O tema está a ser comentado em diversas delegações e mesmo dentro da União Europeia são cada vez mais as vozes (e os estados-membros) a veicular a tese de que a energia nuclear deve fazer parte do “mix energético” que permite emissões zero.
Perante os objetivos de neutralidade carbónica para 2050, o recurso a um tipo de energia rejeitada historicamente pelos grupos ambientalistas tem surgido como uma arma de combate às alterações climáticas.
O diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atómica defendeu a opção na Conferência das Nações Unidas sobre o Clima, em Glasgow, na Escócia.
Numa das passagens de uma entrevista à Renascença, o Ministro do Ambiente e da Transição Energética recusa o nuclear em Portugal, admite que outros possam seguir esse caminho mas o foco deve estar na mudança de comportamento de Governo, empresas e cidadãos.
Como vê a entrada do argumento a favor da energia nuclear como arma para conter as emissões de CO2 ?
Aquilo que mais me importa é que para Portugal [a energia nuclear] está completamente fora de causa. Portugal tem mesmo água, sol e vento para produzir 100% da sua eletricidade sem recorrer ao nuclear. Para Portugal, é uma discussão que não faz sentido e que penso que ninguém quererá abrir. É verdade que o nuclear não tem emissões, mas apresenta um outro conjunto de problemas ambientais graves, desde o risco associado a uma central nuclear ao tempo que os resíduos de urânio perduram no planeta. Em bom rigor, ninguém sabe quanto tempo duram. Fala-se em milhares de anos de resíduos ativos, a contaminar solos e água.
Tenho humildemente que fazer esse reconhecimento. Há um conjunto de países de economias de grande dimensão que não têm aquilo que Portugal tem, ou seja, a possibilidade de usar os seus recursos naturais para produzir eletricidade. Por isso acho que não deve haver aqui uma rejeição 'tout court' do nuclear à escala mundial. Devemos caminhar para um mundo que não deve ter energia nuclear. Portugal não precisa dela, mas tenho humildemente de reconhecer que o nuclear pode vir a ser bastante importante para um conjunto de países durante um bom par de anos.
A posição está então completamente consolidada para o caso português. Se essa hipótese viesse a ser colocada à votação, Portugal não votaria contra ?
Portugal nunca votará o nuclear como energia limpa. O nuclear não é uma energia limpa.
Mas não rejeita como solução global...
Portugal nunca votará o nuclear como energia limpa. Isto não quer dizer que Portugal tenha uma oposição a fazer aquilo que será a utilização do nuclear por um conjunto de países que sentem precisar dele.
Foi aprovada a Lei do Clima em Portugal. Para um leitor que não conheça o jargão climático, que diferença esse diploma fará na sua vida ?
Quem sabe explicar a Lei do Clima é quem a aprovou. Foi aprovada no Parlamento com um larguíssimo consenso, o que obviamente deixa-me muito satisfeito.
Deixe-me começar atrás. Portugal é o primeiro país no mundo a dizer que vai ser neutro em carbono em 2050. Isso significa reduzir as emissões em 85% até essa data. Orgulhamo-nos de já termos reduzido essas emissões em 32%.
O que tem que mudar no sistema e na vida de cada um de nós para atingirmos o nosso objetivo para o qual a Lei do Clima também contribui e muito ? Em primeiro lugar 100% da energia que consumirmos em 2050 - hoje já são 60% - tem que provir de fontes renováveis. Não há alternativa. 100% da mobilidade terrestre em 2050 tem também que ser elétrica ou ter emissões zero.
A tecnologia elétrica é a que neste momento é a que está mais disponível e para os veículos pesados talvez seja o hidrogénio verde. Não conseguiremos chegar lá só com a tecnologia. Tem que haver uma alteração no comportamento das pessoas, com o objetivo de utilizarem mais os modos de transporte suave e coletivo.
Uma fatia muito significativa das questões ambientais coloca-se na produção e no consumo e por isso temos que, a cada passo, sermos consumidores mais responsáveis. Temos que rejeitar o descartável e se hoje ele está - e bem - muito focado no plástico , tem que ser rejeitado de uma maneira geral. Não podemos imaginar que vamos continuar a ter à nossa disposição um conjunto de produtos que se usam uma só vez e que depois vão para o lixo.
Este é o desafio desta geração. Não vamos conseguir a neutralidade carbónica sem um esforço. Temos que nos esforçar e comprometer. Isso é válido nas políticas públicas, em que os governos e as autarquias têm que saber fazer os investimentos certos. É válido para as empresas que têm que se descarbonizar e que encontram agora no PRR uma boa parcela de dinheiro para o poder fazer. E é também válido para o conjunto das pessoas e das famílias que, por exemplo, no domínio da eficiência energética, estão a fazer os seus investimentos. No âmbito do PRR, o Governo já distribuiu mais de 10 milhões de euros para a melhoria da eficiência energética de edifícios.
Temos que ser coerentes neste discurso. Os portugueses sabem bem o que são as consequências das alterações climáticas. Já perdemos 13 kms quadrados de costa nos últimos 30 anos. Nos inquéritos que anualmente são lançados pelo Banco Europeu de Investimentos sobre o grau de preocupação dos europeus com as alterações climáticas, Portugal tem o maior numero de pessoas preocupadas. 80% diz estar preocupado ou muito preocupado com as consequências das mudanças no clima.