Os empresários seriam bons políticos?
17-03-2018 - 09:18
 • Francisco Sarsifield Cabral

Numerosos gestores e empresários julgam que governar um país é mais fácil do que dirigir uma empresa. Enganam-se.

Podem os gestores empresariais ser bons políticos? Podem, claro, mas é raro. O problema é que não faltam gestores e empresários que não só consideram que governar um país não é diferente de gerir uma empresa, como se convencem de que eles próprios dariam excelentes governantes. Trump é o primeiro homem de negócios que, sem qualquer experiência política anterior, chega à Casa Branca. E, como é público e notório, Trump está firmemente convicto de que a sua habilidade negocial, que o enriqueceu, significa que ele é um muito bom presidente da República dos EUA.

Antes de chegar à Casa Branca, Trump era um empresário que, tendo herdado muito dinheiro do pai, se envolveu em negócios, sobretudo imobiliários e em casinos. Faliu seis vezes, incluindo em negócios de casinos. Mas acumulou uma apreciável riqueza – é um milionário americano de média dimensão. Trump chefiava uma empresa familiar, de dimensão relativamente pequena. Nem sequer tinha que se ralar com exigências dos acionistas – o capital do seu grupo empresarial era e é detido pela família. Aliás, não são poucos os reais e/ou potenciais conflitos de interesse entre os negócios de Trump, agora, com ele presidente e a filha e o genro funcionários da Casa Branca. Kushner, o genro, interessa-se antes de mais pelos seus negócios, de tipo e escala semelhante aos do sogro.

Na passada terça-feira Trump despediu Rex Tillerson, o seu secretário de Estado (equivalente a ministro dos Negócios Estrangeiros), sem sequer falar com ele, o que não é bonito. Antes, Tillerson era CEO (o executivo de topo) da Exxon-Mobil, uma gigantesca multinacional petrolífera. Publicamente, Trump disse que o espírito e o pensamento de Tillerson eram diferentes dos seus: falhou a “química” entre os dois. O facto é que Trump aceitou encontrar-se com o líder da Coreia do Norte sem, primeiro, ouvir a opinião de Tillerson ou de qualquer outro colaborador. Ele é um intuitivo, que julga saber tudo.

Rex Tillerson e Kushner

Mas não era Rex Tillerson um homem de negócios, como Trump? Era, mas de natureza muito diferente do perfil do presidente. Tillerson geria uma multinacional instalada em quase todo o mundo. A sua mentalidade é a de um globalista, que conversava com os chefes de Estado e de governo de inúmeros países, a começar pela Rússia de Putin. Mas nem por isso Tillerson foi um competente secretário de Estado.

É verdade que em relação ao acordo nuclear com o Irão e ao Acordo de Paris sobre alterações climáticas Tillerson tinha posições menos insensatas do que as de Trump. Mas não se opôs a uma quebra significativa do orçamento do seu ministério, o Departamento de Estado, gerando o desânimo geral entre os diplomatas americanos. E neste momento não há um embaixador americano em Seul e vai reformar-se o diplomata que melhor conhece a Coreia do Norte. A dois meses do previsto encontro de Trump com Kim Jong Un, é uma situação estranha esta falta de gente qualificada, que possa ajudar o presidente dos EUA a não ser “embarrilado” pelo líder norte-coreano.

O caso de Kushner, genro de Trump e assessor na Casa Branca, também evidencia que um bom negociante não dá geralmente um bom político. Inicialmente, Kushner iria resolver o conflito entre Israel e os palestinianos. Mas não consta que ele tenha influenciado a decisão de Trump de transferir a embaixada americana de Telavive para Jerusalém – medida que acentuou o apoio de Trump a Netanyahu, deixando por isso os EUA de ser um mediador credível naquele conflito. Igualmente se desconhece qualquer iniciativa de Kushner em matéria de política externa. O que lhe interessa, afinal, são os negócios e, provavelmente, a vantagem que ele retira da sua posição familiar e oficial na Casa Branca nesses negócios.

A falácia do homem de negócios

Simon Kuper, comentador do “Financial Times”, escreveu recentemente um curioso artigo onde defende que “o homem de negócios imagina-se um generalista; a verdade é que ele é um especialista (…) ele conhece o mercado imobiliário de Nova York, mas não o Iraque”. E adianta que um rico homem de negócios julga que pode ser melhor do que um político a governar um país – é o que S. Kuper chama a “falácia do homem de negócios”. Uma falácia na qual Trump e Kushner caem.

É muito mais simples dirigir uma empresa do que governar um país. “Sobretudo nos EUA, a empresa tem uma finalidade: gerar lucros, em geral num único sector”, escreve Kuper. Então tratando-se de uma empresa familiar, o chefe decide e pronto. Pelo contrário, nos países existem múltiplos contrapesos à governação (“checks and balances”) e inúmeros interesses em parte contraditórios.

A complexidade da política é muito diferente da ideia, típica do mundo dos negócios, de que a vida é uma corrida para ganhar dinheiro, logo os gestores e empresários (os “vencedores”) possuem uma superior sabedoria. Um antigo colaborador de Kushner recordou o desprezo deste pelos jornalistas: “se ganham 30 ou 40 mil dólares por ano, devem ser uns falhados totais”.

E sugere S. Kuper os homens de negócios geralmente desdenham os políticos, a quem encaram como fornecedores de serviços de pouca importância e que geralmente vêm solicitar apoios financeiros. Este comentador prevê que Trump e sobretudo Kushner não estarão muito tempo no poder. Os próximos gestores-salvadores, diz ele, estão agora em Sillicon Valley.