A importância da Grande Guerra
10-11-2018 - 11:06

O centenário do armistício que pôs fim à I guerra mundial está a ser celebrado. Mas porque foi tão importante essa guerra, que também se mostrou surpreendentemente trágica?

Há cem anos, no dia 11 de novembro de 1918, foi assinado o armistício que pôs fim à Grande Guerra, ou I guerra mundial. O centenário é sobretudo celebrado em Paris, na presença de muitos chefes de Estado e de governo – entre eles estará o Presidente da República de Portugal. Poderá estranhar-se que se dê tanta importância ao termo de uma guerra tão antiga, que não foi a primeira a opor alemães e franceses e à qual se seguiu uma segunda guerra mundial, 21 anos depois.

Mas existem motivos sérios para destacar a chamada Grande Guerra. A anterior guerra franco-alemã (1870-1871) não durou um ano. A Grande Guerra prolongou-se por quatro anos e meio e provocou uma enorme mortandade entre os militares (a II guerra mundial matou mais gente, mas foram sobretudo as populações civis que sofreram).

Em 1914 as hostilidades foram desencadeadas pelo atentado mortal ao príncipe herdeiro do império austro-húngaro, Francisco Fernando, em Sarajevo, na Bósnia. Mas na altura não houve posições claras (com a possível exceção da Alemanha, que desejava uma guerra). Ainda hoje os historiadores discutem como realmente começou a Grande Guerra. Vários países decretaram a mobilização geral; a partir daí era muito difícil voltar atrás.

A longa duração da Grande Guerra não era de todo esperada. Muitas tropas partiram então para os campos de batalha convencidas de que no Natal seguinte estariam já de volta a casa. E a guerra de trincheiras teve enormes efeitos psicológicos e políticos. Pode dizer-se que o séc. XIX, ao longo do qual predominou a paz, acabou realmente com a Grande Guerra. Esta, de facto, mudou o mundo.

Um exemplo: no princípio do séc. XX muitos políticos de extrema-esquerda consideravam impossível uma guerra, porque a classe operária dos diferentes países a ela se oporia, em nome do internacionalismo proletário. Enganaram-se. E a entrada da Rússia na guerra levou a imensas baixas nos confrontos com o exército alemão, contribuindo para a queda do regime czarista. Em 1917 os alemães transportaram, de comboio, Lenine (então exilado na Suíça), para a Finlândia. Lenine passou daí para a Rússia e liderou a revolução bolchevique, que tirou a Rússia da guerra. O comunismo soviético iria durar até ao final da década de 80 do séc. XX.

Anos no horror das trincheiras

Ninguém esperava, por outro lado, a brutal desumanidade que foi a guerra de trincheiras, que se manteve durante praticamente toda a Grande Guerra. Os soldados viviam no interior das trincheiras, imersos em lama, ratos, neve, frio e constantes bombardeamentos. De vez em quando saíam das trincheiras para desencadear um ataque; mas o inimigo estava preparado e, à metralhadora, liquidava a maior parte dos atacantes. Por vezes, centenas de mortos eram o preço de um avanço de apenas alguns metros, sem qualquer significado militar. Durante quatro anos a chamada frente ocidental praticamente não se alterou.

Nas trincheiras, os soldados que sobreviviam, em condições sanitárias horríveis, sentiam-se abandonados pelos políticos que os tinham enviado. Aí nasceu um profundo ódio à democracia liberal e também uma cultura de violência, sentimentos que desembocariam nos totalitarismos nazi-fascistas e comunista. Foi o que nos explicou um grande historiador francês, François Furet, que morreu em 1997.

A aviação ainda não teve um importante papel na Grande Guerra; daí que não tenha havido as enormes destruições de cidades que ocorreram na II guerra mundial. Nem havia bombas atómicas, como as que mataram milhões em 1945, em Hiroshima e Nagasaki. Mas ao horror das trincheiras somava-se a frequente utilização de gases, que matavam ou deixavam seriamente afetados, para toda a vida, inúmeros militares.

Ao armistício de há um século seguiu-se, em 1919, o Tratado de Versalhes, que impôs sanções económicas duríssimas à Alemanha, criando um terreno propício ao movimento nazi, que mais tarde levaria Hitler ao poder. Por outro lado, os Estados Unidos (que entraram na Grande Guerra só em 1917) não ratificaram o tratado nem aderiram à Sociedade das Nações, então criada. O congresso americano opôs-se à vontade do presidente dos EUA, Woodrow Wilson, que se empenhara na criação da Sociedade das Nações e por isso ficou seriamente frustrado. Foi uma vitória do isolacionismo americano, ao qual não agradara a participação, embora curta, do seu país na Grande Guerra.

Portugal na Grande Guerra

A participação de militares portugueses na Grande Guerra começou em África, antes de qualquer declaração formal de guerra. Houve mortíferos combates entre tropas portuguesas e alemãs junto às fronteiras das colónias africanas de Portugal. Em Setembro de 1914 foram enviados os primeiras soldados portugueses para África, onde os esperaria uma série de derrotas perante os alemães, na fronteira do sul de Angola com o Sudoeste Africano Alemão, bem como na fronteira norte de Moçambique com a África Oriental Alemã. Além das mortes em combate, as tropas portuguesas sofreram ali numerosas baixas por doença.

Só em 1916 declarou Portugal guerra à Alemanha. Conhecendo a fraca preparação militar dos portugueses e as suas muitas limitações logísticas, o Reino Unido, nosso aliado desde 1373, logo no início das hostilidades manifestou o desejo de que as tropas portuguesas não entrassem em combates na Europa. E em Portugal a entrada na guerra em França não era consensual. O governo de Afonso Costa decidiu-se por essa entrada, alegadamente para defender as colónias africanas dos alemães. Mas porventura mais importante terá sido a ideia de que a guerra uniria os vários partidos republicanos em torno da liderança da A. Costa.

Depois de um curto período de treino em Tancos (na altura considerado “o milagre de Tancos”) o primeiro contingente foi enviado para França em navios britânicos no início de 2017. Mas as tropas portuguesas estavam pouco preparadas e mal equipadas – parte delas partiria com equipamento e vestuário próprios de África… Na frente da batalha os soldados portugueses eram alvo de troça, nomeadamente da parte dos militares britânicos.

A experiência do Corpo Expedicionário Português no campo de batalha não foi feliz. Chegaram a estar mobilizados perto de 200 mil homens. As perdas atingiram quase 10 mil mortos e milhares de feridos, além de custos económicos e sociais muito pesados.

Os objetivos que levaram os responsáveis políticos portugueses a entrar na guerra na Europa saíram todos gorados. A unidade nacional não seria conseguida por este meio, pelo contrário, e a instabilidade política acentuar-se-ia até à queda do regime democrático em 1926. As indemnizações alemãs a Portugal, no fim da Grande Guerra, ficaram muito abaixo daquilo que A. Costa esperava.

A experiência dos portugueses das trincheiras fomentou, sobretudo no exército, uma hostilidade crescente ao regime iniciado em 5 de outubro de 2010. Logo no final de 2017 um golpe militar derrubou o governo de Afonso Costa, substituído por Sidónio Pais, ex-embaixador em Berlim e mais tarde Presidente da República. Antes de ser assassinado em dezembro de 2018, Sidónio, um simpatizante dos alemães, lançaria sementes de um governo autocrático, que culminaram no golpe de 28 de maio de 1926, comandado pelo general Gomes da Costa, que havia chefiado o Corpo Expedicionário Português.