​Fugir para o interior
25-03-2020 - 06:24

Afluxo de gente ao interior é encarado com justificado receio pelos poucos habitantes dessas pequenas aglomerações. Lá se vai a proteção do isolamento de que gozavam os grupos de risco (idosos) que ainda se mantinham naqueles reduzidos núcleos.

O isolamento das poucas e geralmente idosas pessoas que ainda vivem em aldeias despovoadas do interior é triste; mas em tempo de pandemia pelo menos trazia alguma proteção contra o vírus. Só que quem foge do litoral para ali até essa defesa lhes tira.

Desde há anos temos lamentado o triste e crescente isolamento das escassas pessoas, sobretudo de idade avançada, que vão ficando em aldeias progressivamente quase desertas, pois os mais novos as abandonam. Na crise do coronavírus, porém, esse isolamento é encarado pelas pessoas que não saem do interior como um benefício: ficam livres de contactos com pessoas do litoral possivelmente infetadas, sentem-se protegidas da pandemia.

Acontece, porém, que está a acentuar-se a fuga de citadinos do litoral, incluindo estrangeiros residentes em Portugal, para áreas do interior. Vão para segundas residências que possuem no interior, para casas que alugam ou até compram, para casas de família, etc. O motivo desta migração interna é óbvio: escapar ao contacto com possíveis infetados, que abundam nas cidades do litoral, onde vivem.

Como mostra uma desenvolvida reportagem no “Público” de ontem, este afluxo de gente ao interior, sobretudo ao Alentejo - onde há relativamente poucos casos de infeção, mas também a outras zonas semi-desertas - é encarado com justificado receio pelos poucos habitantes dessas pequenas aglomerações. Lá se vai a proteção do isolamento de que gozavam os grupos de risco (idosos) que ainda se mantinham naqueles reduzidos núcleos.

Os autarcas locais bem pedem às pessoas do litoral que se deixem ficar onde residem habitualmente. Ou, caso insistam em se refugiarem no interior, reclamam que permaneçam isolados, como aliás manda o estado de emergência em que o país se encontra. Mas raramente existem naquelas paragens meios para garantir que essa regra será ali cumprida. A GNR, que tem desempenhado um notável papel no apoio a pessoas idosas que vivem isoladas no interior, não pode chegar para tudo.

Um facto positivo, segundo o “Público”, terá sido o encerramento da fronteira com Espanha. Não é tanto o perigo de uma invasão de espanhóis para residirem em Portugal, escapando à trágica situação da pandemia no país vizinho. É, sobretudo, o fim de frequentes deslocações de espanhóis a território português, para se abastecerem disto e daquilo, podendo trazer consigo o coronavírus.

Talvez um ou outro que na presente situação se refugia no interior se convença a viver com alguma permanência no campo. Seria bom - mas serão raras exceções. O despovoamento do interior prosseguirá, uma vez passada a crise do vírus.