"Este sistema é insuportável." Dez frases que o Papa disse aos movimentos populares
10-07-2015 - 00:41
 • Filipe d’Avillez

Desde o direito sagrado à terra, tecto e trabalho ao perdão aos indígenas da América do Sul pelos crimes da Igreja, o Papa levanta a voz contra a tirania do dinheiro e o novo colonialismo.

Foi, até ao momento, o maior discurso do Papa nesta sua viagem à América Latina. A Renascença destaca dez das mais importantes frases que o Papa proferiu diante dos representantes de vários movimentos populares.


Terra, tecto e trabalho – Os 3T
A Bíblia lembra-nos que Deus escuta o clamor do seu povo e também eu quero voltar a unir a minha voz à vossa: terra, tecto e trabalho para todos os nossos irmãos e irmãs. Disse-o e repito: são direitos sagrados. Vale a pena, vale a pena lutar por eles. Que o clamor dos excluídos seja escutado na América Latina e em toda a terra.

Este sistema é insuportável
Reconhecemos nós que este sistema impôs a lógica do lucro a todo o custo, sem pensar na exclusão social nem na destruição da natureza? Se é assim – insisto – digamo-lo sem medo: Queremos uma mudança, uma mudança real, uma mudança de estruturas. Este sistema é insuportável: não o suportam os camponeses, não o suportam os trabalhadores, não o suportam as comunidades, não o suportam os povos. E nem sequer o suporta a Terra, a irmã Mãe Terra, como dizia São Francisco.

Que posso eu fazer? Muito
Que posso fazer eu, recolhedor de papelão, catador de lixo, limpador, reciclador, frente a tantos problemas, se mal ganho para comer? Que posso fazer eu, artesão, vendedor ambulante, carregador, trabalhador irregular, se não tenho sequer direitos laborais? Que posso fazer eu, camponesa, indígena, pescador que dificilmente consigo resistir à propagação das grandes corporações?

(…)

Muito! Podem fazer muito. Vós, os mais humildes, os explorados, os pobres e excluídos, podeis e fazeis muito. Atrevo-me a dizer que o futuro da humanidade está, em grande medida, nas vossas mãos, na vossa capacidade de vos organizar e promover alternativas criativas na busca diária dos “3T” , e também na vossa participação como protagonistas nos grandes processos de mudança nacionais, regionais e mundiais. Não se acanhem!

Amam-se pessoas, não ideias
Este apego ao bairro, à terra, ao território, à profissão, à corporação, este reconhecer-se no rosto do outro, esta proximidade no dia-a-dia, com as suas misérias e os seus heroísmos quotidianos, é o que permite realizar o mandamento do amor, não a partir de ideias ou conceitos, mas a partir do genuíno encontro entre pessoas, porque não se amam os conceitos nem as ideias; amam-se as pessoas.

Semeadores de mudança
Vejo, com alegria, que trabalhais no que aparece ao vosso alcance, cuidando dos rebentos; mas, ao mesmo tempo, com uma perspectiva mais ampla, protegendo o arvoredo. Trabalhais numa perspectiva que não só aborda a realidade sectorial que cada um de vós representa e na qual felizmente está enraizada, mas procurais também resolver, na sua raiz, os problemas gerais de pobreza, desigualdade e exclusão. Felicito-vos por isso. É imprescindível que, a par da reivindicação dos seus legítimos direitos, os povos e as suas organizações sociais construam uma alternativa humana à globalização exclusiva. Vós sois semeadores de mudança.

Novo colonialismo
O novo colonialismo assume variadas fisionomias. Às vezes, é o poder anónimo do ídolo dinheiro: corporações, credores, alguns tratados denominados ‘de livre comércio’ e a imposição de medidas de ‘austeridade’ que sempre apertam o cinto dos trabalhadores e dos pobres (…) Noutras ocasiões, sob o nobre disfarce da luta contra a corrupção, o narcotráfico ou o terrorismo vemos que se impõem aos Estados medidas que pouco têm a ver com a resolução de tais problemáticas e muitas vezes tornam as coisas piores.
Da mesma forma, a concentração monopolista dos meios de comunicação social que pretende impor padrões alienantes de consumo e certa uniformidade cultural é outra das formas que adopta o novo colonialismo. É o colonialismo ideológico.

Perdão aos indígenas
Peço humildemente perdão, não só para as ofensas da própria Igreja, mas também para os crimes contra os povos nativos durante a chamada conquista da América.

Uma fé que desafia a tirania do dinheiro
A Igreja, os seus filhos e filhas, fazem parte da identidade dos povos na América Latina. Identidade que alguns poderes, tanto aqui como noutros países, se empenham por apagar, talvez porque a nossa fé é revolucionária, porque a nossa fé desafia a tirania do ídolo dinheiro. Hoje vemos, com horror, como no Médio Oriente e noutros lugares do mundo se persegue, tortura, assassina a muitos irmãos nossos pela sua fé em Jesus. Isto também devemos denunciá-lo: dentro desta terceira guerra mundial em parcelas que vivemos, há uma espécie de genocídio em curso que deve cessar.

Ecologia
A casa comum de todos nós está a ser saqueada, devastada, vexada impunemente. A covardia em defendê-la é um pecado grave. Vemos, com crescente decepção, sucederem-se uma após outra cimeiras internacionais sem qualquer resultado importante. Existe um claro, definitivo e inadiável imperativo ético de actuar que não está a ser cumprido. Não se pode permitir que certos interesses se imponham, submetendo Estados e organismos internacionais, e continuem a destruir a criação. (…) Peço-vos, em nome de Deus, que defendais a Mãe Terra.

Estou convosco
Estou convosco. Digamos juntos do fundo do coração: nenhuma família sem tecto, nenhum camponês sem terra, nenhum trabalhador sem direitos, nenhum povo sem soberania, nenhuma pessoa sem dignidade, nenhuma criança sem infância, nenhum jovem sem possibilidades, nenhum idoso sem uma veneranda velhice. Continuai com a vossa luta e, por favor, cuidai bem da Mãe Terra.


A Renascença V+ transmite em directo os principais momentos da visita do Papa à América Latina, até domingo. Veja em detalhe o programa das transmissões