O que une radicais de direita e de esquerda
28-07-2021 - 06:10

Contra o que, frequentemente, se julga, um radical de direita não está a uma distância de 180 graus de um radical de esquerda. Ambos partilham um desprezo pela democracia liberal, que consideram um regime político “mole”, sem “espinha dorsal”. Não aceitam que quem pense de maneira diferente da nossa não seja um inimigo a abater.

No passado dia 1 a Eslovénia sucedeu a Portugal na presidência semestral da União Europeia (UE). Este pequeno país de dois milhões de habitantes fez parte da Jugoslávia. Independente desde 1991, aderiu à UE em 2004, juntamente com vários outros países da antiga órbita soviética.

A Eslovénia tem um primeiro-ministro, Janz Jansa, grande admirador de Trump e de Viktor Orbán.

Não admira, assim, que a liberdade de imprensa seja atacada naquele país por duas vias: pela censura, mais ou menos dissimulada, e pela multiplicação de órgãos de mera propaganda governamental e de ataque a jornalistas independentes.

“Jansa sempre foi um radical, primeiro era um comunista radical, depois tornou-se um anti-comunista radical”, disse à enviada do “Público” Sofia Lorena uma jornalista eslovena, acrescentando que “é a mesma escola, Jansa acha que os media, principalmente os públicos, têm de estar ao seu serviço, ser ferramentas de propaganda do Governo.”

Ora, aquilo que aproxima radicais de direita de radicais de esquerda inclui decerto não gostarem do jornalismo independente, mas é mais do que isso.

Contra o que frequentemente se julga, um radical de direita não está a uma distância de 180 graus de um radical de esquerda. Ambos partilham um desprezo pela democracia liberal, que consideram um regime político “mole”, sem “espinha dorsal”.

Os radicais não entendem que, na sociedade pluralista, os que pensam de maneira diferente da nossa sejam adversários com quem convivemos pacificamente, muito embora tentemos convencê-los democraticamente a mudar de ideias. Adversários que, como nós, têm os mesmos direitos de qualquer cidadão.

A democracia liberal é um acordo para discordar. A sua raiz histórica está na superação das guerras de religião, que flagelaram a Europa depois da reforma protestante e levaram milhões de europeus a emigrarem para a América do Norte, antes ainda da independência dos EUA.

As guerras religiosas são as mais ferozes de todas, pois nesse caso o inimigo está contra o nosso Deus, é o diabo. E em relação ao diabo não pode haver convivência pacífica, vale tudo para calar e suprimir os que o servem.

É triste que hoje seja um americano, Trump, a liderar a ofensiva contra a democracia liberal, ofensiva seguida por vários autocratas.

Até há quatro décadas, quem liderava esse lamentável combate era o comunismo soviético. Agora o implacável ditador chinês Xi Jinping quer mostrar ao mundo que a democracia liberal é “decadente”. E Putin, sem ideologia que não seja o poder pelo poder, também pretende atacar esse regime onde se concorda em discordar.

Neste quadro de ataques à liberdade de expressão, pilar básico da democracia liberal, em Portugal é preocupante que a Assembleia da República tenha aprovado o já célebre artigo 6.º da Lei n.º 27/2021. As intenções desta lei são respeitáveis, pois pretende defender-nos contra as notícias falsas.

Mas a sua concretização abre a porta a um possível regresso da censura, com outro nome naturalmente. Alguns destacados deputados socialistas já o entenderam.

Mas a maioria dos membros do Parlamento não percebeu o risco que a liberdade de expressão poderá correr se aquele artigo se mantiver com força de lei.