Danos colaterais dos apoios às empresas
02-06-2020 - 06:18

O Estado tem que apoiar em força muitas empresas, para que estas não desapareçam por causa da pandemia. Mas há que ter atenção para não agravar a conhecida promiscuidade entre política e negócios.

António Costa Silva, o professor do Técnico e gestor (na Partex, que já não está ligada à Gulbenkian), vai ser nomeado conselheiro especial de António Costa. É pena que esta nomeação oficial e pública não tivesse sido feita há um mês, quando A. Costa Silva começou a trabalhar, “pro bono”, num plano de recuperação da economia portuguesa, como o próprio disse à RTP. As negociações, as decisões e a definição das prioridades cabem, naturalmente, ao Governo

Tirando este pormenor de a sua colaboração ter sido segredo durante mais de um mês (porquê?!), é uma excelente escolha. A independência e a visão estratégica de A. Costa e Silva são conhecidas; mais do que uma vez criticou decisões governamentais. E os receios dos partidos de que o conselheiro viesse negociar com eles ou coordenar ministros ou, ainda, decidir prioridades foram totalmente afastados pelo próprio na entrevista ao telejornal de domingo, na RTP.

O montante e as condições da ajuda financeira da UE ainda não são conhecidos. Mas, espera-se, serão significativos e adequados ao brutal choque da profunda recessão portuguesa provocada pela pandemia.

Os apoios às empresas inevitavelmente irão provocar problemas complicados. Levanta-se aqui o risco de essas ajudas, ou algumas delas, aumentarem a crónica dependência do Estado de muitas empresas privadas portuguesas e intensificarem a conhecida promiscuidade entre políticos e empresários e/ou gestores.

Por outro lado, não se podem apoiar todas as empresas existentes no país. Terá de haver escolhas, que serão do Governo. Mas importa conseguir o máximo possível de transparência nos critérios utilizados para aquelas escolhas, ao contrário do que lamentavelmente aconteceu com os apoios aos meios de comunicação social.

Também é necessário preservar uma sã concorrência nos mercados. Como o fazer, se umas empresas recebem ajudas estatais e outras não? Aí está uma questão sobre a qual o conselho do prof. A. Costa e Silva poderá ser de grande importância.

A dependência do Estado é o grande e secular problema do empresariado privado nacional. Se queremos uma iniciativa privada mais forte e mais autónoma dos governos teremos de lutar contra essa dependência. Numa altura em que o apoio do Estado é indispensável, vai ser precisa a visão estratégica do conselheiro Costa Silva para reduzir tanto quanto possível os danos colaterais dos apoios às empresas.