​A metamorfose da crise
25-09-2020 - 06:19

Tal como era de esperar, o prolongamento da pandemia fez entrar numa nova fase a crise económica a ela associada.

No início, a crise era uma crise de oferta e não de procura. Ou seja, a produção de bens e de serviços reduziu-se porque não havia condições sanitárias para que muitas empresas pudessem funcionar e em certos casos foi mesmo a falta de matérias-primas de importação – originada também ela pela pandemia - que condicionou a produção interna.

Passados seis meses, a insuficiência da procura surge como uma condicionante adicional. Esta insuficiência resulta em parte da quebra de rendimentos associada, principalmente, ao aumento do desemprego, mas resulta também do aumento da poupança de muitas famílias, em consequência de uma restrição voluntária ao consumo.

Uma poupança interna elevada é importante para permitir que um país financie o seu investimento sem recorrer ao endividamento externo. Porém, a poupança interna é a soma de três parcelas: a poupança das famílias, a poupança das empresas e a poupança do Estado.

O actual aumento da poupança das famílias não aumenta necessariamente a poupança interna, uma vez que a redução do consumo faz piorar a situação das empresas e portanto estas sofrerão um aumento dos prejuízos – que são poupança negativa. Também o Estado está a registar um défice corrente elevado devido à crise, o que, da mesma forma, conta como poupança negativa. Portanto o actual excesso de poupança das famílias não é virtuoso.

É preciso combatê-lo. Mas não vale a pena tentar uma receita de aumento geral de subsídios ao rendimento das famílias (ou o que é equivalente uma redução fiscal geral), que resultaria em aumento da poupança destas e não do seu consumo. Vale mais ser selectivo e aumentar o rendimento daqueles que reduziram involuntariamente o consumo, como sejam os desempregados e todos os que, mesmo antes da pandemia, já tinham rendimentos muito baixos. Aumentar o consumo reduzindo a pobreza deveria ser a palavra de ordem.