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O Orçamento do Estado para 2017 “tem várias coisas más” para o objectivo de atrair investimento, diz o presidente do Fórum para a Competitividade.
Em entrevista à Renascença e ao "Público" (que pode ouvir na Renascença esta quinta-feira, às 12h00), Pedro Ferraz da Costa afirma que o Governo não inspira confiança aos investidores e a uma grande parte dos portugueses. E alerta para os riscos de um segundo resgate: “Neste momento estamos pendurados em coisas muito ténues.”
O responsável pelo Fórum, que, incentivado pelo Presidente da República, está a preparar uma “Estratégia para o Crescimento” em Portugal, apela à realização de acordos que permitam estabilidade nas matérias decisivas para captar investimento.
O Orçamento do Estado para 2017 (OE 2017) dá condições para atrair mais investimento?
Não. O Orçamento tem várias coisas más para esse objectivo porque cria muito ruído na área fiscal. Suponho que a discussão pública que tivemos até agora sobre o Orçamento e que vamos ter até à aprovação na especialidade vá ser muito negativa porque as alterações aparecem sobre um pano de fundo que era a hipótese de se criar um imposto sucessório.
Não há nada sobre imposto sucessório no Orçamento.
Sim, mas ninguém ficou descansado porque o Governo não inspira confiança a uma parte da sociedade portuguesa e não inspira confiança nenhuma a uma grande parte dos potenciais investidores.
Quando atraímos em termos fiscais, de uma forma até muito agressiva, reformados com rendimentos elevados e, de repente, estas pessoas começam a ver que há alterações em relação às condições propostas e se fala até na hipótese de haver um imposto sucessório, isso põe os cabelos em pé a uma grande parte deles. Porque tinham a convicção de que vieram para um país que não havia. O sucessório é uma coisa que os herdeiros nunca gostam de pagar, agora, pagar imposto sucessório num país que não o seu ainda é uma coisa mais estranha.
Estas coisas todas não favorecem muito a entrada de investimento estrangeiro para o imobiliário que era uma das áreas que estava a correr melhor.
É desse investimento que precisamos?
O imobiliário é uma parte importante das aplicações de capital em todo o mundo e neste momento temos grandes dificuldades em atrair outro. Portanto, não devíamos deitar fora o que já existe.
Estamos com níveis de poupança muito baixos e nalguns casos os novos detentores das empresas [que vendemos], como a Fosun [que comprou a seguradora Fidelidade] ainda exportam essas poupanças em vez de as aplicar cá, em coisas novas, que era o que todos desejaríamos.
Não cria riqueza, só resolve o endividamento…
Exactamente. Mas na primeira fase da “troika” era essencial à sobrevivência.
A parte do investimento imobiliário é importante, viabiliza um crescimento maior do turismo, que é uma actividade que cria emprego a um ritmo muito rápido e cria emprego facilmente para pessoas com pouca diferenciação. E em Portugal temos esse problema, de sermos o país menos qualificado da União Europeia a 28. Parecem-me argumentos suficientes para não perturbar essa actividade.
E o que podemos fazer para captar esse investimento mais estruturante?
Tínhamos de ter acordos suficientemente formais para poderem ser publicitados em prazos relativamente longos. Temos problemas que vão demorar 20 ou 25 anos a resolver e não ia ao ponto de dizer que precisávamos de ter acordos a 20 ou 25 anos, mas duas legislaturas parece-me o mínimo para fixar o prazo em que é conhecida a evolução do sistema fiscal.
Está a falar de um acordo político para o sistema fiscal que não mudasse nesse horizonte temporal?
E principalmente que assumisse, desde o princípio, que precisamos disso e vamos fazer o que for necessário para termos isso. Com taxas de crescimento como as que temos tido até agora não vamos criar postos de trabalho, não vamos criar possibilidades de promoção às pessoas dentro das empresas.
O objectivo de aumentar a produtividade para pagar salários mais elevados pressupõe empregar pessoas mais qualificadas e pressupõe que as pessoas mais qualificadas subam dentro da cadeia hierárquica das empresas. Isso não acontece se elas não estiverem a crescer. Uma organização que não cresce não cria postos de trabalho nem dá oportunidades de promoção. Agora, em termos de perspectiva de carreira, isso é aquilo que neste momento não oferecemos. O que é que Portugal tem a oferecer a dez anos de vista a uma pessoa que tenha acabado os seus estudos e a sua qualificação?
Parece-lhe realista que no cenário político que temos possa haver um entendimento de estabilidade fiscal?
Não sei o que é o cenário político que temos comparado com o cenário que tivemos há dois ou três anos e o que vamos ter no futuro. Esta experiência governativa é bastante curiosa e de alguma forma as pessoas mais à direita, mais ao lado da economia, achavam que era o mesmo que meter a raposa dentro do galinheiro.
Certo é que, com um grau de probabilidade elevadíssimo, o OE 2017 vai assegurar um saldo primário que era uma coisa impensável face às declarações relativamente recentes, quer do PCP, quer do Bloco de Esquerda. Suponho que o contacto com a realidade, que é sempre uma coisa boa, mostra que muito da conversa do “temos de sair do euro” era dito por pessoas que não faziam a mais pequena ideia do que andavam a fazer.
Neste momento todos os partidos políticos já foram obrigados a provar da receita amarga de que não é possível viver acima das possibilidades em termos do Orçamento do Estado. Todos os partidos, desde o CDS ao Bloco de Esquerda, perceberam que os países precisam de ter finanças equilibradas e se eventualmente quiséssemos sair do euro, ainda tínhamos de dar uma imagem mais forte de ser capazes de equilibras as finanças. Se não, a nossa moeda desaparecia. Perceberam o papel que a integração dos diversos países já tem no nosso futuro e no nosso desenvolvimento económico e portanto, nós, com 10 milhões de semifalidos não vamos definir um caminho diferente do resto do mundo.
Com mais verbalismo ou menos verbalismo, já todos perceberam isso e perceberam que um número crescente de eleitores na Europa que não quer que os seus países paguem as nossas contas.
E a Europa já percebeu que as restrições orçamentais impedem que os países consigam crescer?
Não acho nada isso. Porque a Europa não cria emprego, porque é a zona do mundo que mais tributa o trabalho. E, quer gostemos ou não, as empresas e as economias utilizam menos os recursos quando eles se tornam mais caros. A Europa, com todas as regras sociais, a quase impossibilidade dos despedimentos, a grande dificuldade em reajustar efectivos a variações da conjuntura e a elevadíssima tributação sobre o trabalho, está montada em cima das remunerações do trabalho.
O modelo social europeu é o grande inimigo da Europa neste momento?
Já no início dos anos 80 o senhor Helmut Schmidt, antigo chanceler alemão, sabia que não havia taxa de crescimento suficiente para sustentar o que tinha sido feito no pós-guerra.
O discurso dos políticos europeus não é esse.
Eles mantém o discurso e fogem a resolver. O engenheiro António Guterres como primeiro-ministro também percebeu que tinha de controlar as contas públicas, não estava era interessado em o fazer.
Portugal está num beco sem saída em que não encontramos caminhos que nos levem ao crescimento?
Não. Se é verdade que a Europa não é nem um espaço de crescimento nem um espaço de inovação, nós somos, de longe, o pior na Europa. Ou seja, apesar destas condições europeias que são difíceis, houve seis países da UE a 28 que nos ultrapassaram nos últimos anos. Há alguns que crescem e crescem bem.
Olhando para Espanha vemos um país sem Governo há quase um ano e que tem sinais de crescimento completamente diferentes dos nossos…
Por isso é que dizia que mesmo dentro da Europa é possível fazer melhor e ninguém consegue fazer pior do que nós. É isso que não podemos aceitar. Como portugueses não podemos aceitar, porque é que somos os piores dos piores. E conhecendo as pessoas individualmente e as organizações individualmente isso não é verdade. Há uma maneira de gerir o país e de organizar as coisas que não funciona. Portugal não cresce praticamente desde que entrou no euro. Isso vai ter de ser mudado. E isso tudo só é possível se houver pressão da opinião pública no sentido de eles fazerem os acordos mais difíceis. O Presidente da República tem aí um papel insubstituível.
Junto da opinião pública?
A popularidade que ele tem junto da opinião pública é uma fonte de poder junto dos partidos.
O que precisa de ser mudado?
No caso do investimento estrangeiro toda a gente sabe o que precisávamos de mudar e a maior parte das coisas nem sequer têm nada de ideológico.
Por exemplo…
Porque é que é aceitável que um tribunal fiscal demore dez anos a dar uma resposta, obrigue os contribuintes a entregarem uma garantia bancária em relação à quantia em dívida e nalguns casos cheguem a perder as garantias bancárias quando a acção acaba? Porque é que é aceitável que o Estado em matéria fiscal perca em 1ª instância e para satisfazer o ego dos funcionários ou dos directores recorra sistematicamente, entupindo o sistema? Isto não tem nada de ideológico.
A ministra da Justiça anterior fez um conjunto de alterações que eram politicamente difíceis, porque mexiam com a localização de tribunais em determinadas autarquias, mas não fez nada em relação a isto. Isto é um assunto cuja discussão tenho participado há 30 ou 40 anos. Tudo se adia. Quando vamos olhar para os problemas mais simples, como um investidor estrangeiro querer comprar um terreno com determinada dimensão para fazer uma fábrica, até com os registos dos terrenos tem dificuldades. Temos um registo que em determinadas zonas do país está em cacos.
É preciso é querer fazer e fazer bem. Não vejo razão nenhuma para que em relação a assuntos que não envolvam aspectos que podem ser discutidos mais ideologicamente não se resolva o problema. O problema da burocracia, dos meses que se espera pelos licenciamentos. Há coisas dessas que são tarefas para 10, 15 ou 20 anos. É preciso ter algumas garantias e alguns exemplos de que se começou a andar nesse sentido. O que temos é uma legislação de péssima qualidade, contraditória, há leis em muitos casos para permitir uma coisa e também para a proibir ao mesmo tempo e alguém tem de decidir isso. Isso dá muito trabalho.
A maior parte dos governantes são fracos, sabem pouco sobre os assuntos, não têm experiência de vida e os directores-gerais e de serviços são nomeados por preferências partidárias e não por competência… é isso que é preciso mudar.