Não devemos!
09-02-2015 - 18:09
 • José Luís Ramos Pinheiro

Nos próximos meses, a Europa será palco de intensas disputas eleitorais. Sem prudência, nem discernimento, os europeus poderão entregar o poder a dirigentes cujas propostas se resumem a aproveitar com demagogia o sofrimento dos mais pobres.

Afinal, a crise económica nasceu sozinha; veio ao mundo por sua iniciativa e pelos seus próprios meios; nasceu de geração espontânea. A conclusão é inequívoca já que ninguém levanta um dedo para se dizer responsável por ela, mesmo em regime de condomínio, isto é, de partilha de responsabilidades.

Quem esteve no poder – mais recentemente ou menos recentemente - assobia para o ar. Mas, na verdade, muitos dos que falam agora em renegociar a dívida contribuíram decisivamente para o seu aumento; e muitos dos que defendem a austeridade como caminho certo para a recuperação não podem também apagar a sua preciosa colaboração.

Mas, para ser inteiramente justo, os que estavam na oposição também ajudaram, porque invariavelmente pediam ao Estado ainda mais despesa, ainda mais recursos, o que teria significado ainda mais dívida, caso os diferentes governos lhes tivessem dado ouvidos em todas as ocasiões.

Acresce – ainda que não seja popular escrevê-lo – a responsabilidade de muitos cidadãos: todos aqueles cujas prioridades de consumo significaram também um considerável empurrão na bola de neve da dívida.

Finalmente, os mercados financeiros. Já se sabe que os ditos cujos não são flor que se cheire, sobretudo quando detectam, a léguas, vestígios da desgraça alheia.

Por cá, na Grécia ou em todos os países enredados na teia da dívida vale o princípio do anonimato da culpa. Neste estado de coisas, Portugal não está sozinho, mas muito mal acompanhado.

Talvez por ser responsabilidade de muitos, embora em doses variáveis, parece ter-se convencionado que afinal também a culpa pela dívida convém que morra solteira.

Estando assim esclarecida a responsabilidade pela dívida ou melhor, consensualizada a irresponsabilidade, como princípio genérico de avaliação da responsabilidade pela crise, está aberto o caminho à proposta de soluções de igual calibre, para os amanhãs que alguns já cantam.

Em matéria de maus exemplos, a Grécia volta a sair na frente. O Syriza, que depois de eleito continua a vender demagogia dentro de portas e algum sentido de Estado fora delas, coligou-se de rompante, apenas e só, com a extrema-direita. Se isto é esperança, não sei o que seja desespero.

Quando a França e outros países europeus se vêem acossados pelo triste ressurgimento da extrema-direita, eis que os autoproclamados portadores da esperança grega aproveitam o balanço para dar de bandeja aos movimentos de direita radical, acesso ao governo de Atenas.
 
Aqui ao lado, em Espanha, o Podemos de Pablo Iglesias lidera sondagens, enquanto o seu líder debita promessas, ao jeito bacoco de uma “popstar” da esquerda caviar. Espreme-se o discurso do Podemos e percebe-se o vazio do irrealizável, mas em sintonia com o universo de regimes como o da Venezuela que tem sabido acrescentar sofrimento e pobreza em toda a sociedade venezuelana.

O maior erro da Europa, nos últimos anos, é o de não ter sabido integrar nas soluções da crise a ponderação social, gerando uma massa de pessoas descontentes, parte das quais à beira do desespero. E o desespero é sempre mau conselheiro, designadamente eleitoral.

Movidos pelo desespero e pelas humilhações da I Guerra Mundial, os eleitores alemães foram às urnas e entregaram o poder a Hitler. A Alemanha em particular, e a Europa em geral, não deviam ignorar a história, assumindo com humildade as lições de um passado ainda bem próximo. E o passado ensinou-nos que o desespero eleitoral, democraticamente afirmado, pode ter consequências devastadoras.

A solução não passa por novas ditaduras, mais ou menos encapotadas, mas por aprofundar a democracia, recheando-a de valores e princípios, cuja pureza a Europa foi esquecendo, inebriada pelo sucesso do materialismo capitalista - efémero vencedor do combate contra o materialismo marxista-leninista, de triste memória.

Nos próximos meses, a Europa será palco de intensas disputas eleitorais. Sem prudência, nem discernimento, os europeus poderão entregar o poder a dirigentes cujas propostas se resumem a aproveitar com demagogia o sofrimento dos mais pobres. Se tal acontecesse, estaríamos a converter o desespero em males ainda maiores. Não podemos. É a minha esperança.