Metade dos jornalistas considera que jornalistas são agentes de desinformação
02-02-2023 - 07:00
 • Liliana Carona

Cerca de um terço dos jornalistas portugueses trabalha a partir de casa. São dados preliminares do estudo realizado no âmbito do inquérito "Desinformação e 'fact-checking', uma investigação que está a ser desenvolvida na UBI - Universidade da Beira Interior.

Metade dos jornalistas considera que os próprios jornalistas são agentes de desinformação, indica um inquérito realizado pela Universidade da Beira Interior (UBI).

"Desinformação e 'fact-checking'" foi o mote para o estudo nacional, ao qual responderam 485 jornalistas, (7% do total, que eram 7.015, à data do inquérito - aplicado de julho a setembro de 2022).

Pedro Jerónimo, investigador da Labcom, unidade de investigação da UBI – Universidade da Beira Interior, avança os primeiros resultados, que para o antigo jornalista, são surpreendentes.

“Metade dos jornalistas portugueses, 50%, considera que a desinformação é um problema no contexto português, e mais de 70% consideram que a legislação portuguesa não é adequada para combater a desinformação e também 70% discorda que as soluções de autorregulação sejam adequadas”, sublinha o investigador.

O investigador destaca, todavia, uma outra questão em particular que foi colocada. Cerca de 70% dos jornalistas consideram que o órgão de comunicação social para o qual trabalham “tem instrumentos adequados para responder à desinformação”.

Sobre os atores que consideram mais relevantes na propagação de informação, “cerca de 50% dos jornalistas consideram que os próprios jornalistas são agentes de desinformação”, destaca Pedro Jerónimo.

“Mas combinando com outra resposta, eles tendem a dizer que o problema existe, mas na casa dos outros, ou seja, não no jornal ou televisão onde trabalho, mas nos outros”, observa.

O inquérito "Desinformação e 'fact-checking'", que tentou auscultar as perceções dos jornalistas sobre a problemática da desinformação e questões de verificação, é um dos objetivos do MediaTrust.Lab, um laboratório de media regionais para a confiança e literacia cívicas, que estuda a questão da desinformação num contexto mais local.

“Propusemo-nos a desenvolver um inquérito junto destes jornalistas, mas percebemos que seria um desperdício não alargar este inquérito a todos os jornalistas e fizemo-lo em colaboração com o Sindicato, a Carteira Profissional e outras associações”, explica ainda Pedro Jerónimo.

36% dos jornalistas trabalham a partir de casa

Se o problema está na casa dos outros, é fácil concluir que os jornalistas têm dificuldades em refletir sobre eles próprios, alerta o investigador.

Pedro Jerónimo considera que “os jornalistas evitam ser notícia e tendem a assumir o papel do ‘nós é que sabemos’” e “têm muita dificuldade em ser escrutinados”.

“Refletem pouco sobre eles próprios. Isso resulta do fator tempo, das sucessivas crises que levaram à redução das redações”, esclarece.

Os dados resultantes do inquérito ainda estão em análise, mas a investigação pode também já adiantar que cerca de 50% dos jornalistas portugueses trabalham em redação e 36% trabalham a partir de casa.

A investigação é financiada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia e é desenvolvida por um grupo de investigadores no LabCom, Comunicação e Artes, unidade de investigação da Universidade da Beira Interior, sendo a Universidade de Coimbra também uma instituição participante.

O inquérito contou também com a colaboração da Associação Portuguesa de Imprensa, da Associação Portuguesa de Radiodifusão, da Associação de Imprensa de Inspiração Cristã, da Associação de Rádios de Inspiração Cristã, da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e do Sindicato dos Jornalistas.

"Deserto de notícias" em metade do país

Numa outra investigação: “Desertos de Notícias Europa 2022: Relatório de Portugal”, que resulta de um estudo do MediaTrust.Lab, coordenado por Pedro Jerónimo e realizado em coautoria com Giovanni Ramos e Luísa Torre, foram apurados, durante três meses e reportando aos dados disponíveis na base de dados da ERC a 31 de maio de 2022, os concelhos que têm comunicação social, os que não têm ou que estão numa situação de alerta.

Cerca de 54% dos concelhos de Portugal estão ameaçados, em semi-deserto ou deserto, sendo que um quarto está num deserto completo.

E onde é que eles se concentram? “Sobretudo no interior e Alentejo. Tem a ver com a densidade populacional. Serve para colocar o problema em cima da mesa. Aqui temos dados concretos, atenção que 54% dos concelhos estão ameaçados ou em deserto. O presente do jornalismo está ameaçado, fomos o primeiro país na Europa a fazer este estudo e nem por acaso, estava a Comissão Europeia a fazer uma chamada para um mapeamento dos desertos de notícia nos 27, isto revela que vêm seguir passos que já estavam a ser dados, e a preocupação com a desinformação”, salienta o investigador.

Pedro Jerónimo insiste nas consequências dos “desertos de notícias”. “Há um concelho, o de Manteigas, que está no deserto de notícias, como é que as pessoas se informam, se não têm órgãos de comunicação social? Informaram-se dos incêndios, porque tinham um autarca informado que ia divulgando nas redes”, recorda.

Ainda que os resultados de diversos estudos apontem destinos sombrios, Pedro Jerónimo consegue ver luz ao fundo do túnel.

“Não quer dizer que o jornalismo ou a educação para os media seja a resposta definitiva, mas são necessários e é um combate que nos envolve a todos. A nível local, podem ser estabelecidas parcerias, o potencial existe, mas depende da recetividade das pessoas se sentarem e conversarem. As pessoas individualmente têm um papel importante, na medida em que queiram ou não apoiar esses projetos. Temos exemplos, Fumaça, Divergente, de jornalismo independente, que demonstram que as pessoas querem e financiam jornalismo. No meio regional, os meios que efetivamente fazem jornalismo, as pessoas estão dispostas a apoiar e a subscrever”, defende.

O investigador aplaude a resiliência dos meios regionais. “Existe muita precariedade. Os meios regionais são provavelmente dos setores que têm mais experiência em gestão de crise, porque sempre viveram em dificuldade. É verdade que a pandemia levou ao fecho de alguns meios, mas a maioria soube adaptar-se. E souberam responder a uma necessidade de informação rápida sobre algo desconhecido”, conclui Pedro Jerónimo, apelando: “vem aí um momento, que é o congresso dos jornalistas, uma boa oportunidade para olharem para dentro”.