passa por até 250 saídas negociadas de trabalhadores, com entrada de apenas metade desse contingente.
“Julgava que tínhamos atingido um patamar da nossa vida democrática em que já não era necessário estarmos permanentemente a discutir o papel e o lugar da RTP, porque toda as dúvidas sobre a liberdade da informação ficaram bem resolvidas. Hoje em dia, já ninguém questiona alinhamentos de telejornais. Estamos a reabrir um dossier da maneira clássica das abordagens liberais - e não é uma palavra que eu costumo usar muito - que é diminuir o financiamento, diminuir a importância, diminuir as condições, para libertar os apoios de mercado para outros setores. E para tornar menos relevante aquilo que considero ser um instrumento fundamental da nossa liberdade de imprensa e do direito à informação”, sustenta a antiga ministra no programa “Casa Comum”.
Questionada se este plano pode abrir caminho a uma privatização da RTP, Vieira da Silva admite que isso pode ocorrer após a desvalorização “ou nunca chegar a esse ponto”, criticando essencialmente uma rota de desvalorização da empresa pública de rádio e televisão.
“Uma RTP fragilizada, diminuída e totalmente dependente do poder político no seu financiamento, é uma RTP pior do que o que temos, e assim teremos certamente pior comunicação social”, remata a antiga ministra do PS.