Pai, avô ou tio porreiro. Como os jovens portugueses veem os Papas
27-01-2019 - 16:28
 • Filipe d'Avillez

Os portugueses têm uma longa história de lealdade com o Papa, mas desde João Paulo II que essa relação tem sido marcada também por uma estreita amizade, evidenciada de forma especial pelos jovens.

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Não há razão para se pensar que os muitos Papas anteriores a João Paulo II não gostassem dos jovens, mas a verdade é que o polaco que se sentou na cadeira de Pedro deu início a uma tradição de se dirigir diretamente aos mais novos na Igreja, que se tem mantido durante os dois pontificados seguintes.

Mesmo antes de ser Papa, João Paulo II sempre gostou de passar tempo com os jovens, e na sua Polónia natal acompanhava-os em acampamentos, atividades desportivas e passeios pela natureza. Não surpreende que tenha sido ele, portanto, a decretar um jubileu dos jovens, convocando-os para ir ter com ele a Roma.

Nessa ocasião escreveu-lhes uma carta, cujo título descreve bem a relação que manteria com os mais novos até ao fim da sua vida: “Queridos amigos”.

Com o encontro em Roma estava lançado o mote para o que viriam a ser as Jornadas Mundiais da Juventude, a mais recente das quais terminou agora no Panamá, tendo sido já convocada a próxima, para Portugal.

Com a sua juventude e boa disposição, a empatia com os jovens era fácil. João Velez, que participou nas jornadas de Santiago de Compostela em 1989, via em João Paulo II uma figura paternal, numa altura em que essa relação lhe fazia mais falta. “Eu tinha perdido o meu pai um ano antes, e João Paulo II foi como um pai para mim. Mais tarde, num encontro das Equipas de Jovens de Nossa Senhora estivemos em Castel Gandolfo, onde o Papa passava férias, e tenho uma fotografia no meu quarto, eu ao lado de João Paulo II, em que trocámos ali um olhar, nesse momento, que me ajudou muito.”

Alguns anos depois, em Manila, o padre Duarte da Cunha, na altura recém-ordenado, recorda como o Papa fazia a delícia dos jovens presentes – fala-se em vários milhões, nas jornadas mais concorridas de sempre – ao rodopiar a sua bengala, que usava por causa de uma queda dada no ano anterior. “Na vigília, sobretudo à noite, o palco estava coberto de jovens sentados no chão. Eu estava ali no meio deles. E ainda estou a ver o Papa com aquele olhar, parecia que estava a olhar para cada um daqueles seis milhões. Com um sorriso...”, a emoção não o deixa terminar a frase.

Esta empatia e proximidade não passou à medida que João Paulo II envelheceu. Pelo contrário, a relação passou a ser descrita por muitos dos que viveram o seu pontificado como a de um avô muito amado pelos netos.

“Era quase um avô espiritual da minha geração toda, para mim foi certamente. Foi o meu Papa, quando entrei na idade adulta e na idade consciente e confirmei a minha fé, o meu Papa era o Papa João Paulo II”, conta João Maria Corrêa Monteiro.

Este português, que esteve várias vezes em eventos com o Papa polaco, sublinha o à vontade dele com os jovens. “É verdade que já estava mais velho, e é a imagem que temos sempre dele, todo ele de cabelos brancos, vestido de branco, pele já velha, mas era impressionante a naturalidade com que lidava connosco, com as multidões e em certa medida também a proximidade que trazia. Não te sentias num lugar com dois milhões de jovens. Quando olhavas à volta isso de facto era impressionante, mas quando olhavas para ele e quando o estavas a ouvir, e quando estávamos focados nele, mesmo que fosse a olhar para um ecrã, não estavas no meio de dois milhões de pessoas, estavas sentado na sala com ele.”

A proximidade entre os jovens e João Paulo II manteve-se até ao momento da sua morte, e não terminou aí, havendo muitos que partilham do sentimento de João Velez: “Rezo a João Paulo II, ele ajuda-me no dia-a-dia. Para mim é um santo presente nos nossos dias.”

O regenerado

O animado e carismático João Paulo II foi substituído pelo tímido Bento XVI, que gozava ainda de fama de severo e de ser demasiado conservador. Mal o alemão subiu ao trono pontifício começaram as comparações e parecia impossível que alcançasse a popularidade do seu antecessor.

Logo no seu primeiro ano realizaram-se as Jornadas Mundiais da Juventude em Colónia, na sua Alemanha natal. O mundo olhava de perto para o que muitos consideravam um primeiro grande teste. Os jovens não falharam o seu Papa e acorreram em grande número.

Ainda assim, antes de cada viagem que empreendia previa-se o fracasso. Seriam mais os manifestantes que os fiéis, os jovens não queriam saber, os recintos não iriam encher. Mas o Papa alemão, tímido e sem o carisma do polaco, continuava a atrair as multidões.

Foi então que veio a Portugal, em 2010. Visivelmente cansado à chegada, celebrou missa no Terreiro do Paço.

“Cruzei olhares com Bento XVI quando passava no final da missa no Terreiro do Paço. Olhou-me como um avô olha para um neto, com ternura, serenidade e gratidão. Gratidão porquê? Não tinha nada para me agradecer mas olhou-me profundamente agradecido”, diz Pedro Rocha e Melo.

Este jovem português foi um dos organizadores do Eu Acredito, que reuniu milhares de jovens, de diferentes movimentos católicos, de norte a sul do país, numa mostra de devoção ao Papa.

O Papa recolheu-se à nunciatura para descansar nessa noite. Mas os jovens portugueses tinham-lhe preparado uma surpresa. Vários milhares reuniram-se para uma vigília diante do edifício e cantaram-lhe uma serenata. Bento XVI não resistiu ao apelo dos jovens e saiu à varanda para os saudar. Depois, rindo-se, pediu que o deixassem descansar, porque era tarde. A verdade é que o seu olhar cansado regenerou e foi comentado até internacionalmente que o Papa que deixou Portugal parecia anos mais novo que o cá tinha chegado.

Pedro Rocha e Melo recorda como “no final daquele dia 11 de maio, já tarde quando saímos da Nunciatura, muitos dos 11.000 jovens que desfilaram de azul repetiam a mesma história. Teria Bento XVI conseguido olhar para todos?”

“Um ano mais tarde, fomos uma pequena comitiva de portugueses ao Vaticano entregar nas mãos de Bento XVI um livro com testemunhos de centenas de jovens que participaram naqueles dias. A sensação que tivemos foi a mesma. Sentimo-nos crianças a aproximar-se do seu avô com um presente. Desta vez, pudemos tocá-lo e sentir as suas mãos macias, ouvir a sua voz, calma e acolhedora, e também brincalhona”, diz.

As últimas jornadas em que Bento XVI participou foram as de Madrid. Ficou para a história a forma como ele se manteve no palco quando uma enorme tempestade se abateu sobre o recinto, fazendo voar tendas e lançando o pânico entre muitos dos participantes. Felizmente ninguém se magoou.

Carminho Oom, que estava presente, não esconde a admiração pela sua coragem. “É verdade que havia muitos jovens que o achavam muito sério e que não tinha grande proximidade com a juventude, mas eu gostava dele já e essas jornadas mudaram muito a imagem que as pessoas tinham dele. Apesar de dizerem que ele era ultraconservador e mais quadrado, foi exatamente o contrário. Ele provou que estava bem, que era jovem e que queria estar ali com aquelas pessoas todas.”

“O tio porreiro”

A relação dos jovens portugueses com o Papa Francisco não tem sido menos próxima e o argentino manteve em tudo a aposta dos seus antecessores na juventude, chegando a convocar um sínodo especial dos bispos para discutir as formas como a Igreja se pode aproximar dos mais novos.

O estilo deste Papa é claramente diferente dos anteriores. Menos pai, ou avô, mais tio porreiro mas preocupado, que encoraja os seus sobrinhos a “sair à rua” e “armar confusão” pelo Evangelho.

No Panamá Francisco completou as suas terceiras jornadas desde que foi eleito. Pelo meio fez uma visita rápida a Portugal, a que os jovens portugueses compareceram em força.

Em 2022 – se Deus lhe der força e saúde, como costuma dizer – terá nova oportunidade de sentir na pele a proximidade e a amizade dos jovens deste país.