Resultados eleitorais, próximo Governo, novo Presidente e Rui Rio
05-10-2015 - 07:37

Se genericamente as sondagens ganharam, em geral, os analistas perderam.​

Ao longo da noite eleitoral fui coleccionando notas sobre protagonistas e dados, olhando também para o futuro próximo. Independentemente do que aqui escrevo, o mais importante é que os próximos anos sejam melhores para as pessoas que mais sofreram, confirmando-se que os sacrifícios valeram a pena. E que o país recupere desígnio e visão de futuro – é um desejo e uma esperança.

Participação eleitoral. Uma abstenção galopante era uma ameaça, mas não se confirmou. Subiu ligeiramente, mas muito longe do que se chegou a prever: sinal importante de maturidade cívica dos eleitores portugueses. Ainda assim, é preciso que a participação cresça em nome do bem comum. A abstenção é um fenómeno preocupante em muitas sociedades europeias. Uma cada vez mais escassa participação eleitoral não contribui para fortalecer a Europa que antes de se queixar de terceiros, deve revalorizar a cultura, os valores e a qualidade dos seus regimes democráticos.

Sondagens. As empresas de sondagens não se enganaram. Ao contrário do que sucedeu recentemente em Espanha e no Reino Unido, as sondagens ‘made in Portugal’ conseguiram retratar com grande aproximação o estado de alma dos eleitores nacionais. Belos resultados.

Analistas. Há meia dúzia de meses a Coligação era dada como perdida, pela inteligência nacional. Não perderia apenas votos, mandatos e maioria absoluta: estava absolutamente condenada a morrer, vítima de um passeio eleitoral triunfal de António Costa.

As notícias da morte da Coligação eram manifestamente exageradas, ao ponto de Passos e Portas terem vencido com uma confortável maioria relativa e derrotando absolutamente António Costa.

Se genericamente as sondagens ganharam, em geral, os analistas perderam.

PS. Claro que ninguém contava com tantos erros do PS, que deixou voar dois pássaros em simultâneo: o eleitorado do centro desconfiado do radicalismo, retraíu-se; e os eleitores à esquerda redescobriram em Catarina Martins um simpático voto de protesto, intuindo que o PS de Costa não estaria disponível para renegociar agressivamente a dívida e, muito menos, abandonar a moeda única.

Não conseguindo convencer uns e outros, António Costa é um dos grandes derrotados destas eleições. Lúcido e experiente, Costa sabe que uma parte do partido não lhe perdoa, até pelo modo como sacudiu António José Seguro do poder. Claro que Seguro venceu eleições durante a pior conjuntura económica e social da Coligação e Costa é derrotado no melhor momento dos últimos quatro anos. Mas era de prever que se conseguisse concluir a legislatura, a Coligação estaria , em 2015, em melhores condições para disputar a vitória nas legislativas do que nas autárquicas ou nas europeias.

Agora, derrotado pela Coligação e com um grupo parlamentar inferior ao do PSD, o PS não poderia aspirar a chefiar uma espécie de governo de protesto, com os restantes condóminos da oposição. De resto, tal posição resultou claramente das afirmações do secretário-geral do PS, durante a noite eleitoral. Politicamente enfraquecido, Costa não pode ser primeiro-ministro. Tentará, no limite, continuar a liderar o PS.

Bloco. No campeonato à esquerda do PS, o Bloco é o grande vencedor. Catarina Martins, num registo tranquilo e sedutor, rompendo suavemente com o jeito truculento e ansioso de Francisco Louçã, consegue um resultado que até lhe poderia valer o passaporte para um governo com o PS, caso os socialistas tivessem alcançado outro resultado eleitoral. Mas importa contextualizar: sendo domesticamente interessante, a votação do Bloco está a milhas distância dos resultados dos seus homólogos europeus: Syriza na Grécia ou Podemos, em Espanha. É, por isso, um sucesso relativo,

CDU. A par do PS, a CDU é outra das grandes derrotadas das eleições legislativas. Se os socialistas foram vencidos pela Coligação, os comunistas viram-se batidos pelo Bloco. Bem pode Jerónimo de Sousa esconder a cabeça como a avestruz, num discurso de ficção política que só conhece vitórias. Está à vista o que aconteceu: a CDU não teve arte nem fôlego para capitalizar o descontentamento. No essencial, aguentou; o que é pouco, para quem, durante quatro anos, tanto atacou.

PAF. Passos Coelho e Paulo Portas viram premiada a estratégia da Coligação. Não obtiveram maioria absoluta, mas ganharam inequivocamente o direito de formar governo. Uma parte da população terá percebido que as medidas duras, ou mesmo drásticas, começaram a produzir resultados. Em 2011, Portugal vivia a um passo do abismo; em 2015, vive à beira da recuperação. Ao fim de quatro anos tão difíceis, a Coligação PSD/CDS obtém um resultado notável. Mas governar com maioria relativa impõe alterações e uma dinâmica diferente.

Presidente actual. Não vale a pena montar demasiados cenários. Apesar de não haver maioria absoluta, a Coligação ganha com clareza e o grupo parlamentar do PSD será superior ao do PS. Passos Coelho, depois de o Presidente ouvir os partidos, há-de ser convidado a formar Governo, à luz do melhor entendimento constitucional. Aliás, Passos e Costa já tranquilizaram o Presidente, nas suas declarações pós-eleitorias. O líder do PS fez saber que não reconhece substância política na soma dos votos do PS com os da restante oposição; e até enunciou (começando a corrigir alguns tiros no pé, com os quais se feriu na campanha) quatro pontos para viabilizar um governo da Coligação. E pouco depois, o primeiro-ministro anunciava que tenciona contactar o PS para dialogar sobre as grandes reformas da legislatura.

Cavaco Silva tem, por isso, a tarefa facilitada. Acabará por deixar a Presidência com uma solução de governo, para o país.

Com eleições presidenciais em Janeiro de 2016, as maiores enxaquecas políticas caberão certamente ao próximo inquilino de Belém, que terá um papel chave no funcionamento equilibrado do sistema político, durante os próximos anos.

Novo Presidente. A eleição do próximo Presidente da República transformou-se no combate decisivo para António Costa. Um novo insucesso tornará inevitável a demissão do actual secretário-geral do partido socialista que nesse caso dificilmente tentará a sua reeleição. Se perder legislativas e presidenciais, Costa terá falhado os dois grandes objectivos da sua ascensão à chefia do PS.

Apertado entre as candidaturas de Sampaio da Nóvoa e Maria de Belém, Costa não dispõe de muito oxigénio para respirar. E as coisas poderiam agravar-se, caso o Bloco, por exemplo, decidisse avançar com uma candidatura própria a Belém (Francisco Louçã ou alguém com perfil semelhante) que enfraquecesse o potencial eleitoral dos candidatos da órbita do PS.

Mas se o PS procura a cumplicidade política do próximo Presidente, cuja eleição pode estabilizar a situação interna dos socialistas, a Coligação não estará menos interessada na disputa presidencial. Sem maiorias absolutas, o papel do novo Presidente da República será crucial. É de esperar que antes de clarificado o processo de formação do Governo, Rui Rio e Marcelo Rebelo de Sousa não se pronunciem claramente sobre as suas eventuais candidaturas.

De resto, a composição do próximo Governo até pode ajudar a clarificar a eleição presidencial. Sabendo-se que a ausência de maioria absoluta obriga simultaneamente uma dinâmica reformista forte (lembram-se do governo minoritário de Cavaco em 1985?), mas também a um diálogo exigente com o PS, a composição do Governo deverá evidenciar estas duas componentes. O perfil de Rui Rio encaixa que nem uma luva nestas duas preocupações: reformismo e diálogo com António Costa, com quem mantém uma conhecida relação de confiança. Se Rio viesse a ocupar um lugar de destaque no Governo, estariam abertas as portas a um apoio claro de Passos e da Coligação a uma candidatura presidencial de Marcelo, até agora, pelo que se sabe, o candidato melhor colocado para suceder a Cavaco Silva.