Abram alas ao Noppert. O gigante que van Gaal despertou no Mundial
22-11-2022 - 12:30
 • Eduardo Soares da Silva

O guarda-redes mais alto do Campeonato do Mundo tem apenas cerca de 50 jogos como profissional e esteve perto de deixar o futebol. Em 2019, teve a ajuda do treinador português Cláudio Braga no Dordrecht, no regresso ao futebol neerlandês.

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Em junho de 2019, o guarda-redes Andries Noppert terminava contrato com o Foggia, numa época em que foi pouco utilizado e desceu à terceira divisão italiana. Aos 26 anos e sem muito para contar da aventura em Itália, voltou aos Países Baixos para jogar no segundo escalão a convite de um treinador português.

Nada faria adivinhar que, três anos depois, Noppert seria o titular da seleção neerlandesa no Mundial do Qatar.

Formado no Heerenveen, Noppert arrancou a carreira sénior no NAC Breda, onde foi maioritariamente suplente durante várias temporadas. Entre lesões e relegado nas opções dos treinadores, foi utilizado apenas seis vezes antes de emigrar para Itália.

Mais uma vez sem sucesso em Itália, Cláudio Braga convidou o guarda-redes para o Dordrecht, clube da segunda divisão situado nos arredores de Roterdão, numa altura em que chegou a estar em cima da mesa desistir do futebol e envergar por uma carreira "mais segura" e juntar-se à polícia.

"Em Itália passou por lesões e estava numa situação complicada, sem clube. Abordamo-lo, demos uma oportunidade e estipulamos com ele um plano de trabalho que lhe desse perspetivas para o futuro. Veio para o Dordrecht já numa fase de competição. Mostrou as suas qualidades e uma enorme força de vontade", recorda, em entrevista à Renascença.

Noppert disputou dois jogos, mas em setembro voltou às lesões: "Treinava e voltava a ter de sair por lesão. Não foi o que esperávamos naquela altura".

Cláudio Braga tem currículo no futebol neerlandês, com passagens pela formação do Sparta Roterdão, PSV e Utrecht, para além das equipas principais VV Nieuwerker, Fortuna Sittard e Dordrecht. O treinador português deixou o clube a meio da temporada, mas acabou por ajudar o guarda-redes a encaminhar o futuro.

"Tivemos muitas conversas individuais em que ele mostrou a sua qualidade humana e o seu compromisso com o clube. Muito passa pela cabeça e podemos querer agarrar outra carreira, mas ele era muito responsável e tinha uma enorme força de vontade para atingir os objetivos. Lembro-me que no fim da época recebi um telefonema que me perguntavam por ele, se seria uma boa opção para outro clube", afirma.

O guarda-redes, já com 27 anos, assinou pelo Go Ahead Eagles. Não somou qualquer jogo na primeira temporada, mas a equipa subiu ao primeiro escalão.

A vida de Noppert mudou em 2022. De eterno suplente, em janeiro, o guardião assumiu a titularidade e, desde então, tem acumulado grandes exibições.

"Mister, acertamos no guarda-redes"

O treinador Kees van Wonderen trocou o Go Ahead Eagles pelo Heerenveen e levou Noppert consigo, que assim regressou ao clube de formação. A afirmação foi tal que em setembro convenceu Louis van Gaal a uma primeira convocatória para a seleção principal.

Em toda a carreira profissional, Noppert fez apenas cerca de 50 jogos. Mais de metade foram desde janeiro deste ano.

"O treinador levou-o com ele para o Heerenveen. Viu as qualidades e potencial que poderia mostrar mais qualquer coisa. A época está a correr-lhe muito bem, foi à seleção e penso que é um pico de carreira fantástico. Ontem estava ver o jogo e a pensar no período em que estivemos juntos. É muito comprometido com o trabalho, um dos primeiros a chegar, muito alegre ao pequeno-almoço e no departamento médico. É um profissional fantástico, tem um compromisso enorme e é um clássico holandês: muito direto", elogia.

Andries Noppert é o jogador mais alto do Campeonato do Mundo. Com 2,03m, o guarda-redes de 28 anos já impressionava pela altura no Dordrecht.

"Lembro-me do primeiro dia dele no clube. Tínhamos o Pedro Marques, avançado que vinha do Sporting, e foi só o Noppert entrar para o pequeno-almoço que o Pedro disse 'mister, acho que acertamos no guarda-redes'. Foi só a forma de o ver, ainda nem tinha tocado na bola. É uma altura enorme e destaca-se pela estatura também", explica.

"Lancei Van der Sar com 19 anos"

Van Gaal surpreendeu ao colocar Noppert na baliza no primeiro jogo do Mundial. Restava ao guarda-redes mostrar-se ao mundo e o porquê dos guarda-redes de Ajax e Feyenoord, dois históricos do futebol neerlandês, terem ficado no banco.

A primeira internacionalização foi memorável: os Países Baixos venceram o Senegal por 2-0 e Noppert esteve em evidência com várias defesas importantes.

Não é a primeira vez que Louis van Gaal surpreende na baliza. Na última presença dos Países Baixos num Mundial, em 2014, o treinador trocou de guarda-redes para as grandes penalidades nos quartos de final frente à Costa Rica.

Cillessen deu lugar a Tim Krul, que foi herói e defendeu as penalidades de Bryan Ruiz e Umaña, qualificando a "laranja mecânica" para as meias-finais.

Questionado no fim do jogo com o Senegal em relação à titularidade do guarda-redes, van Gaal desvalorizou o histórico do guardião do Heerenveen: "Um risco lançar o Noppert? Eu dei a titularidade ao Van der Sar quando ele tinha 19 anos".

Cláudio Braga sublinha a confiança de van Gaal, apesar das críticas nos Países Baixos. "Na Holanda havia dúvida em torno dele. Foi a força do selecionador e do treinador de guarda-redes. É uma forma de acreditar muito forte e ele também sente isso. Mas não é por um ou outro jogo, é preciso ver como se vai desenvolver o torneio e se continua a ser opção. Por agora, parece que está tudo a sorrir para o lado dele".

Resta esperar pelos restantes jogos do Mundial para continuar a avaliar o gigante Noppert, que já chamou à atenção do Mundo, quando há poucos meses permanecia no anonimato da segunda divisão neerlandesa.

"Estes torneios têm um destaque enorme. É o momento de ser visto, e ter oportunidade de sair para clubes com outra dimensão. Se conseguir mostrar mais vezes esta performance e ser regular, seria normal sair convite para um clube de topo ou mercados mais competitivos", termina.

Apesar da polémica e desrespeito pelos direitos humanos, o Campeonato do Mundo continua a ser palco de algumas das melhores histórias de superação do futebol.