D. Jorge Ortiga e o Orçamento. "Tenho a impressão de que tudo ficará na mesma"
17-10-2016 - 13:34

O presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social e Mobilidade Humana defende, em entrevista à Renascença, que os valores apontados para o aumento das pensões são "insignificantes".

O presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social e Mobilidade Humana, D. Jorge Ortiga, teme que tudo fique na mesma com o novo Orçamento de Estado.

"Não sou especialista, não tenho capacidade para analisar o significado das diferentes verbas, mas, infelizmente, tenho a impressão de que tudo ficará na mesma", diz o também arcebispo de Braga, em entrevista à Renascença.

D. Jorge Ortiga considera que os valores apontados para o aumento das pensões são "insignificantes", tanto mais que também "há subidas do custo de bens, alguns essenciais e outros que, não sendo, também fazem parte do quotidiano".

"As pensões já são tão baixas, que não permitem um vida com a dignidade que deveria existir", aponta o arcebispo de Braga, concluindo que, deste modo, "muito portugueses vão continuar à margem da sociedade".

"O orçamento deveria ter uma preocupação maior pela dimensão social, no sentido de tentar encontrar respostas e soluções, servindo-se para isso das estruturas intermédias, na linha do princípio da subsidiariedade", defende o presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social e Mobilidade Humana.

Para D. Jorge Ortiga, o que o Estado faz "não é o suficiente, face às necessidades".

"Não quer dizer que não haja atenção e preocupação, mas o Estado pode e deve fazer ainda mais", reforçou.

Do lado da Igreja, D. Jorge sublinha que ela continuará "fiel à sua missão", pelo que "não pode deixar de se envolver nas questões sociais".

"A questão social é parte integrante da acção da Igreja, embora muita gente pense que a Igreja faz o bem por uma questão opcional e de boa vontade das pessoas".

Acredita que o novo orçamento vai combater as desigualdades e recuperar rendimentos?

Eu gostaria que fosse. Não sou propriamente especialista, não tenho capacidade para analisar o significado das diferentes verbas, mas, infelizmente, tenho a impressão de que tudo continuará na mesma. parece-me que o Orçamento de Estado deveria ter uma preocupação maior por esta dimensão social, no sentido de tentar encontrar respostas e soluções, servindo-se daquelas estruturas intermédias, em linha com o princípio da solidariedade, para poder dar respostas, de tal modo que a situação do povo português fosse uma situação de uma vida mais digna, onde nada do essencial falta, algo que não está a acontecer, porque são muitos aqueles que continuam à margem da sociedade.

Uma das questões mais faladas é a da não atribuição de um aumento extraordinário de dez euros às pensões mais baixas. Estamos a falar de uma pensão de 230 euros...

Creio que dez euros são insignificantes, porque depois há aumentos noutras coisas, em bens essenciais e noutros que, não sendo talvez essenciais, pertencem ao quotidiano, da vida das pessoas. Aquilo que alguns poderão receber mais na pensão vai-lhe ser retirado por outro lado. Portanto, a situação vai continuar, até porque as pensões são tão baixas que não permitem uma vida com a dignidade que deveria existir.

Na mensagem que enviou ao recente encontro nacional da Pastoral Social, o Presidente da República elogiou o papel das instituições da Igreja e agradeceu o seu contributo em nome de Portugal. Foi importante ouvir isso do Presidente?

É sempre bom recebermos um obrigado, mas a Igreja trabalha procurando ser fiel à sua missão e não pode deixar de se envolver em todas estas questões sociais. A dimensão social é parte integrante da acção da Igreja. Há muita gente que pensa que a Igreja faz o bem por uma questão opcional e de boa vontade das pessoas, mas não, a Igreja não tem outro caminho senão preocupar-se com o bem-estar de todos. Por isso mesmo, esta é a nossa missão, que fazemos gratuitamente, generosamente, não pretendendo recompensa de qualquer espécie, mas, quando um sinal chega, quando ouvimos um Presidente da República reconhecer que, nesta situação de crise por que o país tem passado, a presença da Igreja vai atenuando o efeito, creio que isto é consolador e, particularmente, é um estímulo para quem diariamente trabalha de forma voluntária, procurando encontrar soluções e respostas nos mais variados lugares, para as mais variadas tipologias de necessidades.

Para além da ajuda às necessidades mais básicas, como a alimentação e o vestuário, muitas instituições deste sector solidário, muitas delas ligadas à Igreja, dão uma resposta diferenciada onde o Estado falha. Estou a lembrar-me das unidades de cuidados continuados e paliativos, no acolhimento de crianças com deficiência, etc. O Estado tem cumprido as suas obrigações?

Isto é sempre muito difícil de responder. O Estado faz uma parte, mas não me parece que seja o suficiente, porque, perante essas necessidades que acabou de referir, o Estado devia ser muito mais interventivo e nem sempre o é. Eu creio que o Estado pode e deve fazer muitíssimo mais e foi isso que referi quando pensava no Orçamento de Estado, dizendo que deveria haver outras verbas para poder colmatar essas deficiências. Portanto, não me parece o suficiente, o que não quer dizer que não exista a atenção e a preocupação, mas eu creio que as verbas são insignificantes para poder naturalmente ultrapassar as carências dessas famílias e pessoas.

Voltando ao encontro da Pastoral Social, Marcelo Rebelo de Sousa também alertou para os desafios que se avizinham com a saída da crise porque, nas palavras do presidente, “a saída não será igual para todos”. Qual é a sua perspectiva e que dados existem neste momento?

Os problemas continuam a ser mais que muitos e penso que, infelizmente, terei que dizer que continuam a aumentar. A título de exemplo, cada diocese tem o seu serviço organizado em termos de fundos de solidariedade, mas eu gostava de fazer referência ao fundo social solidário que foi instituído pela Conferência Episcopal, um fundo de solidariedade que se iniciou em 2010 e terminou agora, não para acabar, mas para efectuarmos um período de reflexão e verificarmos se o caminho percorrido até hoje é o mais oportuno. Nestes cerca de cinco anos, posso dizer que o número de famílias apoiadas foram 11.666 e houve uma entrega de dinheiro de 2,5 milhões.

Há quem acuse a Igreja de assegurar meros paliativos para quem sofre com a crise. É uma preocupação da Igreja e das suas instituições ir além da caridade e do assistencialismo, encontrando respostas, criando projectos que ajudem as pessoas a refazer a vida?

Sem dúvida. Eu diria que o trabalho da Igreja não é paliativo, na medida em que onde existe fome nós não podemos estar a adiar e estar a dizer que esperem para outro tempo, para outra oportunidade, temos que responder no imediato. Efectivamente, os projectos vão surgindo e é uma variedade muito grande que eu não posso estar aqui a referir, porque nascem através das diversas dioceses. Cada diocese, concretamente, é que verifica como deve ou não agir. No que me diz respeito, em Braga, conheço um pouco mais de perto e procuramos alertar com o acolhimento das pessoas, ouvindo as pessoas e fazendo diversas propostas, inclusivamente para oferta de trabalho, apoiar na organização de alguma pequena empresa e tantas outras situações que vão surgindo, porque não nos limitamos a distribuir géneros. Essencialmente, procuramos escutar as pessoas. Há técnicas que procuram dedicar o seu tempo precisamente para ouvir e, ouvindo, dar uma resposta dentro daquilo que é possível.

Esse apoio, essencial a quem mais necessita, tem naturalmente os seus custos. Aproveito para lhe perguntar sobre a situação financeira das instituições que ajudaram muito os portugueses nos anos de crise e continuam a ajudar, nomeadamente, o impacto que a crise teve nas próprias instituições, se houve redimensionamentos e se podem haver despedimentos.

Risco de despedimento não direi, pode ser num caso ou noutro. Agora, estas instituições precisam de estar atentas e, em primeiro lugar, precisando de trabalhadores, têm que ter uma harmonia com as suas reais possibilidades, para que não sejam apenas uma empresa que está muito bem organizada e gastar o dinheiro no funcionamento dessa empresa, não permitindo depois que esses mesmos bens cheguem às pessoas. É preciso estar sempre atento, não tenho conhecimento de despedimentos.

Falando do voluntariado, são muitas as instituições da Igreja que integram o sector social e solidário, incluindo Misericórdias, IPSS e mutualidades. Que importância tem este sector ao nível da economia?

O voluntariado é essencial, como referi, e todas estas instituições prestam uma atenção muito grande ao voluntariado mas, nomeadamente por exemplo as nossas Misericórdias, com os diversos centros sociais que têm, há nestes lugares uma criação de emprego muitíssimo grande, são muitos os funcionários, há Santas Casas da Misericórdia que nos diversos concelhos são as maiores entidades empregadoras, pelo número de pessoas a que dão trabalho. Se há o voluntariado, há também muita gente a trabalhar nos centros paroquiais sociais ou similares e nas Misericórdias. O voluntariado, com aqueles que animam, que estão presentes também, as direcções quer das Misericórdias, quer dos centros sociais, são sempre constituídas por pessoas que gratuitamente trabalham para essa instituição, portanto são as duas coisas direi. Há um número muito grande de trabalhadores, de harmonia com as necessidades. Não temos dados estatísticos, mas estou a pensar numa Misericórdia de um pequeno concelho que tem 600 trabalhadores e com a população na ordem dos 15000 habitantes, é um dado muito concreto e como este existem muitíssimas situações.