​Voluntárias espanholas ensinam mulheres migrantes a “dizer que não”
19-06-2018 - 20:28
 • Catarina Santos, em Valência

Operação “Esperança no Mediterrâneo” dá formação de adaptação cultural aos migrantes resgatados pelo navio Aquarius, com especial preocupação com as mulheres. Maioria está num alojamento improvisado a 30 quilómetros de Valência.

O sítio fica no meio do nada, numa zona industrial, a cinco quilómetros de Cheste - uma pequena povoação a 30 quilómetros de Valência. À entrada alinham-se as bandeiras da comunidade valenciana, de Espanha e da União Europeia.

Há um vai e vem constante de carros da Cruz Vermelha, da polícia, da proteção civil. O Governo tentou manter secreta a localização dos centros temporários que acolheriam os migrantes resgatados pelo navio Aquarius, mas a discrição durou muito pouco, como provam as várias câmaras de televisão plantadas mesmo em frente do Complexo Educativo de Cheste.

Foi para aqui que veio a maioria dos migrantes que desembarcaram no domingo. Chegaram em vários autocarros, receberam kits de higiene e roupas novas e puderam finalmente tomar um banho, depois de uma semana no mar. Estão aqui mais de 400 homens, cerca de 40 mulheres e nove crianças.

Os jornalistas estão proibidos de entrar, mas Pino Diaz Cuyas, voluntária da Cruz Vermelha, vem cá fora volta e meia para transmitir o que se passa lá dentro. Conta que foram as mulheres que precisaram de mais atenção. “Elas chegaram rebentadas. Muito, muito, muito cansadas. Notou-se mais o cansaço nas mulheres do que nos homens”.

E era para elas que decorria, naquele preciso momento, uma palestra “sobre direitos das mulheres em Espanha e na Europa, em geral, e sobre as coisas que não podem tolerar nem devem tolerar”. Pino Cuyas põe uma voz de lamento para explicar que “são mulheres que não estão habituadas a dizer que não.”

Crianças são crianças, tenham ou não passado por “desastres”

As crianças são naturalmente o grupo mais vulnerável, mas a enfermeira não para de se surpreender com a capacidade que têm de fazer parecer que tudo está bem e normal. “As crianças são o milagre da vida. São como os nossos, que estão em casa e que não passaram por todos estes desastres. Querem escolher a sua roupa, querem os seus brinquedos… e estar livres. Adoram correr.”

Há pavilhões separados para homens e mulheres, com camas improvisadas, e a vida no centro vai normalizando aos poucos. Desde a distribuição de comida e bens de primeira necessidade às formas de passar o tempo. Há quem jogue futebol ou basquetebol e há vários ecrãs de televisão para seguir os jogos do Mundial. Bastantes migrantes senegaleses que ali se encontram puderam festejar os dois golos que o Senegal marcou esta terça-feira na baliza da Polónia.

Entretanto, cerca de duas dezenas de pessoas que vieram para Cheste, no domingo, foram já para outros locais, por vontade própria. A autorização especial de permanência de 45 dias, que o Governo espanhol decidiu atribuir às pessoas resgatadas pelo Aquarius, dá-lhes liberdade de circulação no país. Há também migrantes na zona de Castellón e 133 menores estão num centro de acolhimento de Alicante.

Todos estes alojamentos são temporários, enquanto decorre o processo de avaliação dos pedidos de asilo. Foi dada a cada migrante, à chegada, a possibilidade de escolherem se querem ficar em Espanha ou ser acolhidos em França, mas ainda não é certo como este processo vai decorrer em concreto e quem vai realmente poder aproveitar a oferta de Emmanuel Macron.