Incertezas petrolíferas
05-05-2018 - 09:54

A gasolina vai subir de preço pela oitava vez consecutiva. Será que o preço dos combustíveis não cessa de aumentar em Portugal?

Ninguém sabe quando deixará de ser racional investir na pesquisa e produção de petróleo, que a longo prazo desaparecerá de uma economia descarbonizada.

A gasolina vai subir de preço pela oitava vez consecutiva. Será que o preço dos combustíveis não cessa de aumentar em Portugal? Durante algum tempo a subida do preço do “crude”, transacionado em dólares, foi amortecida entre nós e nos outros países da zona euro com o câmbio alto da moeda única europeia em relação ao dólar. Mas nada garante – nem seria bom para as nossas exportações – que essa tendência se não inverta.

Reduzir o imposto que pesa sobre os combustíveis, que é elevado, não me parece uma hipótese credível – o Governo precisa desse dinheiro para reduzir o défice orçamental – nem aconselhável. Há quase 20 anos o Governo de António Guterres fez isso e os resultados não foram positivos: desviou uma parte dos custos do consumidor de combustíveis para o contribuinte, utilizasse ele ou não um veículo automóvel, o que foi injusto; e retirou incentivo aos consumidores de combustíveis para reduzirem esse consumo e/ou para serem mais eficazes na sua utilização, o que atrasou a eficiência energética em Portugal.

O mercado de “crude” (petróleo bruto) é determinante na evolução dos preços dos produtos refinados, como a gasolina ou o gasóleo, embora haja por vezes divergências pontuais (por causa de problemas em refinarias, por exemplo). Mas a tendência da evolução dos preços dos produtos está, pelo menos a médio prazo, muito ligada aos preços do “crude”. No início de 2016 o barril de “brent” (o petróleo bruto de referência para Portugal) custava 27 dólares, o nível mais baixo dos anteriores 13 anos. Depois foi subindo, tendo atingido 75 dólares na semana que passou. Porquê?

Fatores políticos e económicos

Primeiro, por motivos políticos. A ameaça de Trump de retirar os EUA do acordo nuclear com o Irão, colocando restrições na exportação de petróleo iraniano, é um fator. Outro é o quase colapso da produção de “crude” na Venezuela; este país, que possui as maiores reservas petrolíferas do mundo, extrai agora menos 28% de “crude” do que extraía no fim de 2016. Em terceiro lugar, a guerra no Iémen levou os rebeldes, adversários da Arábia Saudita, a atacar infraestruturas petrolíferas sauditas, provocando alguns estragos.

Depois, temos as restrições voluntárias à produção. No início do ano passado a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) chegou a acordo com a Rússia para uma baixa coordenada na produção. Houve menos “batota” do que em anteriores baixas de produção da OPEP. A Arábia Saudita, o grande produtor, mas que começava a sentir problemas financeiros com a quebra do preço do petróleo bruto, empenhou-se nesta baixa, na sua luta contra a extração de “crude” em rochas xistosas, que teve uma alta espetacular nos EUA. Este país voltou a ser o primeiro produtor mundial de petróleo, que há muitas décadas deixara de ser.

Embora a produção americana de petróleo deva subir cerca de 10% no corrente ano, alguns problemas em “pipelines” e outras infraestruturas petrolíferas nos EUA limitaram os efeitos de baixa nos preços no mercado do petróleo de xisto. A Arábia Saudita ganhou esta batalha. Mas ganhar a guerra será mais problemático.

Uma economia descarbonizada

A própria Arábia Saudita não aguentará muito mais tempo sem subir a produção, porque precisa de receitas. O país encontra-se numa difícil viragem, comandada pelo príncipe herdeiro, Moahamed bin Salman, que pretende tornar a economia menos dependente do petróleo e reduzir o número de estrangeiros a trabalhar nessa economia – os sauditas não apreciam trabalhar e, quando o fazem, exigem salários mais altos do que os dos estrangeiros. É provável que cerca de um terço das empresas da Arábia Saudita, todas “trabalho-intensivas” e de salários baixos, tenha que fechar as portas. Será preciso dinheiro do Estado para aliviar os problemas sociais decorrentes dessas mudanças.

Por outro lado, se a economia mundial abrandar por causa do petróleo caro, os países exportadores de “crude” sofrerão uma quebra na procura, refletindo-se numa baixa do preço, como tantas vezes aconteceu no passado. O mercado funciona.

Entretanto, prossegue o avanço das energias renováveis – incluindo nos países do Médio Oriente produtores de petróleo. Eles sabem que o futuro está numa economia que não recorra a combustíveis fósseis, fontes de poluição. E os custos da produção de eletricidade a partir da energia solar e eólica têm vindo a descer, ao ponto de em vários mercados serem agora cerca de metade dos preços da energia nuclear.

A energia nuclear não liberta carbono mas tem outros problemas. Os desastres de Chernobyl (1986) e de Fukushima (2011) levaram países, como a Alemanha, a renunciarem ao nuclear, apesar de ainda terem várias centrais em funcionamento. E continua sem solução aceitável o destino a dar aos detritos nucleares, que permanecem perigosos durante milénios.

Uma coisa é certa: no mercado petrolífero vão viver-se… grandes incertezas. Ninguém sabe ao certo quando deixará de ser racional investir na pesquisa e produção de uma fonte de energia, o petróleo, que a longo prazo parece condenada.