Como ficaria o Parlamento nacional se, nestas eleições legislativas, já se tivesse implementado o círculo de compensação? Os Açores já o fazem desde 2008, embora o modelo não seja replicado na Assembleia da República.
Se a proposta da Iniciativa Liberal, que foi o projeto de lei mais recente e aquele que, até então, teve mais votos a favor, se concretizasse, o Parlamento seria mais equilibrado em termos de representação dos partidos, com a direita a ter a maioria dos lugares.
Feitas as contas, com um círculo de compensação nacional de 40 deputados, os três partidos com mais votos e, portanto, com mais assentos parlamentares, teriam menor representação na Assembleia.
Em vez de eleger 80 deputados, a Aliança Democrática conquistaria 70 assentos. O Partido Socialista elegeria os mesmos 70, em vez dos 77 que conquistou nas eleições. Já o Chega ficaria pelos 44, menos seis dos que elegeu nestas legislativas – já tendo em conta os deputados eleitos pelos círculos eleitorais do estrangeiro.
A AD elegeria 69 deputados pelos círculos nacionais e internacionais, em comparação com os 63 do PS. Mas, no círculo nacional de compensação, acabaria por arrecadar apenas um, enquanto os socialistas ainda conseguiriam eleger sete. Daí resultaria o empate.
Os partidos pequenos, por outro lado, cresciam. O maior crescimento seria do PAN, que quadruplicaria a sua representação. Com o círculo nacional de compensação, Inês Sousa Real não seria a única representante do partido na Assembleia da República, podendo fazer-se acompanhar de três outros deputados.
Outra grande surpresa era o ADN que, não conseguindo eleger nenhum deputado nas legislativas, teria direito a eleger quatro mandatos, igualando o PAN.
O Bloco de Esquerda, a CDU, e o Livre dobravam o número de lugares e a Iniciativa liberal crescia quatro assentos.
Apesar de o crescimento ser maior nos partidos pequenos, seria o PS o partido que mais votos conseguiria no círculo de compensação. Os socialistas conseguiriam eleger sete mandatos, seguidos do BE e da CDU, ambos com seis. Depois, o Livre e a IL, elegeriam cinco deputados.
O aumento da pluralidade no Parlamento e a redução do número de votos desperdiçados têm alimentado a discussão sobre a revisão da lei eleitoral e da criação de um círculo nacional de compensação na Assembleia da República. Aliás, quase todos os partidos já levaram a medida a votos no Parlamento, argumentaram a favor dela na discussão da revisão constitucional ou incluíram o círculo de compensação no programa eleitoral.
O que é um círculo eleitoral de compensação?
Começando pelo princípio: se um círculo eleitoral elege deputados de acordo com os votos de eleitores de um dado território, um círculo de compensação vai eleger deputados pelos votos desse e doutros territórios, mas que, dado o limite de mandatos por círculo eleitoral, não foram suficientes para eleger.
Ou seja, os votos do círculo de compensação, compensam, a bem dizer, os mandatos elegidos nos círculos nacionais ou regionais com mandatos que receberam menos votos e que, de outra maneira, ficariam de fora em qualquer círculo eleitoral.
Graças ao círculo de compensação, nas eleições dos Açores de fevereiro deste ano, por exemplo, o BE, a IL e o PAN conseguiram eleger deputados para a Assembleia Regional. Os nove círculos das ilhas apenas contribuíram para a eleição de deputados da AD, do PS e do Chega.
A proposta da Iniciativa Liberal é a mais recente e foi, até então, a que recebeu menos votos contra. Em dezembro passado, o diploma foi chumbado com os votos contra do PS, PSD e PCP e votos favoráveis de Chega, IL, BE, PAN e Livre. Esta proposta usa um círculo de compensação com 40 deputados, ainda que mencione que um círculo de 20 ou 30 deputados também se aplicaria ao Parlamento português. Um círculo de compensação de 40 deputados igualaria, em dimensão, o círculo eleitoral de Lisboa.
Nas três configurações, o projeto não aumenta o total de deputados da Assembleia da República, que se fixou em 230 em 1991, ao contrário do que outros partidos têm vindo a propor.
Nos Açores, o círculo de compensação exige 5 dos 57 deputados da Assembleia. No Parlamento nacional, seria um círculo de compensação de 20 deputados o que mais se aproximaria deste rácio de cerca de 8,7%. Já um círculo de compensação composto por 40 deputados representaria cerca de 17,9% dos assentos da Assembleia.
Na proposta do partido, lê-se que “é acima dos 30 deputados que se assegura o máximo de proporcionalidade no sistema eleitoral” e que a solução dos 40 deputados é “duradoura e adaptável às evoluções que tanto o sistema político português como a configuração demográfica do país poderão sofrer no futuro”.
Quem quer um círculo de compensação? Quase todos os partidos
A discussão sobre o círculo de compensação tem sido proposta, discutida e votada na Assembleia da República à boleia de vários partidos.
De facto, na reunião da comissão eventual de revisão constitucional, que aconteceu em maio do ano passado, todos os partidos com exceção do PS queriam propor alterações ao artigo da Constituição que define os círculos eleitorais. O que queriam os seis partidos era garantir a proporcionalidade do sistema eleitoral e evitar o desperdício de votos. Nesta reunião, o Partido Socialista rejeitou todas as sugestões.
Mas a discussão sobre os círculos eleitorais já tinha chegado à Assembleia da República. Em 2023, os três partidos que apresentaram projetos de lei que incluíam a criação de um círculo nacional de compensação foram o Livre, o PAN e a Iniciativa Liberal.
A proposta que o Livre levou à Assembleia no início de março de 2023 sugere a revisão das leis eleitorais. Além da criação do círculo de compensação, este projeto inclui aumentar o “leque de inelegibilidades para a Assembleia da República”, o prolongamento da campanha eleitoral, entre outras questões.
Votaram a favor o próprio Livre, o PAN e o Chega. A Iniciativa Liberal absteve-se e os restantes partidos votaram contra.
O PAN apresentou uma proposta semelhante também no início de março. Como o do Livre, o projeto de lei pretendia a alteração da lei eleitoral, com a redução para 10 do número de círculos eleitorais, e a criação, não só de um círculo eleitoral de emigração, como de um círculo nacional de compensação. O PAN e o Livre votaram a favor, os outros, contra, abstendo-se a Iniciativa Liberal.
Depois de se abster das votações dos projetos de lei dos pares – e mais de meio ano depois da reunião de revisão constitucional em que o PS rejeitou as propostas dos partidos para alterar o artigo dos círculos eleitorais —, a IL apresentou um novo projeto de lei, a meio de dezembro. Ao contrário dos outros dois, fala apenas da criação de um círculo nacional de compensação para as eleições legislativas e foi, dos três, o que obteve mais votos a favor no parlamento.
O projeto de lei foi rejeitado sem abstenções, com votos contra do PS, do PCP e do PSD. A principal crítica à proposta foi o “timing” da sua apresentação, a cerca de três meses das legislativas de 2024.
Depois do voto contra do PS, o deputado Pedro Delgado Alves disse na Assembleia que "nada move substantivamente" o seu partido contra a proposta da IL e que há "pertinência nas questões colocadas".
Tanto o PS como o PSD mostraram, depois do chumbo da medida, preocupação com os círculos eleitorais do interior que, de acordo com ambos os partidos, sairiam prejudicados em representação com um círculo de compensação de 40 deputados.
Ainda que tenha votado contra todas as propostas de criação de um círculo nacional de compensação, o PSD já tinha apresentado uma proposta semelhante, em 2021. Na altura, o partido então liderado por Rui Rio propunha não só a existência de um círculo extra, como a redução do número de deputados para 215.
Segundo a proposta dos sociais-democratas, o país seria dividido em 30 círculos eleitorais em território nacional, a Europa elegeria três deputados e cada distrito não poderia eleger mais de nove nem menos de três mandatos.
Apesar de não ter chegado a apresentar um projeto de lei, o Chega inclui o círculo de compensação no programa eleitoral e introduziu-o na reunião de revisão constitucional em maio do ano passado. A par com o PSD, também defendeu reduzir o número de deputados no Parlamento.