Trabalhar até aos 69 anos garante pensões para todos
12-04-2019 - 00:09
 • Sandra Afonso

O alerta faz parte do estudo “A Sustentabilidade do Sistema de Pensões Português”, coordenado por Amílcar Moreira, com o apoio da Fundação Francisco Manuel dos Santos.

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Um estudo sobre a sustentabilidade do sistema de pensões aponta o prolongamento da idade de reforma para os 69 anos como a forma mais eficaz para conseguir pagar reformas para todos

Intitulado “A Sustentabilidade do Sistema de Pensões Português”, o estudo, coordenado por Amílcar Moreira, com o apoio da Fundação Francisco Manuel dos Santos, parte de um modelo de micro-simulação dinâmica, inédito em Portugal, que antecipa um cenário de rutura do sistema a prazo.

Os défices crónicos podem ser adiados, mas será incontornável o recurso ao erário público, através de “transferências avultadas”, indica o trabalho.

Este estudo, ao qual a Renascença teve acesso, conclui também que o actual sistema não protege os futuros pensionistas da pobreza e a melhor alternativa será o aumento da idade da reforma. As pensões da SS vão aumentar até 145%, nos próximos 50 anos, mas não acompanham os salários.

Os autores deste estudo antecipam que até 2070 “a população portuguesa deverá diminuir perto de 23%: de 10,2 milhões, para 7,9 milhões de pessoas”. São projeções baseadas no cenário desenvolvido pela Comissão Europeia, no "Ageing Report", de 2018.

O envelhecimento continua a ser uma constante. Em 2070, mais de um terço da população terá 65 anos ou mais, a proporção deverá aumentar de 22%, em 2020, para 36%, 50 anos depois. No mesmo período, a população activa deverá diminuir 37%.

Na economia as projeções também não são animadoras. O crescimento deverá manter-se mais lento e sempre abaixo do resto da europa, que estará acima de 1%, e mesmo este cenário tem por base “pressupostos bastante optimistas sobre o crescimento da produtividade, em geral, e da produtividade do trabalho, em particular.”

Para os salários, são esperados aumentos entre 1,5% e 2% ao ano, entre 2035 e 2070, em linha com os ganhos de produtividade.

Com o país a envelhecer, espera-se um aumento significativo de pensionistas até 2045, de cerca de 2,7 milhões para 3,3 milhões. Mas, depois deste pico, pela redução dos novos pensionistas, este número deverá regressar de forma progressiva aos 2,7 milhões, até 2070. Ainda assim, como a população também vai diminuir, a partir de 2040 os pensionistas vão representar mais de um terço da população.

Aumentos nas pensões da SS chegam aos 145%, até 2070

Nos próximos 50 anos, as pensões deverão aumentar mais de 90%. É o que defendem os autores do estudo, para as pensões de velhice, pagas pela Segurança Social, desde que os salários cresçam em linha com as projeções da Comissão Europeia. Segundo as contas apresentadas, o valor médio da pensão deverá subir de 482 euros em 2020, para 924 euros em 2070. Já nas pensões de Invalidez Absoluta e Relativa as subidas andam pelos 120% e 138%, respectivamente. A pensão social de velhice deverá aumentar quase 145%. Pelo contrário, nas Pensões de Sobrevivência, o aumento médio esperado não chega aos 60%.

Já na CGA, fruto das medidas de correção que têm sido aplicadas para aproximar estes valores aos da SS, é esperada uma descida acelerada do valor médio das pensões atribuídas. A pensão de velhice, por exemplo, deverá cair de 1304 euros para 470 euros, em 2070.

Em média, as pensões pagas pela CGA são muito superiores às que são pagas pela Segurança Social. Em 2016, por exemplo, a Pensão de Velhice na CGA chegou aos 935,64 euros/mês, enquanto na SS não foi além dos 366,53 euros/mês, a Caixa pagou cerca de 2,5 vezes mais. A explicar estes dados estão “cálculos históricos favoráveis, maior percentagens de trabalhadores qualificados, carreiras contributivas mais longas e diferentes práticas salarias entre público e privado”.

As receitas vão chegar para pagar as pensões?

Com o aumento de pensionistas, pelo menos até 2045, e o aumento do valor das pensões da SS, a despesa também vai subir. No entanto, em percentagem do PIB, “deverá aumentar de 12,5%, em 2020, para 12,7%, em 2050 – acabando por cair para 11,8%, em 2070”.

Por outro lado, é esperado um decréscimo substancial da população e da população activa, mas os autores não acreditam que tal tenha impacto nas contribuições para a SS, devido ao forte aumento dos salários previsto por bruxelas.

Este relatório aponta ainda para o ligeiro crescimento das contribuições para a SS, de 8,1% do PIB, em 2020, para 8,7% em 2070. No entanto, não serão suficientes para evitar os défices crónicos esperados no Regime Previdencial da Segurança Social, a partir do final da próxima década (2027). É esperado que aumentem de forma progressiva, até atingirem o pico, cerca de 2,8% do PIB, por volta de 2050. Com a estabilização da despesa com as pensões, os défices deverão estabilizar nos 2,5% do PIB.

Há uma forma de prolongar a sustentabilidade do sistema, será recorrer ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS), mas este ficará esgotado em 12 anos. Ou seja, adia o problema até 2039, e nessa altura o défice do Regime Previdencial já estará acima dos 2% do PIB.

E se o crescimento ficar abaixo do previsto?

Estas projeções baseiam-se num cenário optimista. Caso a produtividade do trabalho cresça abaixo do previsto, menos 0,4 pontos percentuais ao ano, terá impacto directo nos défices previstos no Regime Previdencial da Segurança Social. Estes podem chegar aos 4% do PIB, em 2050, e aos 5% em 2070.

Este cenário, mais pessimista, implica ainda mais transferências do Orçamento de Estado para pagar pensões.

Os pensionistas estão protegidos da pobreza?

Não, não estão. Este estudo conclui mesmo que os pensionistas, com 65 anos ou mais, em risco de pobreza até podem aumentar, de 9,5% em 2020, para 15,4% em 2070 – um agravamento de quase 5 pontos percentuais.

Segundo os autores, apesar do esperado aumento do valor das pensões da SS (preços constantes), estas não vão acompanhar a dinâmica salarial.

Em média, a pensão da SS deverá variar entre 66% e 69% depois de 2030. Irá assegurar, pelo menos, cerca de dois terços do último salário auferido.

Reformas alternativas

Dos três cenários analisados, o aumento da idade da reforma foi o que ofereceu melhores resultados. Os autores propõem aumentar até quatro anos o acesso às pensões, incluindo as antecipadas. É o que tem mais potencial para melhorar a sustentabilidade do sistema de pensões. Até um aumento de três anos da idade da reforma, permitiria adiar o aparecimento de défices crónicos, no Regime Previdencial, para além de 2070.

Aumentar as contribuições para o sistema surge como a segunda opção mais eficiente, “para adiar o aparecimento dos défices crónicos no sistema e prolongar a vida útil do FEFSS”. Em causa estão aumentos graduais das taxas, de 0,5 a 2,5 pontos percentuais.

No entanto, a longo prazo, a imposição de cortes nas futuras pensões iria assegurar uma redução mais expressiva dos défices. O problema deste tipo de soluções, que reduz o crescimento do valor das pensões, é que têm mais impacto ao nível da sustentabilidade social do sistema.

O modelo sueco

A proposta assenta numa ‘Pensão Base’, de natureza contributiva, aliada a um plano de pensão privado (‘Pensão Premium’), financiado em regime de capitalização, e com um complemento de pensão financiado pelos impostos (‘Pensão mínima Grarantida’).

Este sistema permitiria poupar em Portugal, em despesas com pensões, 20% até 2070. Os autores deste estudo defendem ainda que iria reduzir os défices do sistema, quando se esgotassem os fundos do FEFSS.

O calcanhar de aquiles deste sistema é o impacto social. Ele permite poupanças porque desacelera o crescimento do valor das pensões, que em 2070 poderiam estar 28% abaixo do cenário de referência utilizado neste estudo. Mas afecta a capacidade do sistema proteger os pensionistas de uma quebra significativa de rendimentos, quando passam à reforma.

Este estudo é assinado por Alda Botelho Azevedo, Luís P. Manso e Rui Nicola. Utiliza um modelo de micro-simulação dinâmica inédito em Portugal, o DYNAPOR (Dynamic Microsimulation Model for Portugal), que foi inicialmente desenvolvido pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, pela Universidade de Southampton e pelo Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, com financiamento da Fundação Calouste Gulbenkian e da Fundação Francisco Manuel dos Santos. Contempla alterações nos atributos dos indivíduos para analisar os efeitos redistributivos da política de pensões.

Os "millennials", a nova geração de trabalhadores, têm a reforma assegurada? A dúvida foi levantada em 1998, pelo "Livro Branco da Segurança Social", que previu que a partir de 2020 deixaria de ser sustentável, devido ao aumento da despesa com pensões. O impacto foi de tal ordem, que deu origem a duas reformas do sistema público de pensões (2002 e 2007), e a dúvida continua instalada.