“Brexit será mais longo e complexo do que se espera"
18-12-2016 - 16:47
 • José Bastos

“Solução ‘a la Dinamarca' é provável”, diz Álvaro Almeida. ”Pode haver retrocesso”, admite Aguiar-Conraria. “Wait and see”, sentencia Silva Peneda.

O Conselho Europeu desta semana terminou com um jantar dedicado ao Brexit descrito como “informal” para explicar a ausência do 28.º membro, o Reino Unido. Na agenda a intenção de “garantir que os 27 estão prontos para as negociações com o governo de Londres”. O Conselho recordou que a negociação da saída do Reino Unido da União Europeia será feita num quadro de união – em nome dos 27 – e repetiu que os limites do acordo não podem ser ultrapassados pelo desrespeito das quatro liberdades.

Num momento chave para o futuro da Europa continuam os líderes incapazes de tomar decisões? Porque não há ainda um mínimo denominador comum para negociar a saída do Reino Unido? “Não diria que os líderes europeus são incapazes de decidir”, sustenta José Silva Peneda, no Conversas Cruzadas desta semana.

“No caso do Brexit não há nada para decidir, porque a União Europeia, os 27 estados membros decidiram só começar a negociar quando receberem a comunicação formal da intenção do Reino Unido. Ora, formalmente, ainda não foi comunicado”, nota o antigo eurodeputado e actual consultor de Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia.

“E temos sérios problemas no Reino Unido porque há quem discuta quem deve fazer a requisição formal. O Supremo decidiu que o Parlamento britânico é quem deve votar o início do processo de saída do Reino Unido da União Europeia e com um argumento de peso. O Supremo Tribunal argumenta que se foi o Parlamento a votar a adesão, deve agora votar a saída.”

“Aqui há problemas, porque o governo não aceita esta decisão e vai recorrer. Se a votação tiver lugar no Parlamento, o líder trabalhista Jeremy Corbyn diz que vota contra. Ora, o Partido Trabalhista vale 36% dos votos em Westminster. Portanto, ainda não está dado o primeiro passo e antevejo que vai ser um processo longo e complicado”, afirma Silva Peneda.

Silva Peneda: “Brexit pode ser oportunidade da Europa se reorganizar”

“Os estados membros já disseram claramente que as quatro liberdades fundamentais estão unidas e são adoptadas em conjunto. Ou seja, a circulação de pessoas, mercadorias, serviços e capitais constituem um só bloco. Sabemos que o Reino Unido quer sol na eira e chuva no nabal. Pretende liberdade de circulação para o que lhe interessa - mercadorias, serviços e capitais - e não para as pessoas. A proposta é impensável”, admite o antigo ministro.

“É muito difícil a União Europeia aceitar. O Reino Unido sempre teve acesso aos ‘opt outs’ e agora quer os ‘opt ins’. Há o risco deste processo se transformar num labirinto jurídico e ser dominado pelas emoções. Aí, os 27 têm de estar unidos no essencial. Mas atenção: é um processo que pode trazer oportunidades para a própria União Europeia e para a sua reorganização”, observa Silva Peneda.

“Desde logo, já há uma área onde se têm de produzir avanços com a saída do Reino Unido: a área da defesa. Com o Brexit a indústria da defesa será uma área que a União Europeia terá de levar mais a sério. Pode ser a abertura de uma janela. A Europa precisa muito de se reorganizar nos processos de decisão política e a saída do Reino Unido pode abrir essa oportunidade”, admite.

“Agora, acredito que vamos ter um processo muito mais longo do que se espera. Vai ser muito complicado. É óbvio que a diplomacia do Reino Unido vai tentar dividir os 27 para obter vantagens. Espero que a Alemanha não ceda a essa tentação. Será um teste para ver se a Alemanha lidera ou não a Europa, mas o processo não começa bem. No Reino Unido está a ser marcado por grande incerteza e confusão. Vamos ver o que o tempo nos reserva, mas do jantar desta semana do Conselho Europeia não se podia esperar grande coisa, daí que sai de mão vazia face ao Brexit”, admite José Silva Peneda.

Luís Aguiar-Conraria partilha do essencial da análise de Silva Peneda. “É inevitável um longo processo de indecisão. Há aqui dois lados negociais, o da União Europeia que não gosta de ver o Reino Unido abandonar. Pessoalmente é quase inimaginável a ideia de uma União Europeia sem Reino Unido. Depois, em simultâneo temos, no plano interno, uma decisão que foi votada em referendo, mas parece agora que ninguém defende a opção”, faz notar o economista.

“Os principais líderes na defesa do Brexit demitiram-se, agora quem está no poder são figuras que, inicialmente, nunca assumiram uma posição contra o Brexit, pelo contrário. David Cameron que era contra o Brexit demitiu-se. Donde, o cenário é complexo e temos agora um imbróglio jurídico”, diz Luís Aguiar-Conraria.

“Além das questões jurídicas já citadas, há outra discussão em curso sobre saber se antes de sair da União Europeia os eleitores deviam voltar a votar em referendo as exactas condições da saída. Porque o referendo inicial foi feito sem se saber quais eram as condições, contrapartidas e consequências”.

Luís Aguiar-Conraria: “Há uma hipótese de reversão do Brexit”

“É um aspecto interessante, porque uma vez entrado o pedido formal de saída o processo torna-se irreversível e, portanto, em teoria inviabiliza esse eventual referendo”, afirma o professor de economia da Universidade do Minho.

Haverá então a hipótese de retrocesso? “Acho que há uma hipótese de reversão do processo. À partida, numa democracia como a britânica os referendos são respeitados. É uma democracia muito antiga e respeita resultados, daí que a única forma de reverter a decisão seja através de um novo referendo”, diz Luís Aguiar-Conraria.

“Esse novo referendo não pode ser convocado na perspectiva idêntica ao que aconteceu na Dinamarca, ou com a Irlanda mais que uma vez, do tipo 'vamos fazer um segundo referendo para corrigir o resultado do primeiro'. Não pode ser nessa perspectiva. Agora se for na perspectiva de algo imposto pelo Supremo Tribunal decidindo que os cidadãos votaram sem conhecer as condições de saída e agora que as condições são conhecidas é que devem votar, aí, admito que haja uma mobilização de sentido diferente”, afirma Luís Aguiar-Conraria.

Silva Peneda adiciona mais um cenário ao debate. “Mas se o Parlamento não votar a saída? Numa democracia, o parlamento deve seguir a orientação do referendo, mas imagine-se que se a 36% dos deputados se juntam mais 14% ...”, propõe o ex- presidente do Conselho Económico e Social. “Se o recurso do governo da decisão do Supremo for indeferido e se o Tribunal determinar que é o Parlamento a votar o pedido de saída formal não sei qual será a decisão de Westminster e como vai votar”, admite Silva Peneda.

Já Álvaro Santos Almeida contrapõe: “No dia 7 de Dezembro, houve uma votação que não sendo formalmente de confirmação do Brexit era uma votação que, apesar de tudo, podia ter essa leitura - e foi assim interpretada - com uma maioria esmagadora a confirmar que se devia avançar com um processo de saída do Reino Unido da União Europeia”, diz o economista ex-quadro superior do FMI, em Washington.

“Não tenho dúvidas de que a votação de accionar o artigo 50 - o pedido de saída - passa no Parlamento britânico.” “Depois, há uma segunda questão que Luís Aguiar-Conraria referia, se se coloca num referendo, mas também se se coloca na votação do Parlamento que é: perante as condições concretas negociadas pelo governo se os deputados dão o seu acordo a essas condições. Aí já tenho mais dúvidas”, refere Álvaro Santos Almeida.

Silva Peneda insiste no seu ponto. “Mas imagine que a União Europeia não aceita as condições do Reino Unido? E, nesta altura, o Parlamento Europeu diz querer participar da decisão”, interpela o antigo eurodeputado.

Álvaro Santos Almeida: “Termos do divórcio são decisivos”

“Essa é a questão central”, diz Álvaro Santos Almeida. “É que perante a decisão concreta sobre os termos da separação haja uma grande discordância mesmo da parte dos que hoje defendem a saída. E é natural que assim seja”, admite o professor de economia da Universidade do Porto.

Já Silva Peneda não antecipa um quadro de facilidades para Londres. “Neste momento, não vejo que haja uma atmosfera no plano europeu - com a participação activa do Parlamento Europeu - e com a pasta da negociação já entregue ao comissário francês Michel Barnier, para condições mais suaves, para a existência de 'meiguices' para as condições de saída do Reino Unido. As posições vão ser duras. Com a actual composição do PE, o Reino Unido vai ter de acomodar condições nada fáceis. Eles não sabem no que se meteram”, diz o consultor do presidente da Comissão Europeia.

“O problema central de todo o processo tem a ver com detalhes”, diz, por seu turno, Álvaro Santos Almeida. “A maior parte das grandes ideias morre na forma como são definidas. Este será um desses casos”, antecipa o economista. “A definição dos detalhes é complicada. Theresa May tem um problema sério para gerir, porque claramente já conhecerá algumas condições”.

“A imprensa britânica escrevia que, no Conselho Europeu desta semana, Theresa May tinha feito uma pequena intervenção sobre o Brexit e uma das afirmações que teria feito é de que gostaria que a questão dos expatriados - quer britânicos a viver em países da União Europeia quer comunitários no Reino Unido - fosse um problema a ficar resolvido rapidamente”, prossegue Álvaro Santos Almeida.

“Theresa May sugeriu que a questão fosse solucionada no sentido destes expatriados manterem os seus direitos tal como hoje são reconhecidos. Numa questão concreta - mas fundamental por exemplo para os portugueses no Reino Unido - mas que mexe com a vida de milhares de pessoas a linha que a chefe do governo britânico está a sugerir é a de que se mantenha tudo inalterado. É a de que se mantenha o status-quo.

Brexit, “a la” Dinamarca?

“A manter esta opção o provável resultado final das negociações deverá - e é o único que me parece viável - ser "a la Dinamarca". Isto é: a Dinamarca rejeitou em referendo a entrada no euro, mas as políticas monetárias do governo dinamarquês replicam exactamente as do euro. Portanto, é como se a Dinamarca tenha aderido à moeda única”, diz o antigo quadro superior do FMI.

“Neste caso do Reino Unido a minha previsão - correndo o risco de fazer o que o meu capitão João Pinto aconselhava a não ser feito - é a de que o processo se vá arrastar durante muito tempo - é muito complicado como dizia Silva Peneda e bem - e, em segundo lugar, vai-se mexer o mínimo possível e vamos ter uma situação em que o Reino Unido estará formalmente fora da União Europeia, mas, na prática, no plano das consequências directas mantém-se dentro e um bom exemplo nesse sentido é o quadro das relações actuais da Noruega com a União Europeia”, nota Álvaro Santos Almeida.

Luís Aguiar-Conraria regressa ao factor Trump e à alínea militar. “Queria acrescentar um ponto: o Reino Unido obviamente tem a perder com a saída da União Europeia, mas a União Europeia também tem muito a perder com a saída do Reino Unido”, sustenta. “Há um aspecto fundamental e que tem sido poucas vezes abordado que é o facto de, neste momento, a situação ser militarmente muito instável no mundo inteiro. E num momento em que temos Donald Trump com o discurso que tem a respeito da NATO a ideia de uma União Europeia sem Reino Unido é quase como entregar a defesa europeia aos franceses."

“Foi o que defendi”, acrescente Silva Peneda. “Mas o Brexit pode reforçar a capacidade de defesa da Europa que até agora não era reforçada, porque o Reino Unido não deixava”, afirma o antigo ministro. “Ou não. Ou deixar a União Europeia militarmente exposta”, contrapõe Álvaro Santos Almeida.

E deve Portugal ter estratégia própria para o Brexit? Como facilitar a permanência de reformados britânicos? Vistos para estudantes? Benefícios fiscais? “Não pode, nem deve. Estratégia própria significa ter uma estratégia diferente dos parceiros europeus. Os 27 não estariam unidos”, defende Álvaro Santos Almeida.

Luís Aguiar-Conraria concorda: ”Gosto de lembrar que temos uma muita antiga aliança com os ingleses que já nos foram úteis muitas vezes - outras, nem tanto - e acho que devemos sempre privilegiar o RU nas nossas relações, mas o que Álvaro Santos Almeida diz é óbvio. Não temos uma política externa autónoma, mas, dentro da nossa margem de liberdade, devemos aproveitar o possível”, faz notar Aguiar-Conraria. “Wait and see”, conclui Silva Peneda.