Porque é que as pessoas mentem sobre “Quem quer casar com um agricultor?”
15-03-2019 - 06:45

​O espectador vê reality shows para se sentir moralmente superior em relação aos participantes desses programas.

Toda a gente diz que odeia ler tablóides. Toda a gente diz que "aquilo" é só “crime e desgraças”. Contudo, os tablóides vendem, são decoração obrigatória dos balcões e mesas dos cafés. De igual modo, ninguém assume que vê reality shows como “Quem quer casar com agricultor?”. É assim há vinte anos.

Quando falam do assunto, as pessoas dizem sempre que não percebem como é que alguém vê aquilo. Contudo, os reality shows continuam a esmagar nas audiências. Porque é que as pessoas mentem?

Mentem, porque dizer a verdade exige uma brutal honestidade: o espectador vê reality shows para se sentir moralmente superior em relação aos participantes desses programas; ao ver outras pessoas em figuras consideradas tristes ou confrangedoras, o espectador sente-se de imediato num pedestal de sofisticação e aprumo ético.

Ver um filme ou documentário que eleve o espírito dá demasiado trabalho, exige demasiado da mente. Neste sentido, programas como “Quem quer casar com um agricultor?” ou “Quem quer casar com o meu filho?” dão a este espectador preguiçoso uma sensação de elevação. Não é uma elevação real, é apenas relativa: não é ele que sobe, os outros é que descem. Apesar de ser relativo, o truque garante um certo aconchego. Para quê ver um bom filme quando se tem acesso a esta fúria virtuosa? Ah, este país não tem emenda! Este país é mesmo só de brutos!

A verdadeira pornografia moral destes programas não está, portanto, nos participantes, mas sim nos espectadores. Mas, verdade seja dita, nada disto pode chocar quem acredita no pecado original, isto é, nada disto pode surpreender quem olha para o homem através de um salutar pessimismo antropológico.

Os reality shows são a alcoviteirice possível de uma sociedade sem laços de vizinhança. O que antes era feito de janela para janela é agora feito através da janela do ecrã. "Aquilo que foi é aquilo que será: aquilo que foi feito há-de voltar a fazer-se: e nada há de novo debaixo do sol" (Ecl 1, 9).