PSD. Coligações pós-eleitorais com o Chega “não deverão ser excluídas à partida”
23-08-2021 - 07:20
 • Eunice Lourenço

Presidente dos autarcas do PSD, Hélder Silva, diz que nas autarquias contam mais as pessoas do que os partidos. Em entrevista à Renascença, critica o Governo pelo processo de descentralização e diz que é preciso importar mão-de-obra de fora da Europa para executar o PRR.

Presidente da Câmara de Mafra desde 2013, Hélder Silva chegou à liderança dos Autarcas Sociais-Democratas (ASD) em 2019, sucedendo a Álvaro Amaro. Assume que não teve intervenção em todos os níveis das escolhas autárquicas para as eleições de 26 de setembro e coloca em Rui Rio a responsabilidade dessas escolhas irem ou não ao encontro das expectativas dos eleitores.

Em entrevista à Renascença, Hélder Silva acusa a administração central de não ter verdadeira vontade de descentralizar competências e queixa-se que os autarcas foram maltratados durante a pandemia. Olha com ceticismo para o Programa de Recuperação e Resiliência (PRR) e defende alterações na divisão de fundos europeus dentro da Área Metropolitana de Lisboa.

O que é que distingue um autarca do PSD?

Prende-se com as políticas que são praticadas, essencialmente políticas centradas nas pessoas e nas famílias. O autarca do PSD é, por norma, um autarca de proximidade que nivela por cima, um autarca em permanente inovação, que considera importante a iniciativa privada, um autarca que não vive da subsiodependência e de achar que o Estado é que é o grande pai e o salvador de todas as situações; é um autarca que valoriza os empreendedores, particularmente aqueles que criam emprego e que geram valor.

Os autarcas do PSD em geral são autarcas lutadores por causas em que acreditam. O primado da pessoa humana está no centro das nossas atenções e das políticas públicas que levamos a cabo.

A descentralização de competências é um tema recorrente e que volta a estar presente nestas eleições autárquicas. O que é que tem corrido bem?

Descentralização de competências é um tema que os autarcas em geral vêm reivindicando há muitos anos, porque têm conseguido demonstrar que a rentabilidade pela proximidade e a capacidade de execução das autarquias é muito superior àquilo que o Estado central tem feito.

No Governo anterior, do PSD, foi avançada uma proposta de descentralização que depois não foi seguida, infelizmente, pelo Governo socialista. O que tem corrido bem é pouca coisa. O que tem corrido mal é, infelizmente, a maior parte porque estamos a falar de 20 áreas de competências, desde praias, turismo, justiça, vias de comunicação, educação, habitação, cultura, proteção civil, áreas sociais… Dessas 20, houve municípios que não aceitaram praticamente nenhumas, como é o caso de Mafra. Aceitámos duas competências até agora: uma que já tínhamos, que era o atendimento aos cidadãos; outra que era o património imobiliário e estamos agora a começar com a questão das praias.

Porquê é que só aceitaram essas áreas e não aceitaram mais?

Porque, pela análise custo-benefício que fizemos, não havia e não há uma motivação e uma garantia de que possamos vir a fazer mais e melhor com o mesmo ou menos dinheiro. O Governo foi, de alguma forma, ambicioso em termos do número de competências, mas depois foi escasso na execução que podem ter.

O enredo administrativo que qualquer autarquia tem de passar… Dou como exemplo mais que caricato o exemplo da saúde, mas também as questões das vias de comunicação e das áreas portuárias. Ando há meses a tentar reunir-me com os membros da tutela e vê-se claramente que não há vontade das estruturas intermédias da administração central de fazer qualquer tipo de delegação de competências.



Depois, existem outras competências que já estavam nos municípios como a questão das estruturas de atendimento ao cidadão e a proteção civil em que nós autarcas já temos muito trabalho feito.

Na área da descentralização, a montanha pariu realmente um rato. Mesmo os autarcas do PSD que aceitaram tudo viram-se para mim e dizem "oh Hélder, de facto isto não funciona” – ou seja, a delegação de competências não funciona.

Outro exemplo do que não funciona é a transferência de património imobiliário público sem utilização. A ideia é muito boa, mas o Estado não consegue ter maleabilidade e facilidade burocrática para transferir.

A questão da educação em geral está a correr bem, ainda que seja uma matéria difícil, mas na educação já existiam experiências várias, entre as quais a de Mafra e Amadora, e aquilo que agora é feito é muito fruto da experiência que tinha sido adquirida anteriormente com governos PS e PSD.

O primeiro-ministro já disse que os autarcas que forem eleitos em setembro vão mais competências do que alguma vez tiveram. Vai ser mesmo assim?

O primeiro-ministro diz que vamos ter competências, eu diria que vamos ter mais competências no papel. Os autarcas são essencialmente fazedores e não nos é suficiente mais competências de papel. Os socialistas, por dever, disseram que aceitavam todas as competências. Certo é que, tal como os restantes autarcas, têm tido as mesmas dificuldades, mas por uma questão de solidariedade política não têm vindo a público manifestar as dificuldades.

O que é que nos interessa mais competências no papel, sem dinheiro? Muitas das infraestruturas que nos são transferidas, por exemplo na educação e na saúde, vêm completamente degradas e não vem nenhum pacote financeiro que resolva a situação.

Depois, também há as competenciazinhas, as competências menores. Quando nos dão só para gerir, por exemplo na área da saúde, os assistentes operacionais os seguranças que estão à porta, o pagar a água e a luz, o pagar às senhoras da limpeza... todos têm uma relevância enorme no funcionamento de um centro de saúde, mas nós autarcas queríamos mesmo mais: queremos ter um papel ativo na colocação dos médicos de família, na organização da saúde no nosso território. Isto é verdade também para a educação: queríamos ter um papel mais ativo na colocação dos professores, na especificidade das matérias que são lecionadas em determinados territórios em função do que são os fatores de empregabilidade desse território.

Também dou o exemplo da área da cultura, em que passamos só pelo rodapé, não chegamos aos museus e palácios nacionais. Aquilo que dão aos autarcas são os museus de segunda e de terceira linha.

No seu caso, tem um território com um palácio nacional…

É verdade, tenho o Palácio Nacional de Mafra onde não tenho a ambição de ser o gestor único daquele bem, porque ele tem de facto nível nacional e internacional, mas tinha como nível de ambição fazer parte de uma comissão de gestão, de um conselho de administração onde a Câmara pudesse ser um dos vários intervenientes. Havia seguramente vantagem para todos.

O que é preciso então para a descentralização funcionar? Mais flexibilidade da administração pública, mais dinheiro, mais responsabilização dos autarcas?

São precisas as três coisas. Sem flexibilidade da administração central, sem acreditar que os autarcas são políticos de segunda. Nós não queremos mais dinheiro, não queremos é menos do que aquele que a administração central hoje utiliza e investe para fazermos mais. É o conjunto de vontade governamental, com um pacote financeiro que tem de ter os mínimos. Se nos derem isso fazemos mais e melhor.

O Programa de Recuperação e Resiliência poderá ajudar nesse processo?

O PRR é único, localizado no tempo e que tem por objetivo dinamizar a economia pós-pandemia. Aquilo que temos visto é que o Governo tenta utilizar o PRR para tudo e mais um par de botas e isso não vai correr bem. Começa a criar-se expectativa nos autarcas de que vai resolver muitas situações que estão há décadas por resolver e o dinheiro do PRR é um dinheiro finito, por um lado, e bem limitado no tempo.

Estou muto cético relativamente à capacidade que o país vai ter de executar o PRR. Primeiro, vão ser muitos organismos, quer da administração central quer da administração local, a quererem a mesma coisa. O que me preocupa mesmo é a incapacidade que vai existir por parte das empresas, principalmente da construção civil e obras públicas de colocarem no terreno em tão curto prazo obras grandes de muito valor e onde a mão de obra já hoje escasseia, mesmo sem PRR.

Como é que se resolve essa escassez de mão-de-obra?

Penso que só com recurso a importação de mão-de-obra. Não me pergunte de onde virá, terá de ser iniciativa das empresas. Hoje, em PRR, assiste-se a um aumento de 20, 30 e 40% de aumento de custos de construção e a boa parte dos concursos públicos a ficarem desertos porque a base de lançamento é abaixo das expetativas das empresas. Penso que não será um problema só português, vai colocar-se ao nível da europa e a importação de mão-de-obra fora da Europa vai ter de ser uma realidade.

Até que ponto a pandemia ‘puxou’ pelos autarcas?

A pandemia foi um desafio para todos, mas em particular para os autarcas. Não só os autarcas de Câmara Municipal, mas particularmente também os autarcas de freguesia. Os autarcas foram os primeiros a entregar máscaras, a cuidar da higiene publica, a fazer desinfeções, a montar para a saúde as infraestruturas de atendimento aos doentes Covid, depois, nos centros de vacinação.

Os autarcas não deixaram cair a suas IPSS e isso foi importantíssimo, porque as IPSS, particularmente as de resposta à terceira idade, foram fundamentais na resposta à pandemia. Os autarcas não deixaram cair os seus bombeiros, porque foram fazendo transferências e dando apoios, não deixaram cair as suas associações porque muitas delas fecharam por impossibilidade, mas tiveram e continuaram a ter gastos mensais com água, com luz, com outros custos que já tinham assumido.

A resposta não teria sido nunca a que foi se os autarcas não se tivessem envolvido desta forma. E deixo também uma palavra de lamento: os autarcas fizeram o que deviam, é certo, mas muitas vezes foram maltratados durante a pandemia. Lembro os casos sobre a divulgação de resultados dos números de casos positivos; foi-nos montada uma perseguição inicial fruto de algumas pressões e muitos de nós foram cerceados dos dados que diariamente eram emanados pela DGS. Sendo agentes da Proteção Civil, os autarcas nunca deveriam ter sido tão maltratados como foram.

A pandemia marcou diferenças entre municípios ricos e pobres ou entre câmaras do PSD e do PS?

Na raiz da resposta está essencialmente a visão política que o autarca do PSD tem relativamente aos seus munícipes e aos seus fregueses. Mais do que a questão financeira, o que é determinante é a atitude perante o problema.

O autarca do PSD considera que, existindo um problema na comunidade, ele deve ser encarado e resolvido e resolvido pelo autarca. Depois, se é um problema do Governo, da autarquia local, mais tarde se verá. Ao contrário, outros autarcas compartimentam muito bem a questão das competências e das responsabilidades. Isso é notório particularmente nos autarcas comunistas.

Todos nós redefinimos prioridades; a defesa civil dos nossos munícipes passou a estar à frente de qualquer obra pública, muitos de nós prescindimos de executar obras públicas em detrimento do investimento que tivemos de fazer em máscaras, em equipamentos vários de apoio às várias entidades. Nós não ficamos à espera que o Estado central assuma as suas responsabilidades. Isto é que fez a diferença.


Mafra é um dos concelhos que aumentou de população nos últimos anos. Como é que explica esse aumento?

Mafra tem vindo a aumentar a sua população entre censos sempre acima dos 10% de aumento. Desta vez, tivemos 12,8 e, de facto, este crescimento assenta num forte investimento municipal na qualidade de vida das famílias. As famílias que nos procuram são sobretudo famílias jovens, em que pelo menos um dos membros do casal é licenciado; famílias que trabalham na Área Metropolitana de Lisboa e que têm ou pensam ter filhos. Por isso, a qualidade do parque escolar, quer público, quer privado – qualquer família que tem rede pública ou privada tem os mesmos serviços – e a acessibilidade são fundamentais, assim como os espaços verdes e de desporto.

As políticas de apoio à família, com construção de creches, de jardins de infância, de atividades extracurriculares têm também contribuído para atrair novas famílias.

E também a questão da segurança que é sobretudo valorizada por estrangeiros.

Essas são as mesmas estratégias que devem ser seguidas pelos municípios do interior?

A atitude autárquica é fundamental. Não vou ao ponto do apoio à natalidade, mas compreendo que alguns colegas meus do interior tenham seguido essa via, que não tem dado resultado como sabemos. A desertificação do interior continua. Penso que a questão do apoio à família no seu todo, do apoio à criação e fixação de novos empregos serão caminhos que devem ser trilhados pelos autarcas e pelo governo para que haja fixação no interior.

Que expectativas tem para estas eleições autárquicas?

Nós, autarcas, somos sempre positivos quanto à expectativa do dia 26 de setembro. Espero que as escolhas que foram feitas pela liderança do PSD seja as melhores escolhas. Neste momento, temos cerca de 12 mil autarcas.

O líder do partido já disse que gostaria de aumentar o número de autarcas, independentemente do nível da autarquia. Claro que as câmaras municipais são a motivação maior e mais visível, mas as restantes são também importantes. As juntas de freguesia também têm cada vez mais competências e são mais relevantes.

As escolhas a nível autárquico são essenciais. Tão importante ou mais do que o partido são as pessoas porque a nível autárquico valoriza-se muito o reconhecimento que o candidato tem no território a que concorre. Espero, porque também não tive intervenção a todos os níveis, que as escolhas do PSD sejam aquelas que colherão maior número de mandatos.

Espera que passe a haver uma distribuição de câmaras mais equilibrada entre PS e PSD?

Gostaria que existisse esse equilíbrio maior como já existiu no passado entre câmaras do PS e câmaras do PSD. O PSD faz-se à base dos seus autarcas e por isso tenho dito muito a este líder do partido da importância e da relevância dos autarcas para o partido. Só com uma base autárquica alargada o PSD pode almejar a ser governo. É a história que o diz e penso que será assim no futuro: qualquer líder do PSD só poderá aspirar a ser primeiro-ministro se tiver uma base autárquica forte que o catapulte.

Penso que o líder atual percebeu isso e, por isso, também fez escolhas pessoais que espero que correspondam à expectativa que o próprio líder tem, mas essencialmente que correspondam à esperança das populações locais.



O PSD tem vários casos, que também acontecem noutros partidos, de ex-autarcas que vão concorrer como independentes. Como explica isso?

Essa é uma questão, sociologicamente falando, bastante complexa porque cada caso é um caso e cada um tem a sua motivação. Costumamos dizer que o bichinho autárquico é algo que se entranha no corpo e depois é difícil de nos libertarmos. Certo é que muitos desses que concorrem como independentes – penso que, desta vez, o PSD não tem assim tantos – manifestaram vontade de ser candidatos e o partido por razões várias resolveu optar por outros candidatos e eles decidiram, porque a lei o permite, entrar no mundo dos independentes.

A história também nos diz que, sempre que temos esta divisão entre um candidato oficial do partido e um candidato divergente que enveredou por concorrer como independentes, a vitória vai para um terceiro. Infelizmente, isso irá acontecer em muitos locais.

E como vê os novos partidos à direita do PSD? Admite que autarcas do PSD venham a fazer alianças com a Iniciativa Liberal e o Chega?

Gostava novamente de sublinhar que, ao nível local, a questão pessoal se sobrepõe muitas vezes à questão da política do partido e, por isso mesmo, penso que cada caso será um caso. É evidente que há candidatos que concorrem sob a bandeira de determinados partidos que, para o PSD, são estabelecidas linhas vermelhas a partir das quais não devem ser feitas quaisquer tipos de alianças.

No entanto, relativamente aos partidos que estão à nossa direita, desta vez existem três ou quatro: o Aliança, que quase desapareceu, porque o seu mentor desertou e anda à procura do caminho; o CDS, que também vive tempos difíceis e com quem o PSD assumiu alianças que vão ser sufragadas logo no dia 26; admito coligações com o Iniciativa Liberal, com o qual julgo que poderá existir maior afinidade e depois há a questão do Chega.

O líder do partido já disse que, neste momento, estão afastadas coligações com o Chega, pelo menos coligações pré-eleitorais. Também já vimos que nos Açores existiu uma coligação pós-eleitoral com o Chega. Portanto, não diria que esse afastar de possibilidades deva ser colocado na sua totalidade e com fundamentalismo porque, mais do que os partidos, o que conta são as pessoas e se os candidatos em termos locais considerarem que têm condição de formalizar algumas coligações pós-eleitorais penso que elas não poderão, nem deverão ser excluídas à partida.

Há necessidade ou não de redesenhar a Área Metropolitana de Lisboa?

A Área Metropolitana de Lisboa tem alguns problemas e os problemas surgem sobretudo quando há fundos comunitários. Temos uma AML a 18, sendo que desses 18 há 4 ou 5 municípios mais ricos e os restantes são mais pobres, onde enquadro Mafra, Loures, Vila Franca, Odivelas, Amadora e todos os da margem Sul.

Lisboa, Oeiras, Cascais são os municípios mais ricos com poderes de compra per capita elevadíssimos e são esses municípios que levam a que os fundos comunitários para a AML sejam fundos com menos percentagem de comparticipação, o que faz com que todos os restantes se sintam discriminados na questão dos fundos comunitários.

Mas do que pensar no fracionamento exclusivamente por questões de fundos comunitários, julgo que o caminho devia passar por manter a coesão e a unidade da AML, mas assumir dentro da própria AML que devem existir diferentes taxas de comparticipação em função do rendimento medio per capita em cada um dos municípios.

Depois há outras questões menores, mas nada que nos divida. Aliás, temos tido muita coisa que nos une e dou como exemplo positivo a questão dos transportes metropolitanos que uniu os 18 municípios. Mas, como presidente da Câmara de Mafra, não consigo justificar aos meus munícipes, quer do ponto de vista público quer privado, as empresas que estão nos concelhos vizinhos de Torres Vedras, Sobral de Monte Agraço ou Arruda dos Vinhos, que têm exatamente a mesma taxa de rendimento per capita que tem Mafra, recebem o dobro dos fundos comunitários do que a autarquia de Mafra ou as empresas do meu concelho.

Não faria sentido que esses municípios também fizessem parte da AML?

Faria. A questão é que eles não querem. A manter-se este modelo de financiamento, eles preferem na CIM Oeste e a depender da CCDR de Coimbra, que é uma aberração quando estão a 40 quilómetros de Lisboa.