​Recuperar o prestígio militar
27-09-2018 - 06:16

O caso de Tancos não ajuda a recuperar o prestígio das FA portuguesas. Algo terá que mudar, ainda antes de transitada em julgado a eventual sentença deste lamentável caso.

Se as acusações do Ministério Público sobre as armas de Tancos forem confirmadas em tribunal, a imagem dos militares na sociedade portuguesa sofrerá um sério abalo. Aliás, essa quebra na imagem pública das Forças Armadas (FA) já é um facto, após membros do exército e da GNR, uma força de segurança de natureza militar, terem surgido como suspeitos. Particularmente chocante é estarem envolvidos, incluindo ao mais alto nível, elementos da Polícia Judiciária Militar. Compreende-se a existência de uma polícia específica do sector militar – mas para investigar crimes e descobrir culpados, não para encobrir alegados criminosos e colaborar com eles.

Portugal deve a democracia aos militares que fizeram o 25 de Abril. A nossa democracia deixou de ser tutelada pelas FA desde que foi extinto o Conselho da Revolução, com a revisão constitucional de 1982. A subordinação dos militares ao poder político militar não é algo frequente em revoluções desencadeadas por quem detém as armas. Por isso essa transição pacífica significou uma honra para as FA portuguesas. Honra cada vez mais esquecida entre nós – até, por vezes, pelos próprios militares.

Entretanto, as FA tiveram que concretizar profundas mudanças, como transformar um exército para combater guerrilhas num exército mais pequeno, mas mais moderno e profissional. Acabou o serviço militar obrigatório (o que hoje alguns lamentam, porventura com razão) e as condições oferecidas aos voluntários para ingressarem nas fileiras parecem não ser suficientemente atrativas, diminuindo preocupantemente o número de soldados no ativo. Insuficiente tem sido, também, a modernização tecnológica dos equipamentos das FA, o que levanta às vezes sérias dificuldades em missões internacionais – nas quais, aliás, os militares portugueses têm sido apreciados e elogiados.

O estatuto dos militares na sociedade portuguesa tem vindo a baixar, o que se traduz no fraco apoio financeiro que o Orçamento do Estado lhes tem concedido. Muito porque os políticos não mostram valorizar as FA, exceto em discursos de circunstância. Nem sequer se vê uma pedagogia do Estado tornando clara para toda a gente a necessidade de o país dispor de FA competentes e bem equipadas – por isso há quem pense que os militares seriam dispensáveis em Portugal. Uma ilusão perigosa.

O caso de Tancos naturalmente não ajuda a recuperar o prestígio das FA portuguesas. Desde logo, não é justificável a ligeireza com que a hierarquia do exército tratou a evidente falha de segurança do material guardado em Tancos. E foram patéticas as sucessivas pseudo-explicações para a vulnerabilidade de locais onde se armazenam armas e munições. Algo terá que mudar, ainda antes de transitada em julgado a eventual sentença deste lamentável caso.