Aguiar-Branco defende melhores salários para políticos e redução de incompatibilidades
27-09-2024 - 07:00
 • Tomás Anjinho Chagas , Marta Pedreira Mixão (edição vídeo) , Maria Lopes (Público) e Rui Gaudêncio (fotografia, Público)

Presidente da Assembleia da República pede que o tema seja debatido sem "discussão demagógica" e quer reduzir incompatibilidades para atrair melhores quadros para a política. Aguiar-Branco quer "dignidade" no 25 de novembro e para isso lembra importância de Mário Soares.

Se não for feita uma revisão "sem demagogia" para melhorar as condições dos políticos, o Parlamento corre o risco de perder a "base de recrutamento" e de não conseguir atrair bons quadros. O presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco quer mais transparência, menos incompatibilidades e melhores salários.

Em entrevista ao programa Hora da Verdade, da Renascença e do jornal "Público", o antigo ministro da Justiça (no governo de Santana Lopes) e antigo ministro da Defesa (nos governos de Passos Coelho) pede uma cerimónia "digna" do 25 de novembro, mesmo que alguns partidos políticos possam optar por não ir em forma de protesto.


[Esta é a segunda parte da entrevista ao presidente da Assembleia da República. Clique aqui pode ler a primeira parte, onde José Pedro Aguiar Branco pede à oposição para não confundir o Orçamento do Estado com uma moção de censura.]


Há alguns anos colocou-se na lei que os deputados devem declarar se fazem parte de algumas organizações como a maçonaria. Concorda?
Antes disso, devo dizer que era importante rever o estatuto dos titulares dos cargos políticos, porque anda sempre muita demagogia à volta deste tema e depois nunca há coragem para fazer essas alterações. A base de recrutamento é cada vez menor por causa das lógicas de remunerações, que são sempre vistas como tachos, e porque se criam situações de incompatibilidade que são exageradas. Daqui a 10 anos, temos, não as pessoas que desejam saudavelmente trabalhar dentro do sistema, mas uma representação anti-sistema, ou serão os só funcionários políticos a estar disponíveis para serem parlamentares.

Faria sentido aumentar o salário dos deputados para atrair...

Atenção, eu não falei de deputados, disse titulares de cargos políticos. O tema das incompatibilidades e da remuneração deve ser tratado à margem da discussão demagógica.

Reduzir as incompatibilidades?

Menos incompatibilidades, mais transparência. A minha manifestação de princípio é: sou favorável a que haja maior escrutínio - o máximo que se possa ter no registo de interesses e na transparência - e, depois, punir os desvios. Mas que sejamos mais abertos nas incompatibilidades, porque a dada altura é tudo incompatível e [torna-se impossível] o recrutamento para uma lista de deputados que represente as diversas sensibilidades da sociedade - um médico, um advogado, um carpinteiro, um engenheiro, um professor da faculdade – e então vai um funcionário da política.

Há quem queira afunilar e não permitir que os deputados possam também exercer advocacia, como no seu caso, que tem uma sociedade de advogados. A fronteira é muito difícil, onde é que se estabelece?

No meu caso, para clarificar, o estatuto obriga-me a suspender a minha qualidade de sócio da sociedade.

Mas a sociedade continua a existir, o seu nome está lá, tal como o nome do médico continua a estar na clínica.

A sua conclusão é terrível, já viu? Então, eu nunca poderia estar na política porque sou advogado de formação há 44 anos e estabeleci nesse momento da minha vida uma incapacidade de alguma vez intervir em favor do meu país - só porque sou advogado. Convenhamos que isso é absurdo. Se eu, sendo advogado individual ou numa sociedade de advogados, intervenho, participo ou tenho uma determinada situação de conflito de interesses, não a declarei e é apurada, então, puna-se a sério. Agora, por ser advogado não posso fazer a minha intervenção cívica? É demagógica essa conversa.

Há casos de deputados envolvidos em investigações judiciais - uns suspeitos, outros acusados, alguns já em fase de julgamento. A lei permite, mas na sua opinião, a partir de que momento um deputado deve interromper o seu mandato?

Está na soberania de cada um. Há situações que, na avaliação ético-comportamental e de atitude, aconselham que, eventualmente, não esteja a exercer a função de deputado; e outras em que, estando constituído arguido e não tendo nenhuma situação grave sobre a dignidade e respeitabilidade que deve ter a função de deputado, que não justificam. Tenho dificuldade em estabelecer uma lógica muito genérica.

A AR vai celebrar pela primeira vez o 25 de Novembro. Deve ser celebrada com a mesma dignidade do 25 de Abril?

O 25 de Novembro tem como grande referência o dr. Mário Soares. O país deve-lhe um tributo de respeito, homenagem, por ter contribuído para acabar com os desvios que estavam a acontecer ao regime que nasceu no 25 de Abril e que podiam pôr em causa os fundamentos nobres de democracia e liberdade. Não quero dar a minha opinião neste momento: foi constituído um grupo de trabalho que vai preparar uma proposta para que esse momento seja compatível com a importância e a dignidade da data.

Alguns partidos de esquerda poderão não marcar presença como forma de protesto.

Isso aí… Como disse no plenário: liberdade de expressão máxima. Cada um é responsável politicamente e terá a leitura do seu eleitorado em relação ao que diz e faz.

A AR vai assinalar o centenário de Soares?

Estamos a trabalhar nisso. Não quero revelar nada, é prematuro. Do que depender de mim, terá a dignidade e solenidade que merece.

O que o distingue de Augusto Santos Silva?

Cada um tem a sua maneira de ser. Acho que a mais importante tem a ver até com a forma diferente de vermos a dialéctica democrática. Isso ficou patente em muitas situações, escuso-me até de estar a fazer qualquer reparo ou comentário.

Vai abrir as portas do Parlamento todos os fins de semana?

Sim, desejo abrir o máximo ao Parlamento. Quando mandei tirar as grades... É simbólico, mas foi importante (...) para que as pessoas sintam genuinamente, interiormente, que esta casa é sua. Às vezes, as instituições inibem as pessoas de participarem, partilharem os espaços.