"Não deve haver uma rejeição liminar da energia nuclear à escala mundial", avisa Matos Fernandes
09-11-2021 - 19:43
 • José Pedro Frazão

Ministro do Ambiente assegura que Portugal rejeita o nuclear como opção nacional e que nunca a considerará uma energia limpa. Mas "reconhece humildemente" que esta pode ser uma solução para países sem recursos renováveis para cumprir as metas de redução de emissões de gases com efeito de estufa. Em entrevista à Renascença, Matos Fernandes admite que não é possível alcançar a neutralidade carbónica em 2050 em Portugal sem uma mudança de comportamentos no nosso país.

O tema está a ser comentado em diversas delegações e mesmo dentro da União Europeia são cada vez mais as vozes (e os estados-membros) a veicular a tese de que a energia nuclear deve fazer parte do “mix energético” que permite emissões zero.

Perante os objetivos de neutralidade carbónica para 2050, o recurso a um tipo de energia rejeitada historicamente pelos grupos ambientalistas tem surgido como uma arma de combate às alterações climáticas.

O diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atómica defendeu a opção na Conferência das Nações Unidas sobre o Clima, em Glasgow, na Escócia.

Numa das passagens de uma entrevista à Renascença, o Ministro do Ambiente e da Transição Energética recusa o nuclear em Portugal, admite que outros possam seguir esse caminho mas o foco deve estar na mudança de comportamento de Governo, empresas e cidadãos.

Como vê a entrada do argumento a favor da energia nuclear como arma para conter as emissões de CO2 ?

Aquilo que mais me importa é que para Portugal [a energia nuclear] está completamente fora de causa. Portugal tem mesmo água, sol e vento para produzir 100% da sua eletricidade sem recorrer ao nuclear. Para Portugal, é uma discussão que não faz sentido e que penso que ninguém quererá abrir. É verdade que o nuclear não tem emissões, mas apresenta um outro conjunto de problemas ambientais graves, desde o risco associado a uma central nuclear ao tempo que os resíduos de urânio perduram no planeta. Em bom rigor, ninguém sabe quanto tempo duram. Fala-se em milhares de anos de resíduos ativos, a contaminar solos e água.

Tenho humildemente que fazer esse reconhecimento. Há um conjunto de países de economias de grande dimensão que não têm aquilo que Portugal tem, ou seja, a possibilidade de usar os seus recursos naturais para produzir eletricidade. Por isso acho que não deve haver aqui uma rejeição 'tout court' do nuclear à escala mundial. Devemos caminhar para um mundo que não deve ter energia nuclear. Portugal não precisa dela, mas tenho humildemente de reconhecer que o nuclear pode vir a ser bastante importante para um conjunto de países durante um bom par de anos.

A posição está então completamente consolidada para o caso português. Se essa hipótese viesse a ser colocada à votação, Portugal não votaria contra ?

Portugal nunca votará o nuclear como energia limpa. O nuclear não é uma energia limpa.

Mas não rejeita como solução global...

Portugal nunca votará o nuclear como energia limpa. Isto não quer dizer que Portugal tenha uma oposição a fazer aquilo que será a utilização do nuclear por um conjunto de países que sentem precisar dele.

Foi aprovada a Lei do Clima em Portugal. Para um leitor que não conheça o jargão climático, que diferença esse diploma fará na sua vida ?

Quem sabe explicar a Lei do Clima é quem a aprovou. Foi aprovada no Parlamento com um larguíssimo consenso, o que obviamente deixa-me muito satisfeito.

Deixe-me começar atrás. Portugal é o primeiro país no mundo a dizer que vai ser neutro em carbono em 2050. Isso significa reduzir as emissões em 85% até essa data. Orgulhamo-nos de já termos reduzido essas emissões em 32%.

O que tem que mudar no sistema e na vida de cada um de nós para atingirmos o nosso objetivo para o qual a Lei do Clima também contribui e muito ? Em primeiro lugar 100% da energia que consumirmos em 2050 - hoje já são 60% - tem que provir de fontes renováveis. Não há alternativa. 100% da mobilidade terrestre em 2050 tem também que ser elétrica ou ter emissões zero.

A tecnologia elétrica é a que neste momento é a que está mais disponível e para os veículos pesados talvez seja o hidrogénio verde. Não conseguiremos chegar lá só com a tecnologia. Tem que haver uma alteração no comportamento das pessoas, com o objetivo de utilizarem mais os modos de transporte suave e coletivo.

Uma fatia muito significativa das questões ambientais coloca-se na produção e no consumo e por isso temos que, a cada passo, sermos consumidores mais responsáveis. Temos que rejeitar o descartável e se hoje ele está - e bem - muito focado no plástico , tem que ser rejeitado de uma maneira geral. Não podemos imaginar que vamos continuar a ter à nossa disposição um conjunto de produtos que se usam uma só vez e que depois vão para o lixo.

Este é o desafio desta geração. Não vamos conseguir a neutralidade carbónica sem um esforço. Temos que nos esforçar e comprometer. Isso é válido nas políticas públicas, em que os governos e as autarquias têm que saber fazer os investimentos certos. É válido para as empresas que têm que se descarbonizar e que encontram agora no PRR uma boa parcela de dinheiro para o poder fazer. E é também válido para o conjunto das pessoas e das famílias que, por exemplo, no domínio da eficiência energética, estão a fazer os seus investimentos. No âmbito do PRR, o Governo já distribuiu mais de 10 milhões de euros para a melhoria da eficiência energética de edifícios.

Temos que ser coerentes neste discurso. Os portugueses sabem bem o que são as consequências das alterações climáticas. Já perdemos 13 kms quadrados de costa nos últimos 30 anos. Nos inquéritos que anualmente são lançados pelo Banco Europeu de Investimentos sobre o grau de preocupação dos europeus com as alterações climáticas, Portugal tem o maior numero de pessoas preocupadas. 80% diz estar preocupado ou muito preocupado com as consequências das mudanças no clima.