Maior transparência nos processos para não traumatizar vítimas de abusos, pede Comissão Pontifícia
29-10-2024 - 16:02
 • Aura Miguel

Comissão apoia uma série de possibilidades para se avançar com tribunais regionais, experiência que já se verifica em alguns países. "As pessoas ficam à espera durante anos. E quando há justiça atrasada, há justiça negada”, lamenta o cardeal Sean O’Malley.

A lentidão dos processos relacionados com abusos sexuais na Igreja Católica preocupa a Comissão Pontifícia para a Tutela de Menores.

“Estamos muito preocupados e penso que, na própria Cúria e em muitas das conferências episcopais, também se procuram melhores procedimentos”, declarou o cardeal Sean O’Malley, presidente da comissão, a propósito do relatório anual publicado esta terça-feira.

O cardeal Sean O’Malley afirmou, em conferência de imprensa, no Vaticano, que a comissão apoiou uma série de possibilidades para se avançar com tribunais regionais, experiência que já se verifica em alguns países.

“Acho que poderia ser um bom projeto-piloto e penso que é esse o caminho a seguir, porque o número de casos que o Dicastério para a Doutrina da Fé está a tratar é muito grande e parte do problema é que, muitas vezes, os casos são julgados primeiro nos tribunais civis, que já são lentos, e só depois chegam aos tribunais eclesiásticos. As pessoas ficam à espera durante anos. E quando há justiça atrasada, há justiça negada”, lamentou.

“É um primeiro passo que me dá esperança”

Neste mesmo encontro com os jornalistas, Juan Carlos Cruz, vítima de abusos e membro desta Comissão Pontifícia para a Tutela de Menores agradeceu ao Papa Francisco “por acreditar nos sobreviventes, por cuidar dos sobreviventes, por ser sincero e ter, verdadeiramente, investido nestes sobreviventes, conhecidos e desconhecidos e também àqueles que tragicamente cometeram suicídio ou deixaram este mundo sem qualquer esperança”.

Como membro desta comissão, Juan Carlos Cruz manifestou uma enorme esperança neste relatório anual. “Pôr isto de pé não foi fácil, mas foi feito com enorme convicção. Este é um primeiro passo importante e dá-me esperança. Estamos a usar palavras que não usávamos antes: verdade, justiça, reparação e a garantia de que não se repita. São palavras pesadas, que antes eram tabu em muitos lugares. Mas agora posso ver que há um caminho a seguir para tantos que choram há anos e para tantos que talvez não tenham tido a coragem de contar as suas histórias”, afirmou.

A propósito da necessidade de maior transparência, Juan Carlos Cruz alertou que “não fornecer informações aos sobreviventes é mais um trauma para muitos sobreviventes que não têm ideia onde está o seu caso de abuso, para que buraco negro é que foi parar e onde podem encontrar informações”.

Uma maior transparência sobre os abusos é importante, “não apenas porque se quer saber, mas porque isso volta a traumatizar as pessoas por terem de contar sua história 100 milhões de vezes e sentirem que não leva a lado nenhum”, disse Juan Cruz.